- ABC Indústria e Comércio Ltda. sacou duplicata em face de XYZ Móveis e Utensílios S/A, por força de operação de compra e venda de mercadorias. Recebidas as mercadorias, o gerente de XYZ verificou que as mesmas vieram com defeito de fabricação. O gerente de XYZ, então, devolveu as mercadorias para ABC, porém, reteve consigo a duplicata, com forma de retirar a exequibilidade do título. Instado (a) pela Diretoria da Companhia a se pronunciar como advogado (a) interno (a) de XYZ, você reputaria a correta a postura adotada pelo referido gerente? Justifique a resposta.
Prezado,
Bom dia.
No meu entendimento não houve acerto em realizar a retenção da duplicata, visto que é necessário, em caso de recusa de mercadoria, que seja justificado o motivo no verso do título e depois devolvida ao sacador. Vejamos:
"O sacado, ao receber a duplicata, terá prazo de 10 dias para dar o aceite ou recusá-lo de forma motivada, e devolver a duplicata ao sacador"
A retenção, no caso concreto, pode ser prejudicial até em situação de possível protesto pela falta de motivação da recusa.
Espero ter ajudado.
Att
A questão trata da retenção da duplicata por parte de XYZ Móveis e Utensílios S/A, após a devolução das mercadorias com defeito de fabricação, como uma forma de impedir a exequibilidade do título de crédito (duplicata). O gerente de XYZ adotou uma postura de retenção do título como um mecanismo para contestar a obrigação de pagamento.
Postura correta ou incorreta do gerente:
A atitude do gerente de XYZ pode ser questionada, pois, conforme a legislação e a doutrina sobre títulos de crédito, a retenção de duplicata não é um ato que, por si só, extingue ou suspende a exigibilidade da dívida, nem afasta a possibilidade de execução do título.
A duplicata é um título de crédito autônomo, cambial, que tem a função de formalizar uma dívida de compra e venda, conferindo a quem a detém o direito de exigir o pagamento de uma obrigação, independentemente da existência de litígios relacionados ao contrato subjacente (a compra e venda).
De acordo com o Código Civil Brasileiro (CC/2002), o art. 1.102-A do Código de Processo Civil e a Lei 5.474/68, que regula as duplicatas, uma vez emitido o título e entregue ao sacado (no caso, XYZ), ele tem um caráter executivo, podendo ser cobrado diretamente pelo procedimento de execução (se estiver vencido e não pago). A duplicata é autônoma em relação ao contrato subjacente, o que significa que, em princípio, a devolução das mercadorias ou a existência de defeitos nas mercadorias não é motivo para suspensão ou não pagamento do título, a menos que a parte interessada (ABC) aceite formalmente essa devolução como resolução do contrato ou devolução do pagamento.
O art. 50 da Lei 5.474/68 estabelece que, em caso de defeito nas mercadorias e devolução delas, a duplicata pode ser protestada ou o pagamento pode ser contestado judicialmente, mas a retenção do título de crédito não é uma medida automática que torne o título inapto para cobrança.
A duplicata pode ser protestada para a recusa do pagamento, mas a retenção da duplicata pelo comprador não extingue a obrigação de pagamento do título. O comprador pode contestar a validade do título através de defesa em uma possível execução (apresentando sua contestação com base no defeito das mercadorias), mas não é suficiente apenas reter o título.
Caso XYZ deseje contestar o pagamento, o correto seria levantar a defesa em juízo ou, se for o caso, solicitar a declaração de nulidade ou cancelamento da duplicata em razão do defeito das mercadorias e da devolução das mesmas. Isso poderia ser feito por meio de uma exceção de contrato não cumprido ou outro mecanismo de defesa adequado, mas não pela simples retenção da duplicata, uma vez que isso não impede a cobrança judicial por parte de ABC.
O entendimento jurisprudencial é claro no sentido de que a retenção da duplicata por parte do comprador, mesmo que este tenha devolvido as mercadorias, não impede a cobrança judicial do título. O comprador pode alegar a defesa do contrato não cumprido ou o defeito das mercadorias dentro do processo judicial, mas a retenção do título não afasta sua execução.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que, mesmo que o comprador alegue defeito nas mercadorias, a duplicata pode ser cobrada por meio de execução (STJ, REsp 1.111.447). A solução do litígio relacionado ao defeito das mercadorias deve ocorrer em um processo específico, mas isso não impede a exequibilidade do título de crédito.
A postura adotada pelo gerente de XYZ não está correta. A retenção da duplicata não impede sua cobrança, uma vez que o título é autônomo e a disputa sobre o contrato subjacente (como a devolução das mercadorias defeituosas) deve ser resolvida por meio de defesa judicial. O correto seria contestar o pagamento no âmbito judicial, e não reter o título, pois ele continua com a exequibilidade até que se resolva a disputa no processo.