ANÁLISE COMPARATIVA DOS PERSONAGENS PROTAGONISTAS NAS OBRAS “MEMÓRIA DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS” E “ ALVES & CIA”
Autor: Amanda Alves Pereira[1]
Sandra Ribeiro Braz Lunardon[2]
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Franz[3]
RESUMO
As sociedades brasileira e portuguesa são distintas em seus costumes e isso reflete nas obras literárias, através das atitudes tomadas pelos personagens. Podemos fazer essa distinção pela análise de obras como o romance de Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milicias; e a obra de Eça de Queirós, Alves & Cia. Nesse artigo pretende-se explorar a questão do caráter dos personagens protagonistas, observando o retrato das ideias da sociedade. Para isso foi analisado as atitudes e ações dos personagens, através de um quadro comparativo das ações realizadas pelos dois personagens protagonistas: Leonardo do romance Memorias de um Sargento de Milicias e Godofredo de Alves & Cia.
Palavras-chave: Sociedade. Caráter. Ações dos personagens.
A sociedade brasileira e portuguesa possuem diferentes costumes, ideias, opiniões e conceitos. Pode-se perceber essa diferença através da leitura e analise de obras literárias, observando as atitudes dos personganes.
Neste artigo a obra escolhida para realizar essa comparação e analise são as obras Memórias de um Sargento de Milicias, que é um romance já em transição para o realismo, produzida por Manuel Antonio de Almeida, o enredo se desenvolve na cidade do Rio de Janeiro, no tempo em que a família portuguesa refugiou-se no Brasil.
A outra obra utilizada para a comparação entre as sociedades brasileira e portuguesa é Alves & Cia, produzida por Eça de Queiros, em que a história se desenvolve na cidade de Lisboa, Portugal.
A análise a ser realizada se refere as características pscologicas e comportamentais dos personagens protagonistas.
Nessa analise desenvolvida pode-se perceber que as atitutes de cada um dos personagens é diferente, pois são realizadas de acordo com as ideias e opiniões da sociedade.
Para que possamos realizar essa verificação e comparação façamos uma analise das duas obras, em relação aos personagens, através de um quadro comparativo das ações realizadas pelos dois personagens principais: Leonardo e Godofredo.
"Memórias de um Sargento de Milícias" foi lançado inicialmente com a forma de folhetim – conteúdo literário integrante do jornal "Correio Mercantil", do Rio de Janeiro, entre 27 de junho de 1852 e 31 de julho de 1853. Somente dois anos depois foi transformado em livro, publicado em dois volumes, as duas partes são bem distintas, a primeira tem 23 capítulos e a segunda 25 capítulos.
Uma obra diferente da idealização romântica dos personagens, presença principalmente de um personagem protagonista anti-herói. A época apresentada na obra é do período da vinda da família real para o Brasil, tempo em que D. João VI refugiou-se no Rio de Janeiro, ou seja, início do século 19. Diferente da habitual apresentação dos romances românticos a visão de mundo que expressa não é marcada por traços idealizados e sentimentalistas, ao contrário, o autor se vale de um estilo objetivo e realista. A obra é romântica, porém, com certo caráter picaresco, anti-herói, humor e muita ironia, uma visão divertida de determinada época.
Com linguagem popular, coloquial, conotativa ou figurada de acordo com pessoas de nível social e cultural inferior, caracteriza os traços específicos da sociedade brasileira apresenta na vida na periferia do Rio de Janeiro, os subúrbios cariocas com seu espaço estilizado, em contraposição com a vida da corte, que normalmente surge em obras do romantismo. Contraste entre posturas moralizantes e atitudes que vão contra os preceitos morais, retratando também o grupo dos portugueses que povoaram o Rio de Janeiro da época, com costumes e peculiaridades. Retrata a realidade do Rio de Janeiro na época relatada, a crítica social é percebida no desenvolvimento da trama.
Traz, em seu conteúdo, o comportamento da massa popular, e em contraste entre as propostas de seriedade e ordem e os momentos de completa desorganização se harmonizam a forte presença do humor na obra. O caricatural, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um conjunto que retrata o ridículo de diversas situações.
Várias tramas desenvolvem-se ao mesmo tempo, sendo Leonardo, o personagem central, responsável por atá-las tornando-se o elo entre elas, o que permite que a obra seja denominada também de novela. No final, a vida de Leonardo organiza-se, tudo se encaixa satisfatoriamente, mostrando-nos mais claramente a presença do Romantismo no texto. Aparecem diversas explicações sobre a obra na própria obra, o que demonstra o uso da metalinguagem pelo autor.
A narração do texto é feita em terceira pessoa, com um narrador que interfere no texto, faz observações e busca contato com o leitor fazendo tentativa de diálogo. A ação da obra é dinâmica em todo o decorrer da história, ao final o que impera é a ordem sobre a desordem, fechando-se o processo de carnavalização.
Após a obra “Memórias de um sargento de milícias”, outras vieram seguindo as características do personagem anti-herói Leonardo, como por exemplo, a obra “Macunaíma”, que surgiu no Modernismo.
2.1 personagem protagonista da obra “Memórias de um Sargento de Milícias” do autor Manuel Antonio de Almeida
Toda história está ligada de alguma forma ao Leonardo, permitindo à obra uma característica de novela. O personagem principal da obra é um anti-herói, que se chama Leonardo “conhecido também como o primeiro malandro da literatura brasileira”, relata seus esforços para driblar as adversidades de sua condição social e, ao mesmo tempo, se aproveitar ao máximo dos intervalos de sorte que tem na vida. São esses os mesmos motivos que impelem a grande maioria das personagens do romance.
Leonardo vive de astúcias, artimanha e trapaças o “picareta” se vale dessas “qualidades” para garantir sua sobrevivência e tem, com toda certeza, uma visão cínica da realidade que o cerca, anti-herói, herói às avessas, picaresco desde a infância, esperto, vagabundo e mulherengo.
No decorrer do texto podemos acompanhar o crescimento do personagem herói, mostra sua infância cheia de travessuras, sua adolescência com as primeiras decepções e aventuras, e a fase adulta com cobranças de responsabilidades, que no desenrolar da historia vai agindo de acordo com as exigências sociais, até mesmo se casando.
Inicialmente Leonardo é enjeitado pelos próprios pais, quando criança, por esse motivo é criado pelo padrinho e pela madrinha, e bem cedo apresenta seu verdadeiro caráter. O livro narra as aventuras e desventuras de Leonardo junto com a sociedade de baixa renda. Como no trecho abaixo em que mostra seu aprendizado em relação a letras e as orações.
“Dadas as explicações do capítulo precedente, voltemos ao nosso memorando, de quem por um pouco nos esquecemos. Apressemo-nos a dar ao leitor uma boa notícia: o menino desempacara do F, e já se achava no P, onde por uma infelicidade empacou de novo. O padrinho anda contentíssimo com este progresso, e vê clarear-se o horizonte de suas esperanças; declara positivamente que nunca viu menino de melhor memória do que o afilhado, e cada lição que este dá sabida de quatro em quatro dias pelo menos é para ele um triunfo. Há porém uma coisa que o entristece no meio de tudo: o menino tem para a reza, e em geral para tudo quanto diz respeito à religião, uma aversão decidida; não é capaz de fazer o pelosinal da esquerda para a direita, fá-lo sempre da direita para a esquerda, e não foi possível ao padrinho, apesar de toda a paciência e boa vontade, fazê-lo repetir de cor sem errar ao menos a metade do padre-nosso; em vez de dizer “venha a nós o vosso reino” diz sempre “venha a nós o pão nosso”. Ir à missa ou ao sermão é para ele o maior de todos os suplícios, isto faz que o padrinho desespere às vezes, e até chegue a concordar com a comadre em que o menino não tem jeito para clérigo; porém são nuvens passageiras; sempre há isto ou aquilo que faz renascer todas as esperanças, e o homem caminha animado na sua obra.”
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Editora Valer, 2010. Manaus. P. 66)
Leonardo é preso pelo Major Vidigal (um personagem que realmente existiu), melhor dizendo, Miguel Nunes Vidigal, chefe da Guarda Real, criada pelo rei em 1809, para policiar o Rio de Janeiro, ele foi um símbolo da repressão socialmente injusta e temida por todos daquela época, sendo apresentado na obra de forma irônica e sarcástica sendo até mesmo debochado.
A história tem muitas reviravoltas e Leonardo tem a intervenção da sua madrinha e de uma amiga sua ex-amante, para protegê-lo. O anti-herói acaba por ingressar na milícia e ser promovido ao cargo de sargento a que se refere o título.
Não há idealização das personagens e sim observação direta e objetiva. Presença de camadas inferiores da população são apresentadas por meio de suas profissões (barbeiros, comadres, parteiras, meirinhos...).
Os personagens encaixam-se na categoria de tipos alegóricos, pois não possuem profundidade psicológica e são como caricatura de uma classe social: o povo, a classe média carioca da época. Os personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, são impulsionados pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social).
Alves & Cia, de Eça de Queiros, possui como tema central o adultério. O protagonista Godofredo da Conceição Alves é um comerciante bem sucedido que tem como sócio Machado, a quem considera quase um membro da família. Godofredo vive ao lado da sua esposa Ludovina. Em seu quarto aniversário de casamento, Godofredo no intuito de surpreender a esposa com um lindo presente, entra em casa sorrateiramente e leva um enorme choque ao flagrar a esposa com o sócio Machado.
Após a suposta traição, Godofredo se separa e passa a viver em solitário, infeliz e com sua vida domestica em total desordem. Sua vida era rotineira, o que pode-se observar no trecho abaixo:
“Depois foi pior quando começou o inverno. Novembro foi muito chuvoso Ele voltava do escritório, e, depois do jantar ordinário que comia à pressa, ficava, com os pés nos chinelos, aborrecendo-se e errando da sala para o quarto. Nenhuma cadeira, por mais confortável, lhe dava a satisfação de repouso e de bem-estar; e os seus livros queridos pareciam ter perdido subitamente todo o interesse, desde que não a sentia ao seu lado, costurando à mesma luz a que ele lia. E um pudor, um escrúpulo, uma vaga vergonha impediam-no de ir aos teatros.” (QUEIRÓS, 2008, p. 94)
Godofredo passa seus dias planejando uma vingança contra seu sócio Machado. Porém essa não se concretizar, depois da intervenção dos seus amigos, que ficam dizendo em relação ao que a sociedade irá pensar e que fará mal para os negócios. O que pode ser explicitado no trecho a seguir:
-Tapas assim a boca do mundo – disse o Carvalho.
-Salvas-te do ridículo – disse o Medeiros.
-Manténs a firma intacta e unida...
-Conservas um sócio inteligente e trabalhador.
-E talvez um amigo! ( QUEIRÓS, 2008, p. 87)
Para não prejudicar os negócios, Godofredo retoma as relações profissionais com o sócio, Machado. Porém permanece separado de sua esposa Ludovina e a bagunça em sua vida doméstica continua.
Godofredo decide recuperar sua esposa e sua antiga posição de bem-estar. De volta ao lar, Ludovina traz ao marido, a paz e o conforto que ele havia perdido. Aos poucos Alves recompõe sua vida comercial e matrimonial.
O final é o contrário do que se espera de um marido traído na sociedade portuguesa do século XXI.
Analisando os personagens de Alves & Cia, o desfecho de suas decisões refletem o ideal do que seria moderno, que vai se apoiar na família, vista como a base da sociedade e do equilíbrio econômico.
“Tinha estendido os braços à esposa culpada, ao amigo desleal, e, com este simples abraço, tornara para sempre a sua esposa um modelo, o seu amigo um coração irmão e fiel. E agora ali estavam todos juntos, lado a lado, honrados, serenos, ricos, felizes, envelhecendo de camaradagem no meio da riqueza e da paz.” (QUEIRÓS, 2008)
Com a personagem Ludovina, o autor realiza uma critica à sociedade portuguesa em relação aos valores superficiais e fúteis, nas relações sustentadas pela conveniência e vantagens materiais a exemplo de Neto, pai de Lulu, que só visa ao interesse próprio e não a felicidade da filha. Ludovina não possui tanto essa riqueza de caracterização pelo menos no plano psicológico. Há uma descrição física e também de sua origem social. Através da personagem Ludovina, o autor faz uma crítica às mulheres da época, que na maioria possui suas perspectivas de vida limitadas a um casamento feito por conveniência e por falta de opção.
Godofredo é protagonista e herói, Eça nos apresenta uma caracterização que vai além da física, também seu pensamento ideológico, seus medos, seus aspectos morais. Pode-se perceber que embora magoado, o seu sentimento pelo amigo varia entre a raiva e a compaixão.
Godofredo escolhe a situação mais cômoda diante do adultério, ele prefere certa estabilidade, sendo que o casamento é essencial para o andamento de seus negócios, afinal ele precisa de uma mulher que cuide dele, da sua casa, suas roupas e de um braço direito.
Memórias de um sargento de milícias |
Alves & CIA |
Leonardo |
Godofredo |
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Analisando o quadro acima, podemos identificar claramente as diferenças entre os personagens protagonistas de cada obra. Leonardo é o personagem claramente categorizado e classificado por Antonio Candido como o anti-heroi, suas ações são realizadas com certo interesse e se aproxima de alguns personagens somente com interesse, usa da esperteza, não se importa com o que a sociedade diz. Diferente de Leonardo, Godofredo tem uma preocupação em relação a tudo que dizem sobre sim, porém como Leonardo devido a seus próprios interesses, no caso não perder a empresa e fazer com que seus negócios sofram uma queda, esquece o adultério e perdoa tanto a mulher quanto o amigo. As obras são diferentes devido as escolas literárias em que foram escritas Memórias de um sargento de milícias – Romantismo- e Alves & Cia- realismo. Porém a pesar disso ambas as obras podem ser uma critica a sociedade.
Podemos concluir que após realizar a análise do quadro, pode-se identificar, não só diferenças como também semelhanças no que diz respeito a critica em relação a postura da sociedade.
Em relação as diferenças, essas são gritantes em ambos os personagens. Primeiramente Leonardo, personagem protagonista da obra de Manuel Antonio de Almeida da obra Memórias de um Sargento de milícias, é o personagem claramente categorizado e classificado por Antonio Candido como o anti-heroi, suas ações são realizadas com certo interesse e se aproxima de alguns personagens somente com interesse, usa da esperteza, não se importa com o que a sociedade diz. Diferente de Leonardo, Godofredo tem uma preocupação em relação a tudo que dizem sobre sim, porém como Leonardo devido a seus próprios interesses, no caso não perder a empresa e fazer com que seus negócios sofram uma queda, esquece o adultério e perdoa tanto a mulher quanto o amigo. As obras são diferentes devido as escolas literárias em que foram escritas Memórias de um sargento de milícias – Romantismo- e Alves & Cia- realismo.
REFERÊNCIAS
Almeida, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
Editora Valer, 2010. Manaus.
Queirós, Eça. Alves & Cia. Porto Alegre. L&PM Pocket, 2008.
CANDIDO, Antonio. "Dialética da Malandragem". In: ____ O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993. <www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/leitura/DIALETICA_MALANDRAGEM.rtf>
[1] Graduando do Curso de: Letras Português da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
[2] Graduando do Curso de: Letras Português da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
[3] Prof. Dr. Marcelo Franz que irá ministrar as disciplinas de Literatura Brasileira e Portuguesa