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Quem tem o direito de falar? Vladimir Safatle A política não é uma questão apenas de circulação de bens e riquezas. Ou seja, ela não se funda simplesmente em uma decisão a respeito de como as riquezas e os bens devem circular, como eles devem ser distribuídos. Embora essa seja uma questão central que mobiliza todos nós, ela não é tudo, nem é razão suficiente de todos os fenômenos internos ao campo que nomeamos "política". Na verdade, a política é também uma questão de circulação de afetos, da maneira com que eles irão criar vínculos sociais, afetando os que fazem parte destes vínculos. A maneira com que somos afetados define o que somos e o que não somos capazes de ver, o que somos e não somos capazes de sentir e perceber. Definido o que vejo, sinto e percebo, definese o campo das minhas ações, a maneira com que julgarei, o que faz parte e o que está excluído do meu mundo. Percebam, por exemplo, como um dos maiores feitos políticos de 2015 foi a circulação de uma mera foto, a foto do menino sírio morto em um naufrágio no Mar Mediterrâneo. Nesse sentido, foi muito interessante pesquisar as reações de certos europeus que invadiram sites de notícias de seu continente com posts e comentários. Uma quantidade impressionante deles reclamava daqueles jornais que decidiram publicar a foto. Por trás de sofismas primários, eles diziam basicamente a mesma coisa: "parem de nos mostrar o que não queremos ver", "isto irá quebrar a força de nosso discurso". Pois eles sabiam que seu fascismo ordinário cresce à condição de administrar uma certa zona de invisibilidade. É necessário que certos afetos não circulem, que a humanização bruta produzida pela morte estúpida de um refugiado não nos afete. Todo fascismo ordinário é baseado em uma desafeição. Toda verdadeira luta política é baseada em uma mudança nos circuitos hegemônicos de afetos. Prova disso foi o fato de tal foto produzir aquilo que vários discursos até então não haviam conseguido: que a política criminosa de indiferença em relação à sorte dos refugiados fosse temporariamente suspensa. Mas essa quebra da invisibilidade também se dá de outras formas. De fato, sabemos como faz parte das dinâmicas do poder decidir qual sofrimento é visível e qual é invisível. Mas, para tanto, devemos antes decidir sobre quem fala e quem não fala, qual fala ouvirei e qual fala representará, para mim, apenas alguma forma de ressentimento. Há várias maneiras de silêncio. A mais comum é simplesmente que se calem aqueles que não têm direito à voz. Isso é o que nos lembram todos aqueles que se engajaram na luta por grupos sociais vulneráveis e objetos de violência contínua (negros, homossexuais, mulheres, travestis, palestinos, entre tantos outros). Mas há ainda outra forma de silêncio. Ela consiste em limitar sua fala. Assim, um será a voz dos negros e pobres, já que o enunciador é negro e pobre. O outro será a voz das mulheres e lésbicas, já que o enunciador é mulher e lésbica. A princípio, isto pode parecer um ato de dar voz aos excluídos e subalternos, fazendo com que negros falem sobre os problemas dos negros, mulheres falem sobre os problemas das mulheres, e por aí vai. No entanto, essa é apenas uma forma astuta de silêncio, e deveríamos estar mais atentos a tal estratégia de silenciamento identitário. Ao final, ela quer nos levar a acreditar que negros devem apenas falar dos problemas dos negros, que mulheres devem apenas falar dos problemas das mulheres. Pensar a política como circuito de afetos significa compreender que sujeitos políticos são criados quando conseguem mudar a forma como o espaço comum é afetado. Posso dar visibilidade a sofrimentos que antes não circulavam, mas, uma vez que aceito limitar minha fala pela identidade que supostamente represento, não mudarei a forma de circulação de afetos, pois não conseguirei implicar quem não partilha minha identidade na narrativa do meu sofrimento. Minha produção de afecções continuará circulando em regime restrito, mesmo que agora codificada como região setorizada do espaço comum. Ser um sujeito político é conseguir enunciar proposições que implicam todo mundo, que podem implicar qualquer um, ou seja, que se dirigem a esta dimensão do "qualquer um" que faz parte de cada um de nós. É, sem dúvida, quando nos colocamos na posição de qualquer um que temos mais força de desestabilização de circuitos hegemônicos de afetos. O verdadeiro medo do poder é que você se coloque na posição de qualquer um.

Questão 1)Vladimir Safatle, a partir do penúltimo parágrafo de seu texto, usa recorrentemente a expressão “qualquer um” como forma de argumentar a favor de uma política de circuito de afetos. No parágrafo final do texto, o filósofo conclui seu ponto de vista retomando o uso dessa mesma expressão indefinida. Levando em consideração o uso linguístico da expressão e o sentido global do texto 1, pode-se afirmar que o autor

a) acredita que nem todo mundo pode colocar-se no lugar do outro;

b) defende que as minorias tratem dos próprios problemas apenas;

c) argumenta a favor da empatia de todos perante todos, independentemente de gênero, classe social ou raça;

d) destaca a importância dos movimentos migratórios no mundo

Questão 2)No período “Embora essa seja uma questão central que mobiliza todos nós, ela não é tudo”, o conectivo destacado poderia ser substituído, sem prejuízos semânticos ao texto, por:

a) Já que

b) Ainda que

c) Consoante

d) À medida que

 Questão 3)Assinale a alternativa que apresenta INADEQUAÇÃO no uso da vírgula.

a) “Ou seja, ela não se funda simplesmente em uma decisão a respeito de como as riquezas e os bens devem circular, como eles devem ser distribuídos.”

b) “Isso é o que nos lembram todos aqueles que se engajaram na luta por grupos sociais vulneráveis e objetos de violência contínua (negros, homossexuais, mulheres, travestis, palestinos, entre tantos outros).”

c) “Definido o que vejo, sinto e percebo, define-se o campo das minhas ações, a maneira com que julgarei, o que faz parte e o que está excluído do meu mundo.”

d) “Mas, para tanto, devemos antes decidir sobre quem fala e quem não fala, qual fala ouvirei e qual fala representará, para mim, apenas alguma forma de ressentimento.”

Questão 4)No que se refere ao uso de conectivos e a seus respectivos valores semânticos, assinale a alternativa CORRETA:

a) “A política não é uma questão apenas de circulação de bens e riquezas. Ou seja, ela não se funda simplesmente em uma decisão a respeito de como as riquezas e os bens devem circular, como eles devem ser distribuídos.” - O operador sequenciador “Ou seja” possui valor semântico de certeza/ênfase e pode ser substituído, sem mudança de sentido, por “Em outras palavras”.

b) “Nesse sentido, foi muito interessante pesquisar as reações de certos europeus que invadiram sites de notícias de seu continente com posts e comentários.” - O operador sequenciador “Nesse sentido” possui valor semântico de recapitulação/resumo/conclusão e pode ser substituído, sem mudança de sentido, por “Ademais”.

c) “De fato, sabemos como faz parte das dinâmicas do poder decidir qual sofrimento é visível e qual é invisível” - O operador sequenciador “De fato” possui valor semântico de certeza/ênfase e pode ser substituído, sem mudança de sentido, por “Por certo”.

d) “Pensar a política como circuito de afetos significa compreender que sujeitos políticos são criados quando conseguem mudar a forma como o espaço comum é afetado.” - O operador sequenciador “como” possui valor semântico de comparação/semelhança e pode ser substituído, sem mudança de sentido, por “independentemente do”.

Questão 5) Em cada alternativa a seguir, apresentam-se sugestões de reescrita de fragmentos do texto 1. Assinale aquela cuja reescrita contém um desvio no uso da língua portuguesa mais formal.

a) “A maneira com que somos afetados define o que somos e o que não somos capazes de ver, o que somos e não somos capazes de sentir e perceber.” Reescrita: A maneira como somos afetados define o que somos e o que não somos capazes de ver, sentir e perceber.

b) “Há várias maneiras de silêncio. A mais comum é simplesmente que se calem aqueles que não têm direito à voz.” Reescrita: Existem várias maneiras de silêncio. A mais comum é simplesmente que se calem os que não têm direito à voz.

c) “Ser um sujeito político é conseguir enunciar proposições que implicam todo mundo, que podem implicar qualquer um, ou seja, que se dirigem a esta dimensão do ‘qualquer um’ que faz parte de cada um de nós.” Reescrita: Ser um sujeito político é conseguir enunciar proposições que implicam em todo mundo, que podem implicar em qualquer um, ou seja, que se dirigem à dimensão do ‘qualquer um’ que faz parte de cada um de nós.

d) “Percebam, por exemplo, como um dos maiores feitos políticos de 2015 foi a circulação de uma mera foto, a foto do menino sírio morto em um naufrágio no Mar Mediterrâneo.” Reescrita: Percebam, por exemplo, que um dos maiores feitos políticos de 2015 foi a circulação da mera foto do menino sírio morto em um naufrágio no Mar Mediterrâneo. 

 

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Adriana perguntou há 4 anos