ALEXANDRA KOLLONTAI: O COMUNISMO E A FAMÍLIA
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Por: Nathália G.
02 de Setembro de 2016

ALEXANDRA KOLLONTAI: O COMUNISMO E A FAMÍLIA

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ALEXANDRA KOLLONTAI: O COMUNISMO E A FAMÍLIA

 

Nathália Góes de Santana1

RESUMO: No ensaio O Comunismo e a Família, Alexandra Kollontai aborda as modificações e a facilidade que a mulher trabalhadora adquiriu. Com todas essas facilidades e as revoluções do século XX, muitas mulheres estavam se perguntando como ficaria a questão da família quando o comunismo fosse alcançado.

PALAVRAS-CHAVE: Comunismo, família, igualdade, filhos

 

  1. INTRODUÇÃO

Escrito em 1920, o Comunismo e a Família trata da emancipação que a mulher estava conseguindo, especialmente a mulher trabalhadora, sobre as relações com seus parceiros, os homens.

Com o direito ao divórcio alcançado para todos, as mulheres trabalhadoras, e não mais apenas as mulheres ricas, começaram a ter facilidade para conseguir o divórcio e acabar com relacionamentos abusivos. A mulher já não era mais vista como nada e o homem como tudo, o cenário e a visão social estava modificando-se drasticamente.

Em meio a tantas mudanças e conquistas que as mulheres, as relações e a forma como as famílias eram vistas começaram a se transformar dia após dia, nas palavras de Alexandra Kollontai: “Não há nenhuma razão para nos enganarmos: a família normal dos tempos passados na qual o homem era tudo e a mulher era nada -posto que não tinha vontade própria, nem tempo do qual dispor livremente-, este tipo de família sofre modificações dia a dia, e atualmente é quase uma coisa do passado, o qual não deve nos assustar.”

 

  1. AS MUDANÇAS DO QUE É FAMÍLIA EM DIFERENTES ÉPOCAS E LUGARES

A família não foi sempre a mesma, em alguns lugares homens podem casar-se com mais de uma mulher, em algumas aldeias, Alexandra Kollontai cita que mulheres também podiam casar-se com mais de um homem, existiriam famílias que tinham como lei maior a mulher anciã, a família patriarcal tinha como maior autoridade o pai, de onde vinha o sustento e as regras a serem seguidas na casa, o tipo de família patriarcal perdura até os dias de hoje, especialmente em campos e lugares mais afastados. A família que temos hoje em dia, a operária, diferente da camponesa, é composta por homens e mulheres trabalhadoras, onde a mulher já não é vista como nada, dela é possível tirar o sustento da família, com a conquista de direitos também tornou-se possível o divórcio, entre outras coisas.

A composição familiar sempre mudou de acordo com a época e os costumes, não há motivos para temermos que ela modifique-se novamente. A família de hoje já não é a mesma que era há 50 anos.

 

  1. O CAPITALISMO E A JORNADA DUPLA DA MULHER

Sob a análise de Alexandra Kollontai, o capitalismo destruiu a família, pois com a grande expansão do trabalho assalariado para a mulher e a remuneração insuficiente do homem para sustentar o lar, fez-se necessário que cada vez mais as mulheres ocupassem lugares nas fábricas, o que impactou diretamente a família clássica como era conhecida pouco antes dos anos 20, que Kollontai menciona.

Com os homens e as mulheres trabalhadoras fora de casa a maior parte das 24h do dia, mas sem que houvesse uma mudança de costumes na sociedade que deixasse o destinar os afazeres domésticos e a responsabilidade do lar à mulher, veio a dupla jornada, onde a mulher passa o dia trabalhando fora de casa e ao chegar, diferente do homem, ela deve limpar, passar, fazer comida aos filhos, entre coisas coisas.

 

"Como o salário do homem, a base do sustento da família, era insuficiente para cobrir as necessidades da mesma, a mulher se viu obrigada a procurar trabalho remunerado; a mãe teve que ir também à porta da fábrica. Ano a ano, dia a dia, foi crescendo o número de mulheres pertencentes à classe trabalhadora que abandonavam suas casas para engrossar as fileiras das fábricas, trabalhando como operárias, dependientas, oficinistas, lavadeiras ou empregadas.

(…)

A mulher casada, a mãe que é operária, sua sangue para cumprir com três tarefas que pesam ao mesmo tempo sobre ela: dispor das horas necessárias para o trabalho, o mesmo que faz seu marido, em alguma indústria ou estabelecimento comercial; dedicar-se depois, da melhor forma possível, aos afazêres domésticos e, por último, cuidar de seus filhos.

O capitalismo carregou para sobre os ombros da mulher trabalhadora um que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de seus cuidados de dona de casa e mãe."

Em tempos diferentes, a mulher cuidava dos afazeres domésticos e cuidava dos filhos, mas agora mulher já não tem apenas essas obrigações, ela precisa também trabalhar, mas como cuidar dos filhos e da casa passando a maior parte do dia fora de casa?

 

"Hoje em dia, desde as primeiras horas da manhã, até soar a sirene da fábrica, a mulher trabalhadora corre apressada para chegar a seu trabalho; à noite, de novo, ao soar a sirene, volta correndo à casa para preparar a sopa e cuidar dos afazeres domésticos indispensáveis. Na manhã seguinte, depois de breves horas de sono, começa novamente para a mulher sua pesada carga."

 

A forma familiar antiga era um obstáculo ao sistema capitalista, pois a mulher produz muito mais na fábrica do que apenas em casa, cuidando dos filhos. A família torna-se cada vez menos necessária, tendo em vista que o todo sólido que a compunha tinha como bases o homem que trazia o sustento, a mulher que cuidava do lar e os filhos que eram educados pelos pais. Atualmente, no sistema capitalista, a família já não é necessária nem aos membros que a compõem, nem ao Estado.

 

  1. A FAMÍLIA PARA A CLASSE TRABALHADORA E O TRABALHO DO LAR

 

O marido deixou de ser o único sustento da família, com a mulher trabalhando também, nesse sentido ela passa a ser igual ao homem, apesar da criação dos filhos caber a ela, quando ainda são pequenos.

Em outros tempos, a mulher empenhava-se apenas do trabalho do lar, nem ao menos sabia o que acontecia do lado de fora da casa e muitas vezes não queria sabê-lo. Dentro do lar, por outro lado, tinha diversas funções, que eram necessárias para toda a família e também para o Estado manter-se tal como ele era.

Além de todos os afazeres que as mulheres de hoje em dia fazem, tal como passar, limpar, cozinhar, lavar, ainda havia funções que atualmente desconhecemos, pois a mulher daquela época: “manipulava a lã e o linho, tecia as telas e os adornos e se dedicava, na medida das possibilidades familiares, às tarefas de conservação de carnes e demais alimentos; destilava as bebidas da família e inclusive modelava velas para a casa”. E lar não se mantinha apenas com o sustento trazido pelo homem, era extremamente necessário que a mulher desempenhasse o trabalho doméstico.

As mulheres trabalhadoras de grandes cidades ou de lugares industriais já não têm noção há muito tempo dessas funções. O trabalho doméstico como existia já não faz mais parte da realidade atual, ele não é mais necessário, nem para para o bem-estar da mulher, nem para o bem-estar dos membros da família.

Com as modificações do capitalismo, tempo passou a ser dinheiro, as mulheres casadas da classe trabalhadora já não têm energia e disposição para desempenhar todos os trabalhos domésticos, sem contar no tempo para fazê-lo. O que era feito por mulheres dona de casa, atualmente podemos encontrar no trabalho comum de outros homens e mulheres trabalhadoras. É possível comprar comida feita ao lado de casa, mesmo que em uma qualidade inferior a que é feita no lar.

O trabalho doméstico deixou de ser crucial para que a família viva bem, agora podemos consumir sem produzir. Mesmo que a mulher trabalhadora ainda tenha funções tal como limpeza, cozinha, lavar a roupa, cuidar dos filhos, etc., que esgotam ainda mais a energia e acarretam na dupla jornada, o trabalho doméstico já não é feito como era antigamente. Por não contribuir para o avanço econômico do país estavam fadados a deixar de existir e, atualmente, é muito difícil encontrar uma mulher que além de trabalhar fora de casa, ainda desempenhe funções como as nossas avós ou avós de nossas avós desempenhavam, como em “todas as manhãs haveria tirar a poeira da cômoda; o marido viria com vontade de jantar a noite e seus filhos voltariam sempre pra casa com os sapatos cheios de barro... O trabalho da dona de casa tem a cada dia menos utilidade, é cada vez mais improdutivo.”

 

 

5. TRABALHO COLETIVO, CRIAÇÃO DOS FILHOS NO SISTEMA CAPITALISTA E NO COMUNISTA

 

O trabalho individual da mulher no lar está desaparecendo gradualmente, pouco a pouco ele vem sendo substituído pelo trabalho coletivo, com a mulher, o homem e os filhos, e futuramente já não será mais nem função das mulheres ou dos membros da família.

Em uma sociedade comunista, existiria, segundo Alexandra Kollontai, uma categoria de trabalhadores e trabalhadoras, cuja função será unicamente desempenhar esses trabalhos para a comunidade, livrando, assim, a dupla jornada que a mulher trabalhadora desempenha, na maioria das vezes sozinha, até os dias de hoje.

Na antiga Rússia Soviética, Kollontai afirma que “a vida da mulher trabalhadora deve estar rodeada das mesmas comodidades, a mesma limpeza, a mesma higiene, a mesma beleza que até agora constituía o ambiente das mulheres pertencentes às classes endinheiradas. Em uma sociedade comunista a mulher trabalhadora não terá que passar suas escassas horas de descanso na cozinha, porque nela existiriam restaurantes públicos e cozinhas centrais nos quais poderá comer todo mundo.” e podemos atualmente diversos estabelecimentos, mesmo que não sejam públicos, que facilitam a vida da classe mais pobre.

Na sociedade comunista, afazeres como lavar, passar cozinhar, entre outros, será função de uma categoria especial, que após fazê-los estará livre para o lazer e descanso, tal como os outros trabalhadores e trabalhadoras.

O que sobraria como carga a mais para a mulher trabalhadora quando as funções do lar não forem desempenhadas por ela? A criação dos filhos ainda seria um problema, pois quando são pequenos necessitam de atenção voltada a eles para que consigam se desenvolver.

No sistema capitalista, podemos ver que não é mais função dos pais educar os filhos, isso foi demandado às escolas primárias, fundamentais, secundaristas e universidade. Quando os filhos entram na idade escolas, os pais já não têm mais a mesma obrigação para com eles, “todavia subsistia a obrigação de alimentar o filho, calçar-lhe, vestir-lhe, convertê-lo em operário direito e honesto para que, com o tempo, pude-se sobreviver por contra própria e ajudar seus pais quando estes se tornassem velhos.”

Porém, o salário dos proletariados muitas vezes sequer dá para alimentar os filhos de forma adequada, a jornada de trabalho que os deixa fora de casa na maior parte do tempo faz com que sejam pais mais ausentes e, assim, não participem tanto da vida do filho. Kollontai diz que “mais justo seria dizer que é na rua onde se criam os filhos do proletariado. Os filhos da classe trabalhadora desconhecem as satisfações da vida familiar, prazeres dos quais participamos nós com nossos pais.”

Sob o sistema capitalista, muitas vezes as crianças viam-se obrigadas a começar a trabalhar, tornando-se independentes, anteriormente de forma legalizada, atualmente à margem da sociedade, tendo em vista que o trabalho infantil é proibido. Com os filhos desde cedo tendo sua própria remuneração, é natural que com o passar do tempo deixem de ouvir tanto os filhos e passem a fazer muitas coisas por conta própria, a obediência acaba e a instrução no seio familiar não tem mais tanta força assim.

Com os trabalhos domésticos cada vez menos frequentes, os filhos dos proletariados, no sistema capitalista, ainda são vistos como uma carga difícil de suportar. A jornada exaustiva no trabalho e a criação deles fica quase insuportável.

Em uma sociedade comunista, a criação dos filhos muda de forma radical, na Rússia Soviética existia, por exemplos, casas para as crianças mesmo na fase de amamentação, assim como creches, jardins da infâncias, lares para crianças, posto de saúde, enfermarias, restaurantes, refeitórios em todas as escolas, livros para estudos gratuitos, roupas e calçados nos próprios lugares de ensino, etc. A criação da criança deixa de ser uma obrigação dos pais e passa a ser da coletividade.

Com exceção dos cuidados que um bebê recém-nascido necessita, a mãe trabalhadora já não terá mais que se preocupar com a criação do filho. O Estado comunista deve sair favorável às mães, e afirma Alexandra Kollontai que, mesmo sendo mães solteiras, terão acesso a todos os direitos para cuidar de seu filho em fase inicial de amamentação, com a subsistência garantida pelo Estado e após isso terá lugares onde deixá-lo seguro, podendo trabalhar e cumprir sua função de mãe. Na época em que o livro foi escrito, uma mãe solteira ter os mesmos acessos e garantias que uma mãe casada era um grande avanço, já que até nos dias de hoje vimos as dificuldades que uma mãe solteira passa.

 

 

6. O MATRIMÔNIO, A NOVA FAMÍLIA E A IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

 

Na sociedade comunista, os filhos não serão separados de suas mães, não há motivos para as mães operárias alarmarem-se. O que podemos ver que aconteceu na antiga Rússia Soviética, foi o rompido com a família desgastada, onde as mães eram sobrecarregadas e obrigadas a continuar em casamentos abusivos e destrutivos para elas.

As mulheres já não tinham mais as obrigações domésticas e os pais não precisam preocupar-se com a educação e criação do filhos, tal como era anteriormente. O matrimônio deixou de ser uma cadeia para a classe trabalhadora e de tirar as chances de lazer e divertimentos que as mulheres e os homens poderiam vir a ter. Não tinha mais motivos para temer o matrimônio.

A família deixou de ser algo necessário para manter o Estado e também os filhos. A mulher já não precisava mais do marido para manter-se, nem precisava mais preocupar-se com a sorte que seu filho teria futuramente para arrumar um bom emprego e conseguir manter-se para, posteriormente, ajudar os pais na velhice. O Estado tomou para si todas essas responsabilidades que até os dias de hoje, sob o sistema capitalista, ainda nos preocupamos. Com isso, as novas relações começaram a forçar-se, nas palavras de Kollontai, “baseadas em uma união de afetos e camaradagem, em uma união de pessoas iguais na sociedade comunista, as duas livres, as duas independentes, as duas operárias. Não mais "servidão" doméstica para a mulher! Não mais desigualdade no seio da família!”

Assim, a mulher alcança a igualdade em relação ao homem na sociedade, não há mais servidão, muito menos relações desiguais. A sociedade, na análise de Kollontai sobre a Rússia Soviética, estava caminhando para algo mais justo e igual para todos.

 

 

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Livro O Comunismo e a Família foi escrito em 1920, Alexandra Kollontai escreveu-o para responder aos questionamentos de diversas mulheres trabalhadoras sobre como ficaria a família no comunista, pois, na época, este era um assunto que estava assombrando-as.

Podemos ver a idealização de Kollontai frente às mudanças que estavam ocorrendo e as facilidades que a mulher trabalhadora estava adquirindo, pois a maioria dos direitos, como o divórcio, por exemplo, era garantia apenas para as mulheres ricas, já as mulheres proletariadas muitas vezes tinham que esperar até por anos para conseguir divorciar-se de um marido alcóolatra ou agressivo.

Sob a perspectiva de Kollontai, a família no Estado Comunista, seria algo mais voltado para os laços mais puros verdadeiros, já que todas as outras obrigações e a relação que temos, mesmo que de forma mais amena, até hoje deixariam de existir.

 

 

8. REFERÊNCIAS

 

KOLLONTAI, ALEXANDRA. O Comunismo e a Família. Marxists, 1ª edição, Marxists Internet Archive, 2002. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1920/mes/com_fam.htm >. Acesso em 31 de julho de 2016.

1 Graduanda em Licenciatura do curso de Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas – Contato: nathalia.goes@ufpel.edu.br. Artigo apresentado para a Disciplina A Ética e a Filosofia Política a partir das mulheres da filosofia, ministrada pela Prof. Dr. Flávia Carvalho Chagas – contato: flaviafilosofiaufpel@gmail.com

 

Nathália G.
Nathália G.
São Paulo / SP
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Graduação: Llicenciatura em Filosofia (Universidade Federal de Pelotas)
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Professor de Filosofia, Sociologia, Política, História e Antropologia Básica. Currículo lattes em http://lattes.cnpq.br/6917916299284881

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