Brizola
Por: Mateus C.
19 de Setembro de 2024

Brizola

o homem que parou o golpe de 1961

História Geral História do Brasil Ensino Médio ENEM

1900 foi um ano simbólico: último ano do século XIX, que daria passagem para o século XX; ano que se passa 17 anos após a morte de Karl Marx e 17 anos antes de seu renascimento. Com essa virada de século, as tensões já acumuladas, cada vez mais se intensificaram, até estourar o que hoje conhecemos como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa. O cenário do Brasil não era menos caótico. Crises, greves, revoltas, rebeliões sondavam o solo da mais nova república. Neste século, já nascido em conflito, também em meio a conflito nasce Leonel Brizola.

Leonel Brizola foi um homem que mudou a história do Brasil, ainda que muitas vezes seja uma figura esquecida. Realizou diversas transformações sociais enquanto político, protestando contra a barbárie e enfrentando o estado burguês. Entretanto, de todos os seus feitos, o que mais significou foi a criação da Rádio Legalidade, que enfrentou e venceu a ditadura militar, ainda que temporariamente.

Em 1922, Rio Grande do Sul, nasce um Brizola, filho de Odiva e José, chamado até os seus um ano e três meses de gurizinho, pois não teve tempo de ser nomeado, já que nessa mesma época uma guerra civil era travada no estado, guerra que resultou na Revolução de 1923. Cresceu sem o pai, pois ele morreu na guerra civil e teve de trabalhar para ajudar no sustento da família, mas ainda assim possuía notas acima da média na escola. Nos anos de 1945, ele entra na Escola de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul, onde passa a se interessar por política, se elegendo como deputado em 1947 pelo PTB (MARKUN e HAMILTON, 2001).

Nesse período, a Segunda Guerra Mundial teve início e fim. As tropas soviéticas marcharam no leste europeu, libertando os países tomados pela besta nazista, anexando esses países a seu território, tornando a União Soiviética ainda maior do que já era; e a China que - junto dos outros países asiáticos - expulsou o Japão Imperial de sua fronteira, e anos depois se tornou um país socialista, liderado por Mao Zedong. Neste cenário, o comunismo ameaçava o império do capital mais do que nunca. Por consequência, mais do que nunca a propaganda anti-comunsita foi propagada pelos países capitalistas, iniciando a Guerra Fria (HOBSBAWM, 1995).

No Brasil de 1937, quando o país estava se preparando para mais uma transição democrática, quando o então chefe de estado, Getúlio Vargas, implantou uma ditadura através de um golpe de estado justificado como medida protetiva contra a ameaça comunista que rondava o Brasil (ANDRADE, 2022). Dito isso, é visível que já havia uma perseguição aos comunista no Brasil desde esses tempos, mas essa perseguição ficou mais intensa com a derrubada da ditadura de Vargas em 1945 e o surgimento do jornalista Carlos Lacerda (MARKUN e HAMILTON, 2001).

Este, servindo aos interesses da burguesia, foi muito responsável pela propaganda anti-comunista da época, erroneamente chamando de comunista diversos políticos da época, como o presidente eleito de 1961, Jânio Quadros, mas principalmente o seu vice João Goulart(Jango), devido a aproximações destes com os países do bloco socialista.

Durante a trajetória política de Brizola, ele realizou diversos investimentos sociais, o que o tornou um político aclamado, lhe garantindo a eleição a governador do Rio Grande do Sul em 1959. Mantinha relações próximas com a presidência, pelo fato de ser casado com a irmã de Jango, Neusa. Por conta dessa proximidade, podia ver o que acontecia no país com grande amplitude e assim poder ver a crise democrática que iria permear o Brasil em 1961.

Apesar de ter a população a seu favor, Jânio Quadros não tinha apoio parlamentar e, devido a eventos como a condecoração de Che Guevara no Palácio da Alvorada, passou a temer que a população que o apoiava passasse a temê-lo, pois as mídias burguesas o odiavam e não perdiam a oportunidade de dizer que ele queria realizar uma revolução comunista. Estas circunstâncias o levaram a renunciar em 1961, mesmo ano em que assumiu. Quando sua reûncia ocorreu, seu vice, que deveria assumir, estava em missão diplomática na China, entretanto Jango foi avisado para não retornar ao Brasil. Os militares não o iriam permitir sua sucessão.

Gente sendo presa, as escolas fechadas, jornais sendo recolhidos. Os militares fizeram o que estava ao seu alcance para que João Goulart não assumisse. Enquanto isso, no sul do Brasil, Brizola, que estava comemorando o Dia do Soldado, foi informado da situação - que o presidente havia renunciado e os militares não queriam deixar o vice assumir - e o quanto antes se mobilizou contra o golpe que viria. Barricada a Prefeitura de Piratini com sacos de areia, armas distribuídas para os voluntários, Leonel Brizola, com sua metralhadora INA, anunciava na Rádio Legalidade o golpe militar que viria.

O Rio Grande do Sul se tornou um verdadeiro palco de resistência. A cidade, toda barricada, com constante vigia, armamento pesado estrategicamente posicionado e com sua população armada, estava à espera de um ataque dos militares, que constantemente ameaçavam a vida destes que estavam prontos para morrer pelo Brasil. Mesmo com a constante ameaça de aviões da Força Aérea, que sobrevoavam Piratini, esses legalistas não cederam ao medo, se mantendo motivados pelo discurso de Brizola, que todo dia falava na Rádio Legalidade.

A Rádio transmitia, além das notícias que mantinham o povo informado, poemas de resistência, feitos pelos próprios voluntários, palavras de ordem, discursos e o que foi chamado de Ponte da Amizade, um programa que consistia em que os locutores transmitiam recados e mensagens de uma pessoa para outra através da rádio, para fazer uma ponte entre as pessoas que não conseguiam se falar devido a essa crise que acalentava o Brasil.

Certo dia, a cidade acordou com uma tensão maior que o normal, pois veículos do III Exército rumavam em sua direção e General Machado Lopes - comandante desse exército, com quem Brizola havia tido discussões quanto a tentativa de golpe que estava acontecendo - vinha junto. Brizola se pronuncia na rádio:

Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham e, se eles cometerem esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, minha esposa e muitos amigos, civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem Atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome do povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário.(MARKUN e HAMILTON, 2001, p 200-201, apud FELIZARDO, 1988, p 33-40)

Apesar desta emocionante devoção, felizmente sequer um disparo foi efetuado, pois o General Machado Lopes foi lá, junto ao III Exército para defender a legalidade. Agora, tendo uma maior segurança, a resistência legalista planejava a volta de Jango pro Brasil. Como seria arriscado demais de Jango retornar direto para o Brasil, foi combinado que ele iria de avião para o Uruguai e de lá partir rumo ao Rio Grande do Sul, para só então ir para a capital assumir a presidência. 

Assim foi feito. A mando de Brizola, o grupo de cerca de 80 jornalistas armados foram para o Uruguai para escoltar Jango quando este chegasse lá. Ao chegar, Jango foi recepcionado pelo governo uruguaio e pelos jornalistas que lá estavam para fazer seu resgate. Após um tempo no Uruguai, realizando cordialidades, como dar entrevistas aos jornalistas locais, Jango embarcou no avião da Rede Legalidade junto aos jornalistas responsáveis por sua escolta e voou até o Rio Grande do Sul.

Para não causar alarde, Jango pouco se pronunciou quanto a tudo o que acontecia, chegando a apenas acenar pro povo do Rio Grande do Sul que o recebia de braços abertos. Não passando muito tempo no estado, Jango rumou à capital para assumir seu cargo por direito, que foi conseguido em um acordo de manter um parlamento para controlar suas ações políticas. Assim sendo, Brizola e a resistência da Rede Legalidade conseguiram parar o golpe que se planejava e dar a posse ao presidente João Goulart, ainda que não na melhor condição de governabilidade (MARKUN e HAMILTON, 2001).

Como conta a história, mesmo com tudo isso, o Brasil não deixou de sofrer um golpe militar. Em 1964, Jango foi forçado a renunciar sob ameaça de morte, dando espaço para o assumir dos militares. Brizola, na época deputado, foi exilado do Brasil, pois uma vez ele já foi capaz de enfrentar a ditadura que os militares queriam implantar e eles certamente não queriam que essa figura ameaçadora para seu regime continuasse por perto. Por mais que Brizola tenha sido neutralizado no golpe de 1964, foi graças a sua resistência, que o golpe de 1961 foi parado.

 

Referências Bibliográficas:

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, O breve século XX: 1914-1991. 2.ed. São Paulo: Companhia Das Letras, 1995.

ANDRADE, José Antonio de. Forjando o inimigo: Getúlio Vargas, a mídia e o grande medo do comunismo. 2022. 214 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. 

MARKUN, Paulo; HAMILTON, Duda. 1961 Que as Armas não Falem. 3.ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.

Mateus C.
Mateus C.
Santana / AP
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Graduação: Direito (Ueap)
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