O desafio da nutrição no recém-nascido
Por: Luana K.
18 de Novembro de 2021

O desafio da nutrição no recém-nascido

Prematuros

Nutrição

A nutrição no recém-nascido prematuro é um dos grandes desafios enfrentados dentro de uma UTI Neonatal, assim como para a família dessas criança.

A meta nutricional hoje estabelecida na abordagem do recém-nascido de baixo peso é alcançar crescimento pós-natal em uma taxa que se aproxime do crescimento e do ganho de peso intra-uterino de um feto normal de mesma idade gestacional, sem produzir deficiências nutricionais ou efeitos metabólicos indesejáveis. Além de ser uma meta muito desafiadora, ela é e totalmente questionável, uma vez que o bebê prematuro passa a sofrer uma série de processos e atividades metabólicas após o nascimento que dependem de uma maior demanda de calorias e nutrientes para suprir, além de que a imaturidade do seu aparelho digestivo, a possível dificuldade de absorção de nutrientes e de eliminação do resto alimentar impõe cuidados especiais à sua alimentação.

As estratégias adotadas para melhor oferta nutricional para o recém nascido prematuro, como momento de iniciar a dieta, via de administração e volume, por exemplo, são fundamentais para a nutrição adequada desses bebês, porém, um fato é importante e não poderia deixar de abordar, que é a disponibilidade de leite materno pela mãe do recém-nascido prematuro.

Já se sabe hoje a importância do leite materno para o recém nascido e para o prematuro não é diferente. Pelo contrário, o leite materno da mãe cru para o próprio filho é sempre a primeira escolha de dieta para o prematuro. É através dele que o bebê recebe propriedades imunoprotetoras provenientes da mãe que são fundamentais para o seu desenvolvimento e imunidade, porém, um dos maiores fatores que interferem na produção de leite materno é o fator psicológico, assim como tipo de parto, alimentação saudável e ingestão hídrica. Exigir de uma mãe de bebê prematuro que tenha leite materno em quantidades significativas todo o tempo não é uma tarefa fácil, é algo desafiador para toda a equipe mas, principalmente, para ela mesma, a mãe. Por mais importante que seja termos esse leite disponível, é fundamental termos empatia o suficiente para acolhermos esta família, escutarmos esta mãe e através da sua história vir a estimular, a encorajar e a orientar como proceder neste momento. Estudos mostram o quanto este processo diferencia a produção de leite materno de mães com bebês internados em UTI Neonatal.

É visando este processo que acho importante colocar que a nutrição do recém nascido vai além do ato de nutrir. Nós como profissionais da área da saúde, conhecedores da importância da nutrição para o desenvolvimento e por que não dizer, da vida desses bebês, devemos orientar, acolher e auxiliar no que for preciso para que essa família e, neste caso, principalmente a mãe, tenha segurança e confiança agora não só em nós profissionais, mas nela mesma para atingirmos o objetivo com a produção e oferta de leite materno.

Importante ressaltarmos aqui que cada corpo é um corpo: algumas terão muito, outras nem tanto e as vezes outras por algum motivo não terão, e neste momento também cabe a nós o acolhimento, a orientação do que será oferecido, como e o que contém na dieta que será ofertada para o bebê. Uma família segura é uma família bem assistida e neste contexto incluímos pai, mãe e bebê.

por Flávia Guedes, nutricionista Materno Infantil, especialista em Nutrição Clínica e mestranda em Pediatria - UFCSPA.

A necessidade da nutrição adequada para o recém-nascido prematuro é um dos maiores desafios da neonatologia porque dela dependem a sobrevida, o crescimento e o desenvolvimento cognitivo e motor satisfatório e, em longo prazo, a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis.

As dificuldades relacionadas a alimentação no período de hospitalização são descritas por imaturidade dos reflexos orais, força reduzida de sucção, grupos reduzidos de sucções por pausa, incoordenação da sucção, deglutição e respiração, engasgo, dificuldade em aceitar todo volume por via oral.

Qual a melhor estratégia para garantir uma nutrição adequada ao Recém-nascido prematuro?

Oferecer a dieta para o bebê a cada duas ou a cada três horas, dependendo do peso e da idade gestacional dele. Isso não significa dizer que a oferta de forma contínua não seja indicada. Em alguns casos, quando o bebê tem um esvaziamento gástrico pequeno, é preciso ofertar a dieta contínua.

Nutrição

Todos sabemos da importância da amamentação, da importância do leite materno para os recém-nascidos, que o melhor alimento para qualquer bebê é o leite materno da própria mãe, principalmente se o leite materno for oferecido diretamente ao seio. Certo?

Porém, quando se tratam de bebês prematuros, nem tudo vai correr como planejamos. Em função da imaturidade do trato gastrointestinal dos prematurinhos e da falta de reflexos de sucção e deglutição, eles podem precisar receber suas primeiras calorias por via intravenosa.

Mas nada de desanimar, a amamentação do prematuro é possível sim!!!

Quando ainda não conseguem sugar, os prematuro muito extremos recebem água com glicose (soro), e com o passar do tempo, vai-se acrescentando proteínas, gorduras, vitaminas e minerais aos fluidos que recebem através da veia, o que chamamos de "Nutrição Parenteral Total (NPT)".

Se eles já tiverem uma maior maturidade gastrointestinal, iniciam a alimentação através de uma sonda, um tubo flexível que é introduzido no nariz (nasogástrica) ou na boca (orogástrica) e chega ao estômago do bebê. Dessa forma, o leite materno (da própria mãe ou de doadoras) ou mesmo fórmulas infantis, na falta do leite humano, são oferecidos para o prematuro na UTI. Não se assuste com o volume inicial da dieta dele, pois como os próprios, ele geralmente é muito pequeno e oferecido em intervalos de 2 ou 3 horas. À medida que desenvolve os reflexos naturais de sucção e de deglutição, o bebê provavelmente iniciará a via oral com o aleitamento ou receberá alimentação por mamadeira.

Geralmente os primeiros ml's de dieta que seu bebê irá receber pela sonda será o seu colostro, aquele primeiro leite super rico em anticorpos, proteínas e calorias secretado nos primeiros 7-10 dias após o parto. Por isso a importância de seguir confiante na amamentação do seu prematuro e manter a esgota do leite materno conforme descrito nos parágrafos abaixo.

O leite da mãe prematura

O leite materno da mãe prematura que teve um bebê com 29 semanas é diferente da que teve com 31 semanas e ainda distinto da mãe que teve um bebê a termo, porém todos esses leites são adequados às necessidades da criança. O teor de proteína do leite prematuro, por exemplo, é menor porque o rim do bebê é imaturo e pode não conseguir excretar grande quantidade elevada desses nutrientes. No entanto, alguns estudos mostram que os prematuros tem, durante algum tempo, uma maior necessidade de proteínas, cálcio e sais minerais, e devem, portanto, receber algum tipo de aditivo, que é adiconado ao leite humano, e que fornece os nutrientes citados anteriormente, além de calorias extras ao bebê.

Nos casos em que a produção do leite materno se torna insuficiente e não é possível oferecer leite humano de bancos de leite, é necessário recorrer a leites artificiais. Existem atualmente fórmulas lácteas especialmente concebidas para prematuros. Estes leites especiais são reforçados com calorias e nutrientes para que correspondam às exigências nutricionais no período de crescimento rápido dos prematuros.

Outras fórmulas infantis utilizadas em UTI Neonatal são as anti-regurgitação (nos casos de refluxo exacerbado), hipoalergênicas (utilizadas preventivamente, na suspeita do risco de alergia alimentar), hidrolisadas e à base de aminoácidos livres (utilizadas no tratamento da alergia à proteína do leite de vaca) e fórmulas de partida (de 1o semestre).

Mantendo a produção de leite materno enquanto o bebê ainda não suga

O bebê nasceu prematuro! E agora?

Se a equipe do hospital indicar que você já pode amamentar seu filho, maravilha!

Muitas dúvidas podem surgir:

- Qual a melhor forma de amamentar meu prematuro?

- Como tirar leite materno e como armazenar meu leite?

- Como amamentar corretamente meu bebê?

- Estou amamentando meu prematuro, é normal sentir dor ao amamentar?

- Ainda terei leite materno quando o bebê puder sugar?

- Existe uma dieta para a amamentação?

Bem, mesmo que o bebê não esteja com você no quarto da maternidade, e não haja perspectivas dele sugar o seio tão cedo, é preciso pensar logo de cara na amamentação, que vai ser essencial para que ele se desenvolva forte e protegido de doenças.

Seguindo a orientação da equipe de profissionais do hospital, o primeiro passo é ordenhar o colostro, aquele primeiro leite mais amarelado (pela presença de vitamina A) e rico em proteínas e anticorpos, que é excretado pelo seio nos primeiros dias após o parto. O ideal é que isso seja feito nas primeiras 24 horas apóso parto.

A ordenha pode facilmente ser feita com as mãos (peça orientação profissional) ou com uma bombinha (manual ou elétrica). Não tenha vergonha de procurar ajuda. Pode ser que você só "pegue" o movimento olhando alguém fazer.

Faça a extração do leite com uma frequência aproximada de 3/3 horas, de 6 a 8 vezes por dia. No começo, a quantidade de leite que sai é mínima, mas não desista. Olhar para uma foto do seu filho no momento da esgota pode ajudar na produção.

Tente não ficar mais de 6 horas sem tirar leite, há risco dele empedrar. E sempre que sentir que suas mamas estão ingurgitadas (bem cheias), realize a ordenha. Quanto mais regulares forem as ordenhas, maior será a produção.

Você verá que logo estará craque na operação e será frequentadora assídua do lactário ou banco de leite do hospital. Não se esqueça de beber muita água, no mínimo 2 litros por dia!

Já é possível encontrar bombinhas elétricas para comprar ou alugar, para facilitar a retirada do leite em casa, quando você já tiver tido alta. Informe-se no próprio hospital.

Com o passar dos dias, à medida em que desenvolve os reflexos naturais de sucção e de deglutição, o bebê fica apto a alimentar-se por via oral. Daí cabe à equipe da UTI Neonatal avaliar a viabilidade da amamentação começar.

Mas uma coisa é certa: desde o nascimento do bebê, mantenha a ordenha do leite - quanto mais você ordenhar, mais leite vai produzir!

Importante! Uma vez em casa e amamentando exclusivamente, evite ao máximo o uso de mamadeiras e chupetas (a não ser por recomendação médica). Se precisar sair de casa, peça para alguém oferecer seu leite ao bebê utlizando um copinho (veja o vídeo como é feito): 

https://youtu.be/cjSfjr1tvrc

Dicas para extrair o leite materno em casa:

* Lave bem as mãos e mamas, prenda os cabelos, retire adornos, utilize roupas limpas e, se possível, use máscara.

* Massageie a mama no sentido aréola-tórax para liberar os ductos, e em seguida, no sentido da saída do leite.

* Para esterilizar os frascos onde o leite será armazenado é necessário fervê-los por no mínimo 15 minutos. Despreze os primeiros jatos de leite esgotados.

* Pode-se acumular o leite extraído dentro de 12h no mesmo frasco, ou seja: esgota-se a 1a vez, anotando o horário, e coloca-se o frasco no congelador. Na próxima coleta, acrescenta-se o leite ordenhado por cima do volume já congelado e assim por diante, por um período máximo de 12h.

Validade do leite materno armazenado:

* Freezer ou congelador: 15 dias

* Geladeira: 12 horas

* Pós-pasteurizado e congelado: 6 meses

* Em temperatura ambiente: máximo 2 horas (ideal não passar de 30 minutos)

Amamentando o prematuro:

Amamentar pode não ser a tarefa mais fácil do mundo, ainda mais tratando-se de um prematurinho. Mas SIM, é possível amamentar seu bebê que nasceu antes da hora! Aliás, os prematuros são os que mais se beneficiam do leite materno, pois ajuda a protegê-los contra infecções.

Quanto mais prematuro o bebê, maior é a chance de você não conseguir produzir leite logo de cara para suprir todas as necessidades dele. Isso já é esperado, portanto a culpa não é sua, e sim dos hormônios. Para a maioria desses pequenos, mamar no seio é um aprendizado lento e gradual: tudo vai depender da idade gestacional com que ele nasceu, do tamanho do bebê e de seu estado de saúde.

Mas todo esforço será recompensado; conheça as principais vantagens da amamentação:

Para a mãe:

O sangramento pós-parto diminui.

Reduzem as chances de desenvolver anemia, câncer de mama e de ovário, diabetes e infarto cardíaco.

A mulher que amamenta perde mais rápido o peso que ganhou na gravidez.

Favorece a relação afetiva com o bebê

Para o bebê:

Na amamentação, o bebê recebe os anticorpos da mãe para proteção contra diarreia e diversos tipos de infecções, principalmente as respiratórias.

O leite materno diminui as chances de o bebê desenvolver alergias, colesterol alto, diabetes e obesidade.

O aleitamento materno também ajuda a criança a desenvolver-se bem, fisicamente e emocionalmente.

É um excelente exercício para o desenvolvimento da face e da fala.

É importante para que a criança tenha dentes fortes e bonitos.

Contribui também para que o bebê tenha uma boa respiração.

Dicas para amamentar o prematuro

Pega correta: para evitar dor ao amamentar e fissuras nos seios, o bebê deve fazer a pega corretamente. Ele deve abocanhar boa parte da auréola, e não somente o bico do seio. A boquinha deve estar bem aberta, com o lábio inferior voltado para fora e o queixo encostado na sua pele. Monitore então a efetividade da sucção: covinhas e barulhos não são bons sinais. Quando a pega está correta, o leite sai em quantidade suficiente, o bebê engole tranqüilamente e a mãe não sente dor alguma. Peça ajuda à equipe da UTI.

Descanso: para que a produção de leite materno seja satisfatória e seja possível tirar leite frequentemente, a mãe precisa estar descansada, isso é comprovado cientificamente! Peça à equipe da UTI para avisá-la nos horários da alimentação do bebê e aproveite os intervalos para descansar.

Evite o empedramento: quando há produção excessiva de leite, pode ocorrer enrijecimento da mama (ingurgitamento mamário) que provoca dor e atrapalha a sucção do bebê. Para evitar, massageie as mamas com movimentos circulares e se necessário faça a ordenha manual para facilitar a pega do bebê.

Apoio da família: cerque-se de pessoas solícitas que não façam cobranças ou comparações e entendam que nesse momento você deve ficar disponível aos horários e exigências da alimentação do seu filho que está na UTI.

Cuidados com os seios: para evitar fissuras, passe um pouco do leite materno nos bicos após o aleitamento ou coleta de leite. Troque o sutiã quando estiver molhado e só lave a região dos mamilos com água, sem usar hidratantes, cremes ou outros produtos.

Sem muitos conselhos: prepare-se para ouvir dicas de todo mundo. "Seu leite é fraco", "Ele está com fome", "Passe logo para a mamadeira", "Faça essa dieta, é boa para a amentação!". Diante desse bombardeio, a dica é não dar ouvidos aos conselhos sem embasamentos de amigos e famiiares. Palpites errados são uns dos principais responsáveis pelo desmame precoce.

E mesmo que os obstáculos sejam muitos, e àrduos, toda iniciativa e esforços para que a amamentação do prematuro seja bem sucedida são extremamente válidos. Toda mãe e todo bebê têm o direito de ter a chance de vivenciar juntos esse milagre da natureza que é a amamentação. Sem pressa, sem pressão, sem medo, e sem culpa caso não dê certo (e às vezes não dá mesmo, o que não é o fim do mundo!).

Se o bebê for para casa utilizando fórmulas lácteas artificiais, aí vão algumas dicas:

Siga rigorosamente as instruções da lata, sempre fervendo por 5 minutos a água mineral para preparar as mamadeiras. Não esqueça de esterilizar as mamadeiras, bicos, arroelas e tampas fervendo-os por no mínimo 5 minutos.

Utilize uma peneira de malha fina para coar o leite já preparado, evitando assim que se acumulem grumos que possam entupir o bico da mamadeira ou até mesmo fazer com que o bebê se engasgue.

O ideal é que a mamadeira seja preparada imediatamente antes de ser oferecida. Se isto não for possível, deve-se deixar o leite preparado pronto por no máximo 12h na geladeira.

Evite oferecer a mamadeira muito quente, o ideal é temperatura corporal (aproximadamente 36ºC).

A evolução do volume e da freqüência das mamadas será orientada pelo pediatra.

Quero convidar vocês para voltar ao tempo em que o prematuro estava no ambiente intrauterino, recebendo todas as suas necessidades nutricionais diretamente do sangue materno, via placenta. Não havia necessidade de manter a temperatura, nem de respirar sozinho. Seus intestinos estavam preenchidos por líquido amniótico, colonizado pelo microbioma materno e possibilitando o desenvolvimento das células intestinais. Durante o período gestacional que vai das 24 às 30 semanas, o feto dobra de peso, o que ocorre novamente no período das 30 até as 36 semanas. Para que esse período extraordinário e sem precedentes de crescimento possa ocorrer, as necessidades nutricionais do feto são enormes.

Quando nascem prematuros, esses bebês perdem, entre outras coisas, o período de acúmulo de nutrientes indispensável para esse período, como ferro, zinco, cálcio e vitaminas que costumam ocorrer no terceiro trimestre. Também não apresentam reservas de gordura subcutânea e nem de glicogênio. A partir de agora, seus gastos energéticos são aumentados, pois precisam regular sua temperatura corporal, respirar sozinho e metabolizar o alimento via intestinal. Esse intestino é ainda imaturo e as peculiaridades inerentes à prematuridade acabam proporcionando uma colonização alterada do seu microbioma. Os principais fatores de risco para falha nutricional em prematuros incluem menor idade gestacional, ser pequeno para idade gestacional, apresentar hemorragia cerebral, leucomálacia, infecções e o menor nível socioeconômico.

Um recém-nascido que nasce com muito baixo peso (abaixo de 1.500g) de nascimento, configura uma urgência nutricional, pois não apresenta reservas protéicas e inicia um processo de catabolismo em apenas algumas horas de vida, se não receberem aporte protéico adequado. Além disso, a coordenação da respiração, sucção e deglutição só começam a ocorrer em torno de 34 semanas de idade gestacional, o que implica a necessidade de ofertar dieta enteral através de sondas de alimentação, sem possibilidade de receberem dieta via oral.

Para termos uma ideia da magnitude dessas demandas, o esporte que mais exige metabolicamente do ser-humano é a participação no Tour de France, uma prova ciclística com 21 etapas, 23 dias de duração e que percorre 3.200km. Durante a prova, estima-se que as necessidades calóricas dos atletas sejam de cerca de 7.000 kcal por dia ou cerca de 100 kcal/kg/dia para um atleta adulto, de cerca de 70 kg. E o nosso prematuro extremo na UTI? O prematuro chega na UTI com estoques baixos e demandas muito elevadas. Ele vai precisar ainda mais calorias do que o nosso atleta do tour de France, cerca de 20 a 30% a mais, ou 120 a 130 kcal/kg/d para manter suas funções e crescer. Mais da metade desses nutrientes vai para o cérebro.

O cérebro humano DOBRA de tamanho no primeiro ano de vida e a qualidade dos nutrientes oferecidos para o crescimento cerebral são críticos nesse processo. As sequelas associadas ao SNC são altamente significativas em prematuros e o cérebro consome a maior parte dos recursos nutricionais. A prematuridade é responsável por 45% dos casos de paralisia cerebral; 23% das perdas auditivas; 37% das perdas visuais e 27% das sequelas cognitivas.

Os prematuros apresentam uma elevada vulnerabilidade, que pode prejudicar a sua capacidade de plasticidade neuronal no cérebro em desenvolvimento. Por isso, é melhor concentrar esforços em manter a trajetória de crescimento do SNC do que permitir que haja um processo de restrição que vai precisar se compensado depois. O acréscimo de massa magra, ou crescimento linear, é um marcador do crescimento cerebral. Manter o crescimento na UTI Neonatal é um grande desafio.

Existem nutrientes que são importantes não apenas na quantidade, mas no momento ou “janela de oportunidade” em que são oferecidos. Na UTI neonatal, essa janela parece estar aberta no período entre 22 e 44 semanas, quando devemos oferecer não apenas a quantidade correta, mas a melhor qualidade disponível. Permitir que ocorra um déficit nutricional nesse período pode causar alterações anatômicas e funcionais diretas sobre o SNC. As áreas do cérebro mais vulneráveis a desnutrição nesse período são o hipocampo (ligado a processos de memória e aprendizado), o cerebelo (equilíbrio e coordenação motora) e a mielinização (velocidade de processamento neuronal). Embora não ofereça quantidades suficientes de macronutrientes e micronutrientes para, isoladamente, manter o crescimento de prematuros, apenas o leite materno oferece os componentes associados a melhora do desenvolvimento do SNC e deve ser promovido de forma incansável durante a nossa janela de oportunidade.

A oferta de um melhor cuidado nutricional no cuidado de prematuros extremos tem o potencial de melhor profundamente suas vidas a longo prazo. A prematuridade é a principal causa de morte em crianças com menos de 5 anos, a maioria delas seriam preveníveis. Com a evolução do cuidado intensivo neonatal que ocorreu nos últimos anos, temos cada vez mais bebês mais prematuros sobrevivendo, porém precisamos focar na qualidade dessa vida. A OMS estima que o número de prematuros tem aumentado globalmente, variando de 5 a 18%, dependendo do país e que cerca de 15 milhões de bebês nascem prematuros no mundo. A prematuridade é um problema de saúde pública global, que traz consequências duradouras para a família e para a sociedade.

Quando o cuidado neonatal é diferenciado, há melhora nas complicações associadas a prematuridade, com melhor qualidade de vida e de saúde a longo prazo. O cuidado nutricional adequado é uma ferramenta central para promover a redução de complicações e a sobrevida de qualidade a longo prazo, impactando diretamente no prognóstico e tem o potencial de melhorar profundamente a saúde desses bebês que nasceram prematuros. O reconhecimento da importância e do impacto duradouro da nutrição tem ganhado importância cada vez maior com o desenvolvimento científico na área. O suporte nutricional do prematuro nos primeiros dias de vida é tão importante para a saúde a curto e longo prazo, que deveria receber a mesma importância que o suporte hemodinâmico e respiratório na UTI Neonatal.

A curto prazo, um suporte nutricional adequado implica possibilitar que o prematuro desenvolva sua capacidade de crescimento plenamente, além de proporcionar o desenvolvimento de processos fisiológicos e de órgãos que ainda estão em desenvolvimento. O suporte nutricional precoce, que proporcione uma taxa de crescimento adequada (18 a 20 g/kg/d), está correlacionado a um desfecho melhor em relação ao neurodesenvolvimento, quando comparado a tentar compensar um processo de desnutrição já instalado. A incidência de falha de crescimento é inversamente proporcional à idade gestacional e está associada a maior morbidade e piores desfechos clínicos a longo prazo. Os fatores de risco independentes, identificados pela literatura, para falha de crescimento incluem o tempo de suporte respiratório, o tempo de hospitalização, a DBP e a ECN. O suporte nutricional inadequado pode ser um fator de risco para complicações da prematuridade, mas também as complicações são fator de risco para a restrição de crescimento.

Por outro lado, todos os benefícios estão correlacionados. Possibilitar o suporte nutricional adequado, (especialmente as necessidades protéicas) para potencializar crescimento, proporcionar colonização saudável do microbioma intestinal são essenciais para promover a saúde intestinal e imunológica. Isso porque uma microbiota intestinal desequilibrada e um sistema imunológico imaturo desempenham papeis vitais no risco de infecção, aumentando a chance de ECN e de comprometer o crescimento. Ao comprometer o crescimento, o desenvolvimento cerebral também será afetado.

Pensando em todas essas particularidades, o prematuro de muito baixo peso de nascimento é considerado uma urgência nutricional, devendo iniciar com aporte de aminoácidos, lipídeos e dieta enteral trófica ainda nas primeiras horas de vida. O consumo de uma maior dose de aminoácidos na primeira semana de vida está associado a melhor crescimento linear aos 18 meses de idade corrigida. Por sua vez, o crescimento linear adequado, tem correlação direta com o melhor DNPM. Uma maior velocidade de crescimento durante a internação na UTI está associada a melhora das morbidades clínicas, redução na paralisia cerebral, melhor DNPM com 18 a 22 meses de idade corrigida. O ganho ponderal não deve ser nem muito rápido e nem muito lento.

Os impactos a longo prazo incluem não só os efeitos físicos, mas a melhora do desenvolvimento neuropsicomotor, do comportamento e da capacidade intelectual. Isso apresenta também um impacto positivo sobre a família e a sociedade como um todo. Os benefícios diretos sobre a saúde incluem redução de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e obesidade. As consequências da prematuridade estendem-se muito além do período neonatal.

Devemos estar cientes de que a nutrição é um conceito muito mais amplo do que a simples oferta de nutrientes. Também precisamos lembrar que o crescimento é um marcador da oferta nutricional, mas não deve ser o principal desfecho perseguido. O leite materno é um líquido DINÂMICO e MULTIDIMENSIONAL, que contém nutrientes balanceados e personalizados para cada díade mãe-bebê. Possui elevada bioatividade e biodisponibilidade (fatores de crescimento, enzimas, oligossacarídeos do leite materno, anticorpos e células-tronco). Todos esses componentes estão mais concentrados ainda no leite da mãe dos prematuros, no período das primeiras 4 a 6 semanas de vida, independente da idade gestacional.

Apenas o leite materno da própria mãe oferece uma miríade de componentes biologicamente ativos que são protetores quando oferecidos de forma mais precoce possível. Ao contrário do que se pensava, não é um líquido estéril, contendo uma microbiota rica e diversificada, composta por bactérias que colonizam a pele materna e outras superfícies. Esses micróbios têm a capacidade de competir com patógenos indesejados, que causam processos de doença. Também oferecem lactobacilos e bifidobactérias, que são capazes de ativar a IgA no intestino do prematuro. As bifidobactérias estão envolvidas, entre outras coisas, no controle da inflamação, reduzindo a permeabilidade intestinal. A colonização do leite materno parece ocorrer pela via êntero- mamária, proporcionando a colonização intestinal dos prematuros com as bactérias que estariam presentes no intestino da própria mãe.

Os benefícios do leite materno para todas as crianças já são amplamente conhecidos, desde os estudos pioneiros iniciados pela coorte de Pelotas. Falando especificamente dos prematuros, esses benefícios parecem ser ainda mais importantes, devido à vulnerabilidade que a prematuridade impõe a essa população. O aleitamento materno de prematuros melhora a saúde cardiovascular de forma direta e indireta, é capaz de reduzir a retinopatia da prematuridade, a incidência de sepse e enterocolite necrosante, oferecendo a colonização intestinal de um microbioma com características mais saudáveis. Além disso, é capaz de promover benefícios a longo prazo, como melhorar o desempenho escolar, apresentar um melhor perfil nutricional e promover o vínculo com a família, tão prejudicado pela situação de estar em uma UTI. Todos esses benefícios são dose-dependente, ou seja: quanto maior a quantidade de leite materno o prematuro recebe, maiores são as chances de ele se beneficiar. Além disso, o fato de melhorar o desempenho escolar e oferecer maior qualidade de saúde, aumentam as chances de melhor colocação no mercado de trabalho e de melhor remuneração na vida adulta. Esses fatores estão intrinsecamente ligados à redução de desigualdades sociais.

Para termos uma ideia mais detalhada da importância da promoção do aleitamento materno na UTI, vamos observar com maior detalhe os benefícios que ele promove na saúde cardiovascular. Apenas por terem nascido prematuros, essas crianças apresentam maior chance de desenvolverem doenças cardiovasculares quando adultos jovens. Isso porque a prematuridade causa menor volume biventricular, redução das funções sistólica e diastólica e pressão arterial sistólica e diastólica mais elevadas. A prevenção da prematuridade é um fator importante para reduzir essas alterações, mas quando recebemos o paciente na UTI Neonatal, será que existe alguma coisa que possa ajudar a evitar ou até mesmo a reverter essas alterações? E se eu disser que sim? Estudos têm demonstrado que esses processos podem ser interrompidos pela exposição precoce ao leite materno.

Isso se dá de forma indireta (através da promoção da saúde, conforme comentado anteriormente) e também de forma direta, pela ação de componentes que estão presentes apenas no leite materno. Em primeiro lugar, possui fator de crescimento endotelial vascular, responsável direto pela modulação de vasculogênese e angiogênese, atuando para reduzir a ROP e promover a alveolarização (reduzindo também a DBP). A presença de adiponectina tem papel de mediador nos processos inflamatórios e metabólicos, ajudando a controlar a cascata inflamatória e a reduzir o estresse oxidativo. A presença de componentes imunobiológicos, como imunoglobulinas ajuda a reforçar a resposta contra infecções. A lactoferrina apresenta propriedades anti-inflamatórias e eleva a expressão de receptores no sistema cardiovascular.

 

Além disso, a presença de células-tronco pluripotenciais poderiam se diferenciar em cardiomiócitos, atenuando as alterações anatômicas causadas pela prematuridade. Outro elemento importante é a presença de HMO’s ou carboidratos complexos do leite materno: presentes em maior quantidade no leite da mãe de prematuros, estão diretamente envolvidos na vasodilatação ediada por NO e ajudam a prevenir a ECN, além de atuarem na manutenção do equilíbrio hemodinâmico como um todo, promovendo o desenvolvimento cardiovascular.

Quando falamos em amamentação de prematuros extremos, precisamos conhecer bem os desafios que vamos enfrentar. O bebê que nasce prematuro extremo tem uma série de desvantagens em relação aos processos relacionados a colonização do microbioma infantil, que também reconhecida como um aspecto importante da saúde futura de prematuros extremos e influenciada por diversos fatores. Entre eles, as condições de saúde e a dieta maternas e a exposição a agentes ambientais precoces, como tabagismo e poluição. A idade gestacional, a microbiota vaginal materna e o tipo de parto também vão influenciar bastante e aqui já podemos começar a agir para oferecer um futuro melhor. A colonização intestinal e da pele materna são específicos para cada dupla e o tipo de alimentação oferecida é a ação que queremos destacar para tornarmos agentes de um futuro melhor.

Além disso, devido à prematuridade, não vai sugar o seio materno nas primeiras SEMANAS de vida. Na literatura, encontra-se descrito como fatores que reduzem a chance de amamentação de prematuros fatores como a dependência prolongada do estímulo mecânico para a retirada do leite. A renda e a educação materna também interferem de formas variadas de acordo com a realidade de cada país. A permanência prolongada dos prematuros na UTI, associada a maiores complicações clínicas ou não também interfere, pois prolonga o tempo que as mães dependem do estímulo mecânico para esgotar leite. As próprias complicações dos prematuros podem reduzir a amamentação, especialmente em pacientes com displasia, enterocolite e hemorragia cerebral grave, pois retardam a transição para o seio materno.

As recomendações da OMS para o suporte nutricional adequado de prematuros de muito baixo peso considera como pontos fortes para melhorar a nutrição dessa população: a administração de leite materno da própria mãe como padrão ouro de dieta; oferta de leite humano de banco pasteurizado na falta de leite da própria mãe; iniciar a oferta de leite humano assim que o prematuro estiver estável do ponto de vista hemodinâmico e incentivar a oferta de leite materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida.

Nesse sentido, a presença dos pais na UTI pode ser um fator facilitador da nutrição adequada. Isso porque o leite materno da própria mãe pode ser considerado um componente fundamental no seu cuidado de forma global. O leite materno oferece benefícios que ultrapassam os da qualidade nutricional. Por isso mesmo, o apoio familiar é muito importante, para permitir que essa mãe possa ter acesso diário e prolongado à UTI Neo. Ela vai precisar de uma rede de apoio para os outros filhos, para as tarefas domésticas e até para se deslocar ao hospital e ter acesso a alimentação e descanso adequados, outro fator importantíssimo é o apoio da equipe multidisciplinar da UTI.

Os profissionais devem estar familiarizados e capacitados com as particularidades do processo de produção de leite, estímulo, oferta e transição para o seio materno relacionados essa população que é muito diferente de todas as outras. Ações simples, como a promoção do cuidado canguru, são capazes de reduzir a mortalidade, as infecções graves, a hipotermia e melhorar o ganho de peso, aumentando a prevalência de amamentação na alta. O cuidado canguru comprovadamente aumenta o crescimento cerebral, aumenta a satisfação materna e facilita o vínculo parental.

Outra ação relativamente simples e que tem sido cada vez mais incluída nas pesquisas é a imunoterapia oral do prematuro. Consiste na administração de 0,1 ml de colostro materno na mucosa oral de prematuros. O objetivo não é diretamente nutricional, mas o de estimular o sistema imunológico das mucosas, composto pelo tecido linfático presente nas mucosas oral, intestinal e respiratória. Esses sistemas são interligados e trabalham de forma que um é capaz de potencializar a ação do outro. Mas como os prematuros permanecem muito tempo sem receber leite na mucosa oral, acabam perdendo esse benefício.

Vários estudos demonstram que essa simples ação é capaz de organizar a resposta imunológica imatura e reduzir as complicações comuns da prematuridade, como displasia, retinopatia e sepse tardia. Outro benefício que os estudos agora começam a demonstrar é a possibilidade de as mães se envolverem diretamente nesse cuidado e sentirem que mesmo quantidades muito pequenas de seu leite são capazes de ter um impacto duradouro na vida de seus filhos. Embora os estudos sejam iniciais e ainda não muito numerosos, todos demonstram que essa é uma prática segura e deve ser estimulada.

Vários estudos demonstram que essa simples ação é capaz de organizar a resposta imunológica imatura e reduzir as complicações comuns da prematuridade, como displasia, retinopatia e sepse tardia. Outro benefício que os estudos agora começam a demonstrar é a possibilidade de as mães se envolverem diretamente nesse cuidado e sentirem que mesmo quantidades muito pequenas de seu leite são capazes de ter um impacto duradouro na vida de seus filhos. Embora os estudos sejam iniciais e ainda não muito numerosos, todos demonstram que essa é uma prática segura e deve ser estimulada.

Para finalizar, embora tenhamos desafios imensos na área de nutrição neonatal, as pesquisas têm trazido muito conhecimento a respeito da importância do suporte nutricional adequado de prematuros e do protagonismo do leite materno na UTI Neonatal. Esse conhecimento possibilita que novas práticas sejam estabelecidas, visando sempre a melhoria da qualidade assistencial. A oferta de nutrição parenteral precocemente, o início imediato do estímulo à amamentação, o acompanhamento do crescimento durante a UTI Neonatal e o trabalho multidisciplinar em torno da nutrição de prematuros deve ser o foco de trabalho das UTI’s. O suporte nutricional de prematuros é um exemplo claro de como uma abordagem personalizada pode influenciar positivamente na saúde a longo prazo.

Fonte: 

Profa. Dra. Mariana González de Oliveira.

O profes contém um tira dúvidas gratuito e auxílio tarefas pagas qualquer dúvida entre em contato com os profes.

Estamos aqui para ajudar.

Obrigada.

Professora: Luana K.

R$ 40 / h
Luana K.
Guarapuava / PR
Luana K.
3,2 (17 avaliações)
Tarefas resolvidas 24 tarefas resolvidas
Identidade verificada
  • CPF verificado
  • E-mail verificado
1ª hora grátis
Graduação: Pedagogia (Uniguairacá)
Me formei em dezembro de 2020 graduada licenciatura em pedagogia leciono alfabetização, história e geografia
Cadastre-se ou faça o login para comentar nessa publicação.

Confira artigos similares

Confira mais artigos sobre educação

+ ver todos os artigos

Encontre um professor particular

Busque, encontre e converse gratuitamente com professores particulares de todo o Brasil