RESUMO: O trabalho objetiva demonstrar a necessidade de uma reforma do ensino da Geotecnia, abordando
as dificuldades e caminhos a seguir e tendo como premissa uma salutar convergência entre a Academia e a
prática profissional. Pretende-se, para tanto, avaliar como poderia dar-se na Academia a participação dos
alunos na resolução criativa dos problemas e o pensamento crítico, visto que o Engenheiro Civil dificilmente
enfrenta os mesmos problemas no seu dia-a-dia e para o Geotécnico isto já é intrínseco. O ensino geotécnico
formal, de maneira geral, preocupa-se com o fornecimento demasiado de informações, elaboração de teorias,
deduções de fórmulas, explicações pormenorizadas de ensaios de laboratório. O aluno recebe esse “pacote de
dados” via de regra pouco refletindo criticamente e de maneira enfadonha. Pouco se contextualiza através de
estudos de caso na universidade. Dessa forma o pensamento do estudante vai sendo construído de maneira
passiva, sem questionamentos e sem viés criativo, com grande desconhecimento de como as cadeiras da área
compõe realmente a prática da profissão. O docente deve ser um profissional estimulado e vocacionado,
transmitindo a Geotecnia de forma instigante e reflexiva, demonstrando sua importância para o futuro
Engenheiro. O aluno deve apresentar-se ativamente nas aulas e buscar trabalhar criticamente e criativamente
com seus colegas e o professor. O meio profissional deve apoiar a Academia através de constante contato e
parcerias.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino universitário, Criatividade, Contextualização, Excelência, Geotecnia,
Profissão.
1 Introdução
“Engenheiros procurarem emprego?! Engenheiros criam empregos! Engenheiros criam suas atividades.
Não existe mais o emprego definido; cada um de acordo com seus pendores e tal, etc, é que vai criar.
(...) Vocês é que vão criar a vossa profissão. Vocês, se conseguirem entender quais são seus pendores,
quais são vossas aptidões e conseguirem valorizá-las, vocês vão gerar o emprego!”
Prof. Dr. Victor F. B. de Mello (1995)
Há uma séria dificuldade em nosso País para se formar profissionais capacitados para o desafio da
evolução tecnológica neste século XXI, devido a uma cabal ausência do pensamento abstrato e da criatividade
essenciais na busca de soluções desafiadoras pela maioria dos estudantes de Engenharia Civil e em particular
em Geotecnia.
Este é um gravíssimo problema que na verdade não vem de agora e abarca todas as áreas acadêmicas
em geral. Um exemplo disto é o testemunho do famoso físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988),
prêmio Nobel de Física de 1965. Na década de 50 o Prof. Feynman viveu e lecionou por quase um ano na
então Capital Federal, Rio de Janeiro.
“ (...) Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia. A palestra foi assim: “Dois corpos…
são considerados equivalentes… se torques iguais… produzirem… aceleração igual. Dois corpos são
considerados equivalentes se torques iguais produzirem aceleração igual”. Os estudantes estavam todos
sentados lá fazendo anotações e, quando o professor repetia a frase, checavam para ter certeza de que
haviam anotado certo. Então eles anotavam a próxima frase, e a outra, e a outra. Eu era o único que
sabia que o professor estava falando sobre objetos com o mesmo momento de inércia e era difícil
descobrir isso. Eu não conseguia ver como eles aprenderiam qualquer coisa daquilo. Ele estava falando
sobre momentos de inércia, mas não se discutia quão difícil é empurrar uma porta para abrir quando se
coloca muito peso do lado de fora, em comparação quando você coloca perto da dobradiça – nada!
Depois da palestra, falei com um estudante: “Vocês fizeram uma porção de anotações – o que vão fazer
com elas?” – Ah, nós as estudamos, ele diz. Nós teremos uma prova. – E como vai ser a prova? – Muito
fácil. Eu posso dizer agora uma das questões. Ele olha em seu caderno e diz: “Quando dois corpos são
equivalentes?” E a resposta é: “Dois corpos são considerados equivalentes se torques iguais produzirem
aceleração igual”. Então, você vê, eles podiam passar nas provas, “aprender” essa coisa toda e não saber
nada, exceto o que eles tinham decorado.” (FEYNMAN, R.P., 2000)
Refletir sobre a melhoria da formação do Engenheiro Civil Geotécnico através da aproximação do meio
acadêmico com o meio produtivo em um País com seríssimas dificuldades éticas, sociais e econômicas e em
um Mundo em evolução vertiginosa é vital para a sobrevivência da Engenharia Geotécnica nos seus melhores
padrões de excelência.
2 Objetivo
O trabalho objetiva demonstrar a urgente necessidade de uma reforma do ensino da Geotecnia,
abordando as imensas dificuldades pelas quais passa no Brasil o corpo docente, o corpo discente e o mundo
profissional, que recebe esses alunos para estágios e posteriormente os Engenheiros récem-formados.
Objetiva portanto o trabalho apontar caminhos a seguir, tendo como premissa a criação de união de
forças entre todos, resultando-se em uma salutar convergência entre a Academia e a prática profissional. Trazer
urgentemente para o debate o que seria e como fazer esta reforma do ensino apresenta-se fundamental.
3 Metodologia
A percepção de Engenheiros recém-formados e de estagiários no que tange às suas realidades de atuação
em escritório ou obras geotécnicas comparadas com a do seu meio acadêmico é algo sutil, sendo fundamental
ser capturada e discutida. Através de extensa experiência acadêmica e de engenharia dos autores, aliada a rica
pesquisa bibliográfica, apresentar-se-á portanto a base para poder-se tecer as considerações deste artigo.
4 Resultados e Análises
Em seu indispensável livro “A formação do engenheiro inovador: uma visão Internacional” o saudoso
Professor Engenheiro Marcos Azevedo da Silveira (1952 – 2009) define “competência" como sendo a
capacidade de mobilizar e articular os saberes (ou conhecimentos), habilidades (ou competências específicas),
aptidões e atitudes para resolver eficazmente novos problemas, devidamente contextualizados, de forma
fundamentada e consciente. (SILVEIRA, M. A., 2005)
O Professor Dr. Fernando Schnaid, em feliz apresentação ao vivo no canal da ABMS na plataforma online YouTube (SCHNAID, F.; FALCONI, F., 2021) comunga de opinião neste sentido ao defender o
pensamento crítico, a resolução de problemas, a liderança e o trabalho em equipe, sentido colaborativo,
capacidade de comunicação, abertura à inovação e valores éticos de sustentabilidade e comprometimento
social.
Os Professores Engenheiros José Roberto Cardoso e José A. B. Grimoni, em seu espetacular recémlançado livro “Introdução à Engenharia: uma abordagem baseada em ensino por competências” destacam que
na escola de engenharia, o foco das competências observado está concentrado na capacidade de entendimento
das disciplinas tecnológicas consideradas nobres na estrutura curricular de qualquer curso, e a praxe acadêmica
costuma qualificar a competência dos alunos segundo o desempenho obtido nestas disciplinas, sobretudo
naquelas consideradas mais difíceis. Prosseguem os professores explanando que estudante algum é qualificado
como talento na escola de engenharia simplesmente por ser agradável, por saber gerenciar conflitos entre
colegas, por realizar trabalho voluntário. É a nota nas disciplinas tecnológicas que o carimba, ou não, com a
qualificação de ser um talento (grifo nosso). Salientam que, caso o destino desse talento o conduza para o
mercado de trabalho, a dificuldade será ainda maior, pois, diferentemente do que ocorria no século passado,
um histórico escolar recheado de notas elevadas – apesar de ser um quesito importante que vale a pena lutar
na graduação – não garante empregabilidade imediata. (CARDOSO, J.R.; GRIMONI, J.A.B., 2021)
Porém, logo advém a pergunta: seriam estas competências realmente vivenciadas nas faculdades de
Engenharia Civil? A resposta está longe de ser satisfatória.
O modo como é tradicionalmente ministrado o ensino em nosso País privilegia imensas quantidades de
conteúdo, os quais em sua maioria nos dias de hoje poderiam ser previamente consultados pelos alunos antes
das aulas pelas novas mídias eletrônicas, isto se realmente todo esse conteúdo ainda se mantêm importante
para os dias atuais. Tal imenso e enfadonho “pacote de dados” toma o precioso tempo da aula que seria mais
adequado ao desenvolvimentos das citadas competências, como por exemplo à proposição e resolução criativa
de problemas concretos da área geotécnica no seu dia-a-dia: a atuação dos professores e alunos em estudos de
casos reais a eles apresentados pelo mercado profissional como o problema de estabilização de encostas, o que
é um enorme e recorrente problema social brasileiro, seria de enorme proveito para todos os envolvidos.
O desenvolvimento de competências de comunicação e colaboração com visitas frequentes a obras
ofertadas pelas empresas, o incremento do pensamento crítico dos estudantes através de desafios de Geotecnia
mais complexos e multidisciplinares à classe, tudo isso gera apetite pelo estudo e pela profissão. Quando os
professores valorizam a importância da sua disciplina dentro do contexto prático da Engenharia os alunos tem
maior interesse e estímulo inclusive para especializar-se na área Geotécnica.
Além da grave ausência da vivência em sala de aula das mencionadas competências, observa-se na
prática docente geotécnica que os conceitos relacionados a Mecânica dos Solos pouco são percebidos pelo
aluno no dia a dia do escritório ou da obra, pois trata-se de uma disciplina introdutória, com elevado e
diversificado conteúdo e de viés extremamente informativo, teórico-conceitual e, na etapa laboratorial com
excesso de explicações pormenorizadas dos ensaios, como se os alunos fossem tormar-se laboratoristas. Desta
maneira, normalmente os alunos não notam a beleza do tema e são inicialmente pouco capazes de caracterizar
o problema de Geotecnia e correlacionar com a necessidade da empresa e dos clientes.
No lado aposto deste espectro, a disciplina de Fundações, mais prática, é a que representa entre os alunos
a que melhor encaixa-se na rotina do escritório e do canteiro de obra, proporcionando aos mesmos maior
satisfação pessoal.
Entretanto, no cômputo geral do curso, a Geotecnia como um todo não é assimilada da maneira ideal e
o aluno permanece com grande desconhecimento de como as cadeiras da área em seu todo compõem realmente
a prática da profissão.
Naturalmente que o Docente necessita, antes de tudo, possuir amor à profissão, à transmissão de seus
conhecimentos e dentro desse amor sempre está imbutido o entusiasmo do Professor pela suas disciplinas, a
empatia, a paciência com o aluno, a preocupação com suas dificuldades e ansiedades, a busca da reciprocidade
na relação professor-aluno. A dimensão do processo ensino-aprendizagem requer muitas vezes do professor a
transposição dos “papéis formais da atividade docente”. O bom Mestre é aquele que deixa seu aluno crescer e
superá-lo.
Quanto aos nossos heróis professores, o Intelectual Europeu George Steiner (1929 -2020) bem os define:
“O magistério autêntico é uma vocação. É um chamado. A riqueza de significados que se
relacionam a termos como ‘ministério’, ‘sacerdócio’, ecoa, de certa forma, no magistério secular,
tanto moral quanto historicamente.
‘Rabino’, em hebraico, significa simplesmente ‘professor’. Mas nos faz pensar em uma dignidade
imemorial. Quer seja em seus níveis mais elementares — que jamais são, na verdade,
‘elementares’ — no ensino, por exemplo, a crianças pequenas, a surdos-mudos, a deficientes
mentais, quer seja nos pináculos dos privilégios, nas altas esferas das artes, das ciências, do
pensamento, o magistério resulta de um chamamento, uma convocação.
‘Por que me chama, o que deseja que eu faça?’, pergunta o profeta à voz que o chama ou o
racionalista à sua própria consciência.” (STEINER, G., 2018)
Um outro desafio a ser enfrentado nas Instituições de Ensino Superior particulares é a prática de
contratar o Docente-Engenheiro somente apenas pelo seu dominio do saber especifico de sua área de formação,
sem exigir mais do que isso.
Segundo a Professora Cecília Maria Macedo Dantas (DANTAS, C.M.M., 2014), neste nível de ensino
constituem–se docentes pela experiência desenvolvida no decorrer do exercício profissional e acontece de
forma isolada. Ninguém partilha como atua em sala de aula, tampouco mostram razões para essa troca de
experiência. Os professores – engenheiros normalmente acabam aprendendo a serem docentes, e se isso
realmente acontece de fato, pela própria experiência, através de um esforço solitário sem benefício de uma
sistematização racional de procedimento.
“Esses profissionais baseiam-se, sobretudo no reconhecimento que tem, na vocação e nos
saberes práticos que desenvolvem ao longo da experiência” (DANTAS, C.M.M., 2014).
A esse respeito, comenta o Professor Miguel Zabalza que (...) os professores universitários têm uma
forte tendência a construir sua identidade e a desenvolver seu trabalho de forma individual ao ponto de ser essa
uma das características principais da universidade, ou, seja algo com que temos de contar, ao menos
inicialmente, para qualquer tipo de projeção de crescimento (ZABALZA, M.A., 2004).
Para ser um docente são necessarios saberes pedagógicos aos quais o professor – engenheiro só tem
acesso mediante uma formação especifica para isso. Segundo Vanessa Oliveira de Moura Alvares
(ALVARES, V.O.M., 2006), a preparação pedagógica do docente universitário é complexa mais possível de
ser realizada. O maior problema está na concepção de formação materializada por meio da legislação e da
própria instituição, pela qual, para ser docente universitario basta apenas o domínio do saber especifico da sua
área de formação.
Deste modo permencem ad-eternum as reclamações do corpo docente quanto ao interesse e à dedicação
dos alunos, as do corpo discente quanto ao enfadonho das aulas e do mundo profissional que recebe esses
alunos um tanto quanto “crus” para estágios e posteriormente os ainda “engessados” Engenheiros récemformados.
Neste ponto é extremamente salutar a contribuição do Professor Silveira (SILVEIRA, M. A., 2005)
destacando que, tradicionalmente, espera-se que o engenheiro recém-formado exerça uma função técnica de
execução na empresa sob o controle de um engenheiro experiente, como formação complementar. Tendo
sucesso, passa a "chefe de equipe técnica" encarregada de tarefas de produção ou de manutenção, (...)
"engenheiro de obra" (...). Outra possibilidade, mais rara, é passar a "projetista" dentro de uma equipe
especializada. Em ambos os casos o engenheiro utiliza a linguagem das plantas, diagramas técnicos, planilhas
e tabelas de especificação (de produtos, de processos, de operações). (...) A maioria dos engenheiros passa a
"gerente técnico", encarregado de comandar as equipes técnicas, traçar as grandes linhas de projetos, tomar
decisões sobre compras ou vendas (grifo nosso). Nesta função o engenheiro ainda usa a linguagem das plantas,
embora ocupe o seu tempo com estudos, relatórios e contratos. Finalmente, o engenheiro, tendo sucesso, passa
à função de "administrador técnico" (e, depois, à de "administrador", simplesmente), tendo que tomar decisões
políticas, técnicas e financeiras, administrar recursos humanos e relacionar-se com o público (grifo nosso).
Prossegue esclarecendo o Professor Silveira quando ressalva que, no entanto, sob a denominação de
“função técnica” aparecem ocupações não contempladas nas escolas de engenharia (grifo nosso). Depois de
um período circulando pela empresa (trainees) ou participando de cursos internos de formação, grande parte
dos engenheiros passam a trabalhar em vendas, atendimento aos clientes ou a analisar, desenvolver e integrar
sistemas. Nestas atividades utilizam seriamente o conhecimento técnico próprio à profissão além de toda uma
gama de conhecimentos e capacidades associados atualmente à função “engenheiro”, porém desconsiderados
pelas escolas (grifo nosso). (SILVEIRA, M. A., 2005)
Traz um sopro de alento por exemplo a intervenção do jovem Engenheiro Geotécnico Dr. Tiago Souza,
em apresentação ao vivo no canal da ABMS na plataforma on-line YouTube (BARONI, M.; DIAS, M.;
SOUZA, T., 2021) destaca, em sua conversa com a Engenheira M.sc. Marianna Dias e o Professor Dr. Magnos
Baroni, a sensibilidade de fazer o link da prática com a academia, tendo que saber aprender a aprender e
reaprender (grifo nosso), sendo esse o profissional do século XXI.
Nesta mesma inspirada apresentação, a jovem Engenheira M.sc. Marianna Dias reflete que, em aula, deve-se
apresentar a teoria e mostrar a aplicação prática com exemplos logo em seguida, explicando o embasamento e
o porquê.
Estão ambos corretíssimos em sua análise.
As soluções para este grave problema que é a formação do Engenheiro Geotécnico do futuro e para o
futuro sempre passará obrigatoriamente pela premissa da união de forças entre todos, resultando-se em uma
salutar convergência entre a Academia (corpos docente e discente) e a prática profissional. Ressalta-se que a
academia não está totalmente errada e nem o mercado de trabalho totalmente certo (exemplo: em épocas de
grande deteriorização econômica da sociedade, com parcos investimentos, onde as construções em geral
tendem a ser menos arrojadas, a academia deveria seguir essa tendência e não avançar em conhecimentos de
ponta?); há que se haver um entendimento harmonioso e construtivo entre as partes.
Uma singela sugestão para o debate seria a realização de um número muito maior de atividades em
grupo tais como seminários e jogos (games) presenciais e/ou on line, onde os alunos aprendessem
prazeirosamente a força que é a colaboração em grupo e a satisfação que a eles será gerada por ensinar aos
demais da turma.
Segundo Dickmann (2020), Gamificação é o uso de ideias de jogos para resolver problemas
pedagógicos. Gamificação consiste no processo de utilização do pensamento de jogo e dinâmica de jogos para
engajar a audiência e resolver problemas. Um game é um sistema no qual os jogadores se engajam em um
desafio abstrato, definido por regras, interatividade (com o ambiente do jogo, com os outros jogadores, com a
equipe) e feedbacks e que geram resultado quantificável, frequentemente elicitando uma reação emocional. Os
alunos, ao vivenciarem essa experiência lúdica, aprendem.
Chega a ser desalentador constatar que há 50 anos o Prof. Feynman já vivenciara aqui em nosso País os
terríveis problemas educacionais com os quais os professores e seus alunos ainda se deparam hoje em seu
cotidiano!
“ (...) Dei um curso na faculdade de engenharia sobre métodos matemáticos na física, no qual
tentei demonstrar como resolver os problemas por tentativa e erro. É algo que as pessoas
geralmente não aprendem; então comecei com alguns exemplos simples para ilustrar o método.
Fiquei surpreso porque apenas cerca de um entre cada dez alunos fez a tarefa. Então fiz uma
grande preleção sobre realmente ter de tentar e não só ficar sentado me vendo fazer. Depois da
preleção, alguns estudantes formaram uma pequena delegação e vieram até mim, dizendo que eu
não havia entendido os antecedentes deles, que eles podiam estudar sem resolver os problemas,
que eles já haviam aprendido aritmética e que essa coisa toda estava abaixo do nível deles. Então
continuei a aula e, independente de quão complexo ou obviamente avançado o trabalho estivesse
se tornando, eles nunca punham a mão na massa. É claro que eu já havia notado o que acontecia:
eles não conseguiam fazer! Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas.
Por fim, um estudante explicou-me: “Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra,
depois todo mundo vai ficar me dizendo: “Por que você está fazendo a gente perder tempo na
aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo
perguntas”. Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está
acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos
fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas
estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse
confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros. Expliquei a
utilidade de se trabalhar em grupo, para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não
faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a
outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa
estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a “educação”, que é inútil,
definitivamente inútil! ” (FEYNMAN, R.P., 2000)
5 Conclusão / Comentários finais
Ao leitor que chegou até esse ponto, cumpre-nos cumprimentá-lo e dizer que o mais importante é que
esse debate esteja sempre em voga.
O docente deve ser um profissional reconhecido, estimulado, vocacionado e atualizado. Deve estar
sempre procurando estar próximo de seus pares, transmitindo a Geotecnia de forma instigante e reflexiva,
demonstrando sua importância para o futuro Engenheiro, afastando-se do engessado modelo de ensino
conteudista em prol de um modelo participativo, com mais interação, colaboração e criatividade, propondo
projetos relevantes ao meio social, seminários, visitas frequentes às obras e escritórios de projeto e
aprendizagem através de métodos modernos, como jogos (gameficação).
Os alunos devem ser levados a pensar criticamente e a questionar o mundo onde vivem. Estes alunos
devem apresentar-se ativamente nas aulas e buscar trabalhar, educadamente, criticamente e criativamente com
seus colegas e o professor.
O meio profissional deve apoiar a Academia e vice-versa, através de constante contato e parcerias,
entendendo que em ambos os campos há problemas e nenhum está com a plena razão e que é um jogo de
ganha-ganha essa relação.
Fica para reflexão e debate, por fim, o atualíssimo pensamento do Educador Rubem Alves (1933-2014):
" Minha filha me fez uma pergunta: ‘O que é pensar?’
Disse-me que esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia imposto à classe. Pelo que
lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido
a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com
ela cortado as asas do pensamento.
O pensamento é como a águia que só alça voo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar
sobre o que não se sabe.
Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas.
Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas.
As respostas nos permitem andar sobre a terra firme.
Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido." (ALVES, R., 2000)
AGRADECIMENTOS
Os dois primeiros autores gostariam de agradecer imensamente aos Professores Jonio Ribeiro Nogueira e
David de Carvalho pelo exemplo que sempre deram ao longo dos anos de grande amor e dedicação ao
conhecimento e à profissão docente na área de Geotecnia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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superior Uberlandia, MG, Dissertação de Mestrado da Universidade Federal de Uberlandia,UFU, 200p
ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas: Papirus, 2000. 96 p.
BARONI, Magnos; DIAS, Marianna; SOUZA, Tiago. Desafios geotécnicos:: academia, prática e o contexto
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https://youtu.be/m3G7b4_C1Ss. Acesso em: 25 ago. 2021.
CARDOSO, José Roberto; GRIMONI, José Aquiles Baesso. Introdução à Engenharia: uma abordagem
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DANTAS, M.M.C. (2014) Docentes Engenharios e sua preparação didática-pedagógica Resvista de
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DICKMANN, Ivanio. GAMEDUCAR: acolhida gamificação. ACOLHIDA GAMIFICAÇÃO. 2020.
Disponível em: https://youtu.be/U6Ai3MXCbB0. Acesso em: 01 dez. 2021.
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MELLO, Victor F. B. de. Aula inaugural: curso de pós-graduação em geotecnia - eesc/usp. Curso de Pósgraduação em Geotecnia - EESC/USP. 1995. Disponível em: https://youtu.be/560fpyJM0-E. Acesso em:
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