Professor
José J.
Respondeu há 4 anos
Então, para entendermos isso é preciso compreender a situação da Igreja Católica desde o século XVI, bem como o impacto na Europa da descoberta e conquista da América pelos europeus. Lembrando que em 1492 Cristóvão Colombo chegou ao Caribe em 1492 navegando pela Espanha e, já a partir de 1493, se começou a conquista espanhola de grande parte das vastas terras da América que levam ao estabelecimento do império colonial espanhol no século XVI. Portugal, pelo II Tratado de Tordesilhas de 1494, irá adquirir a costa do Brasil e, ao longo dos séculos XVII e XVIII conquistará o interior do Brasil por meio de guerras e tratados com a Espanha e outras potências europeias. As potências do norte da Europa levaram décadas ou um século para iniciarem processos bem sucedidos de colonização do continente americano.
Esse processo de colonização foi marcado por uma intensa violência contra o enorme número de povos nativos da América, povos então desconhecidos dos europeus e cujas culturas lhes causavam muita estranheza (costumes como o canibalismo, a nudez ou seminudez, o consumo de carne de cachorro, os sacrifícios humanos em larga escala em certas culturas, etc) chegando mesmo muitos na Europa a perguntarem se os americanos eram humanos ou se eram se não pertenceriam a uma humanidade degradada. Como os europeus ainda viviam num mundo fortemente religioso se costumava perguntar se os americanos eram ou não uma humanidade tomada pelo demônio, pois eles pareciam viver em oposição a lei de Deus segundo a concepção cristã.
Essa estranheza vinha mesclada com o contato com colonos aventureiros, ambiciosos e inescrupulosos que emigravam para a América com o objetivo de enriquecer. Essa gente via nessas grandes diferenças culturais (muitas contrárias às normas ideais europeias) uma desculpa para a escravização, roubo e exploração desenfreada das populações americanas conquistadas e cujo resultado, somado ao choque imunológico com as doenças trazidas pelos europeus, foi um morticínio talvez sem paralelo e que também causou choque na Europa.
Essa preocupação ocorria devido a preocupações humanitárias, a questão do caráter pecaminoso dos cristãos se eles massacram uma população que deveria se salva do demônio pela catequização e por razões de poder e interesse econômico: afinal, se não há população para taxar e explorar então não há como manter nenhum empreendimento colonial. Os textos do padre dominicano espanhol Bartolomé de las Casas tiveram forte repercussão ao mostrar e condenar a extrema violência dos colonos espanhóis.
Em 1537 o papa Paulo III emitiu uma bula determinando que os índios tinham alma, sendo portanto alcançáveis as normas de controle social e proteções legais em situações de paz. Além disso, dois conjuntos de leis foram promulgados pela coroa espanhola visando diminuir a violência dos conquistadores, proibir a escravidão indígena e promover a sua conversão ao catolicismo ao mesmo tempo em que garantia a sua disciplina e subordinação para serem usados nos empreendimentos econômicos coloniais (Leis de Burgos de 1512, Leis Novas de Carlos V de 1542). A escravização só era aceita no caso de Guerra Justa (ataque permitidos contra povos considerados ameaças aos colonos) ou para se eliminar hábitos tidos como contrários a lei de Deus. Na cidade de Valladollid, em 1550, houve um importante debate, diante do rei espanhol Carlo V, entre las Casas, defendendo os direitos dos americanos, e Juan Ginés de Sepúlveda, defensor da escravização absoluta dos índios, pois os considerava como bárbaros inferiores incapazes de se cristianizar por conta de hábitos e modos de vida, a seu ver, vistos como inumanos. Las Casas venceu esse debate e, se não se acabou com a opressão dos americanos nativos, estabeleceu, no plano legal, regras de respeito mínimas reconhecidas oficialmente pelo estado espanhol incluindo a proibição da escravidão (excetuando determinadas situações).
A perda de fiéis na Europa para as igrejas protestantes fez com que o Papado (Depois do Concílio de Trento isso virou política oficial) fosse compensar isso com a conversão dos americanos, entre outras populações não europeias. Dessa forma, defender a sua libertação da escravidão por parte dos colonos e lutar contra essa prática passou a ser uma necessidade. Aqui diversas ordens católicas foram importantes para aplicar essa política de conversão e a mais importante foi a dos Jesuítas (Um dos objetivos dessa ordem fundada pelo ex-soldado espanhol Ignácio de Loyola era aumentar fora da Europa o número de católicos). Em compensação, passou a tolerar, e para isso foram buscadas justificativas (foram escravizados já na África por africanos de outros povos; Guerra Justa; seu modo de vida era um pecado contra Deus; O mito Cam na Bíblia; é melhor ser escravo e cristão do que livre e pagão e pecador aos olhos de Deus), a escravização em massa dos africanos negros. Ela também servia para compensar a ânsia escravista dos colonos e administradores desviando-os (o que muitas vezes não ocorria) do desejo de apressar os americanos.
O Reino Português teria leis e regras semelhantes ao dos seus vizinhos espanhóis, tendo sido muito influenciado pelos debates e controvérsias ocorridos na Espanha a respeito dos índios. Tendo uma língua e cultura muito próximas e semelhanças no regime político, além da presença dos portugueses na América, tudo isso fez com que os juristas, eruditos e homens de estado de Portugal acompanhassem o desenvolvimento intelectual dos debates espanhóis a respeito da condição dos americanos nativos. No século XVI Portugal empreendia diversas guerras de conquistas contra os povos da costa do Brasil e a experiência dos vizinhos espanhóis na questão indígena era muito útil no tratamento a se aplicar as populações americanas conquistadas e no relacionamento do estado português com os colonos. Isso tudo acabou virando a Lei de Liberdade dos Gentios promulgada por Dom Sebastião em 1570.