DISCALCULIA:
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Por: Andrea M.
09 de Novembro de 2022

DISCALCULIA:

Um estudo sobre a atuação do neuropsicopedagogo

Matemática Ensino Fundamental Ensino Médio Reforço Escolar

A discalculia encontra-se, segundo o DSM–5, dentre os Transtornos do Neurodesenvolvimento, no espectro dos Transtornos Específicos de Aprendizagem, consistindo nas dificuldades de aprendizagem e uso de habilidades acadêmicas com a presença de ao menos um dos sintomas listados a seguir:

Leitura imprecisa ou realizada através de esforço;

Dificuldade de interpretação do que é lido;

Problemas de ortografia, demarcados pelo acréscimo ou omissão de vogais e consoantes;

Dificuldades com a expressão escrita, observadas por erros gramaticais ou de pontuação abundantes e organização inadequada de ideias e parágrafos;

Dificuldades de dominância do sistema numérico;

Dificuldades de raciocínio.

Estes transtornos caracterizam-se por um rendimento inferior ao esperado, quando comparado ao desenvolvimento padrão da faixa etária do sujeito, não resultante de déficits visuais, auditivos, motores, neurológicos e perturbações emocionais, embora possam ocorrer concomitantemente aos mesmos, no tratamento de dados matemáticos, tempo e medidas. Não raramente acompanhado por desmotivação, desinteresse e problemas de memorização.

Na busca de uma definição para os Transtornos Específicos de Aprendizagem, a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) traz os distúrbios de aprendizagem na categoria de Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares e, dentro dessa categoria, os Transtornos Específicos da leitura (F81.0), da soletração (F81.1), da habilidade em aritmética (F81.2), o Transtorno Misto de habilidades escolares (F81.3), Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81.8) e Transtorno não especificado do desenvolvimento das habilidades escolares (F81.9). Caracteriza tais transtornos como a alteração das modalidades habituais de aprendizado.

Já o DSM-5, utilizado aqui como principal referência, traz a orientação de que os domínios e sub-habilidades acadêmicas prejudicados sejam especificados como: prejuízo na leitura (dislexia) (315.00), na expressão escrita (disgrafia) (315.2) ou prejuízo na matemática (discalculia) (315.1), sendo este último o foco do nosso artigo.

Ambos os manuais são unânimes na afirmação de que tais comprometimentos não decorrem diretamente de um traumatismo, doença cerebral, retardo mental ou outra condição física ou neurológica, tendo origem no início do período do desenvolvimento, mesmo que em alguns casos seja identificado mais tardiamente.

Levando em conta a organização neurológica do cérebro humano, a realização de exames de imagem, segundo Dehaene e Cohen apud Dehaene et al. (2003), demonstrou uma ativação sistemática dos lobos parietais pelo processo do cálculo, assim como do córtex pré-frontal, afirmando a contribuição dessas áreas na representação mental de quantidades numéricas. Mais especificamente, o Segmento Horizontal do Sulco Intraparietal, doravante denominado por SHIP, parece ser a estrutura chave envolvida no processo de realização de atividades de natureza numérica (Dehaene et al, 2003), complementada pelo Giro Angular Esquerdo, que se encarrega da manipulação verbal dos números, e o sistema parietal bilateral posterior superior que permite a orientação, tanto espacial quanto não espacial.

Dito isso, a dificuldade no processo de aprendizagem da matemática está ligada à habilidade para esclarecer os símbolos e compreender os números e operações aritméticas como as quatro operações básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão. A criança ou jovem com discalculia irá confundir os números e os signos e não estará preparado para realizar os cálculos mentais ou criar cenários distantes de sua realidade, situação facilmente encontrada nos exercícios propostos. Essas crianças e jovens terão então dificuldade para dar seqüência aos exercícios ou deveres.  

     Os processos cognitivos afetados pela discalculia, segundo Johnson e Myklebust apud Pimentel e Lara (2017) são: 

Dificuldade na memória de trabalho, na memória em tarefas não verbais, na soletração de não palavras (tarefas de escrita), ausência de problemas fonológicos, dificuldade na memória de trabalho que implica contagem, dificuldade nas habilidades visoespaciais e nas habilidades psicomotoras e perceptivo-táteis.(PIMENTEL; LARA, 2017)

    

 Podemos então enumerá-las da seguinte forma:

Habilidade de concentração: Bem como a insuficiência cognitiva ligada à dislexia, a deficiência na organização das conexões neurais também encontra-se relacionada a aprendizagem da matemática.

A habilidade memória operacional cognitiva: Associada à observação, o armazenamento passageiro e a aptidão para preparar as instruções necessárias para finalizar exercícios. Isso pode acarretar a demora para a realização de cálculos mentais. 

 A habilidade de nomeação: Refere-se a não capacidade de associar um sinal de operação ou número a palavras. 

A habilidade de planejamento: Os baixos níveis nesta capacidade cognitiva refere nas dificuldades na área de planejamento e solucionar exercícios com números. 

A habilidade de velocidade de processamento: ajusta-se ao tempo que o cérebro leva para receber uma informação através de número, problemas numéricos, entendê-la e respondê-la. 

A matemática, para Bastos (2006), executa uma função determinante, ao concordar, na formação do sujeito, o desenvolvimento adequado de habilidades de suma relevância a partir do raciocínio lógico, intervindo na capacitação cerebral e estrutural do pensamento. A intervenção do Neuropsicopedagogo deverá ser então voltada para a estimulação e o desenvolvimento das habilidades supracitadas, segundo o grau de comprometimento das mesmas, dando lugar a possíveis e pertinentes indicações a profissionais de outras áreas.

De acordo com a Nota Técnica nº02 (2017) elaborada pela SBNPp, a intervenção neuropsicopedagógica, em consonância com a Teoria da Epistemiologia genética, deve buscar maneiras de garantir a otimização da percepção do indivíduo atendido. Desta forma, o estímulo adequado impulsionará o estabelecimento das redes neurais responsáveis pela promoção da aprendizagem.

À luz da neurociência, a seleção dos estímulos adequados para produzir a aprendizagem, considerando a qualidade deles, poderá determinar a efetividade da aprendizagem do sujeito. A percepção capturada pelo sistema nervoso periférico, levado através de corrente elétrica ao cérebro localizado no sistema nervoso central, desencadeará um processo de reelaboração dos conhecimentos, que até então foram compostos pelo sujeito aprendente.(SBNPp, 2017)

O processo de aprendizagem se dará então pelo processo de apropriação desencadeado pela exposição do indivíduo a um estímulo adequado, a sequencial desequilibração e, por fim, a acomodação em consequência da nova reorganização do conhecimento. 

Ainda segundo a referida Nota Técnica: 

O Neuropsicopedagogo em seu processo de avaliação e intervenção deve ser capaz de:

a) Aplicar conceitos da Neurociência à Educação, compreendendo que esta última é um processo que ocorre em diferentes espaços sociais e por diferentes mediadores. b) Compreender que os constructos da Neurociência aplicada à Educação precisam da interface com a Pedagogia e Psicologia Cognitiva para assim traçar as ações que sejam efetivas, pois estarão pautadas na aprendizagem de conceitos, habilidades e comportamentos bem como a forma como propor o ensino destes quesitos. c) Entender, identificar e estimular o funcionamento de todo sistema nervoso a partir das duas competências anteriores, focando nas funções executivas. d) Utilizar-se da metodologia transdisciplinar para definir seu planejamento de avaliação e intervenção, dialogando com as disciplinas, mas visando sempre uma visão além do que está posto. e) Reintegrar os sujeitos que atende de acordo com seus avanços e características particulares nos aspectos pessoal, social e educacional. (SBNPp, 2017).

 

A terapia neuropsicopedagógica de uma criança discalcúlica deve ser iniciada visando melhorar a imagem que a criança tem de si mesmo, valorizando as atividades nas quais ela se sai bem e resgatando suas potencialidades. É necessário descobrir como é o aprendizado desse aluno, visto que há a possibilidade de que seu raciocínio não siga a lógica usual, padrão utilizado em sala de aula. 

Acerca da intervenção no contexto escolar, a Nota Técnica traz como orientação ao Neuropsicopedagogo Institucional o planejamento e execução de projetos de trabalho ou oficinas temáticas, cuja duração deverá ser administrada de acordo com o alcance dos objetivos.

Além disso, é de suma importância o trabalho colaborativo da família e dos professores do aluno em tratamento, visando que todos os ambientes que essa criança frequenta estejam adaptados para recebê-la. 

    A Associação Brasileira de Dislexia (ABD), que orienta pesquisas sobre discalculia, traz algumas sugestões que podem facilitar o aprendizado de um aluno discalcúlico:

“Permitir o uso de calculadora: maior rapidez e precisão nos cálculos, uma vez que não memoriza as regras das operações e a tabuada.  

Adotar o uso de caderno quadriculado: por ser desorganizado, o quadriculado irá ajudar na percepção espacial, melhorando a escrita dos números, letras e a sequência das operações matemáticas. 

Avaliações sem tempo de realização definido: perceber que o tempo da realização está se esgotando e que os outros alunos estão conseguindo resolver os exercícios causa uma ansiedade e insegurança no portador do transtorno. Muitas vezes é necessário um acompanhante para a leitura da prova (tutor) ,garantindo o entendimento do enunciado e problema proposto.  

Avaliação oral: caso o aluno tenha dificuldades mesmo com a ajuda de um leitor, poderão ser utilizadas provas orais onde o tutor transcreverá o que o aluno responder.  

Dever de casa: é aconselhável que englobe todo o conteúdo, mas em menor quantidade, pois como há a dificuldade de concentração, um longo tempo realizando atividades matemáticas não será produtivo.  

Inicialmente propor atividades com pequeno grau de dificuldade para que o discalcúlico consiga resolver, trabalhando a sua autoestima. Nesse ponto é muito importante a intervenção psicopedagógica mostrando que o indivíduo é capaz de superar a sua dificuldade e simultaneamente deverá ser avaliada a maneira mais adequada de se ensinar aquele sujeito.  

Ao selecionarmos alguns métodos de aprendizagem, poderão ser utilizados jogos que trabalhem com a noção espacial, sequência numérica, contagem de elementos. Pode-se ainda complementar com o uso de computador e outros aparelhos tecnológicos.  

Finalmente o aluno deverá perceber que o educador e o psicopedagogo estão dispostos a ajudar e que toda contribuição servirá para um melhor desenvolvimento. Deverá ficar claro que em nenhum momento a intenção desses profissionais é causar vergonha ou baixa autoestima no indivíduo quando este não conseguir realizar as atividades propostas.” (Comunidade aprender criança, 2014)

    

Uma outra ferramenta são os exercícios de treinamento de CogniFit para crianças com discalculia (https://www.cognifit.com/br), que, além de ajudar a analisar o nível de déficit cognitivo, cria automaticamente um programa de tratamento personalizado para cada sujeito, motivando as partes do cérebro que apresentam dificuldades através de jogos e exercícios divertidos e interessantes. Algumas das áreas cerebrais são estimuladas através de exercícios para aperfeiçoar a concentração ou foco, atenção dividida, memória visual e memória de curto prazo, nomeação e velocidade de processamento ou planejamento.

    No site oficial do método CogniFit podemos encontrar uma explicação detalhada sobre o método, além de dicas de como trabalhar com crianças com discalculia. Algumas ideias encontradas no site são:

“Cozinhar juntos: Vocês vão consultar a receita que vão cozinhar e se perguntar quem vai ser responsável pelos ingredientes necessários. Por exemplo, precisamos de 1/5 kg de lentilhas, 3 cenouras, 2 cebolas, 6 pedaços de carne… Devemos cortar os vegetais em 5 pedaços…

Jogar com o tempo: Diga para a criança que é responsável de comunicar quanto é o tempo correto, comemore o bom trabalho, a responsabilidade e a "boa dupla" que vocês fazem juntos.

Vá ao supermercado: Deixe ela te ajudar a fazer a compra, vocês podem jogar a ser o responsável pelas coisas que devem ser compradas, identificar o que e quantas coisas estão na lista e deixar a criança buscá-las por si mesma.

Faça perguntas sobre os preços: Se você quiser poupar, quantos iogurtes deveriam comprar, os que custam 1,00 R$ ou os que custam 1,30 R$? Comemore a boa “poupança” que fizeram juntos.

Faça-a adivinhar as quantidades: Faça pequenos montinhos de pedras, ervilhas ou moedas e adivinhe qual tem mais e qual tem menos. Você também pode adivinhar quantas pedras há no montinho. Conte elas conjuntamente e quem mais se aproximar, ganha.

Contar alguma coisa: Conte, por exemplo, os carros vermelhos que passam, o número de pessoas com sapatos brancos, quantos degraus você subiu.

Encontrar números: À medida que você vai caminhando, você pode jogar a “encontrar números”, sugerindo o número "7" e procurar juntos o número nas ruas, nas chapas das matrículas, etc.

Lembrar dos números de telefone: Por exemplo, você tem que telefonar para sua avó e perguntar para a criança se lembra dos três primeiros números e você diz o resto. Telefonem juntos e se a criança lembrar, comemore.

Deixe ela te ajudar a distribuir as coisas: Há quatro pessoas, como podemos cortar um bolo em quatro porções iguais? 

Pôr a mesa: Ponha os pratos, os talheres, os copos, os guardanapos e o pão. Certifique-se de que a criança percebe a importância de que cada pessoa tenha um serviço.

Brinque de loja: Imagine que a criança é um atendente e deve escolher entre todos os produtos que você tem em casa para vendê-los em "sua loja". Devem etiquetar e dar um preço para cada um. Depois, você será o cliente. Com este jogo, você vai praticar a quantidade, a soma, a subtração e mesmo gerenciar o dinheiro. É uma forma divertida de passar tempo com a família e aprender juntos.” (sem autor, COGNIFIT, 2015)

 

O neuropsicopedagogo em sua intervenção deve encorajar a criança a utilizar os números diariamente, seja contando itens do supermercado, pensando em detalhes como problemas envolvendo a diferença de idade entre o aluno e seus familiares. Jogos de tabuleiro são excelentes exemplos de como aprender a utilizar os números, uma vez que exigem alto nível de concentração e permitirem ser estabelecidas algumas relações matemáticas. 

A matemática está sempre presente no cotidiano de todo ser humano, quer explicitamente em sua vida acadêmica, quer na manipulação diária de quantidades dos mais variados objetos ou na organização lógica do pensamento. Qualquer prejuízo destas capacidades pode acarretar sérias consequências na vida acadêmica, social ou profissional do indivíduo, devendo ser reconhecido e mediado o quanto antes.

 

 

 

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