Estima-se que desperdiçamos, no Brasil, cerca de 40% dos alimentos que produzimos, segundo dados da iniciativa Save Food Brasil. Isso significa um custo de mais de 700 bilhões de reais anuais!
Além de hábitos de consumo mais sustentáveis e uma rede de distribuição mais eficiente, uma solução possível para esse problema é fazer com que os alimentos sejam mais duráveis. O uso de conservantes é prática comum nesse sentido, entretanto, além dos impactos à saúde (que, aliás, ainda são pouco estudados), em alguns alimentos como frutas e legumes já colhidos o uso de tais produtos é inviável.
Muitos países já encontraram uma solução para este problema. Sabe o que é feito nos alimentos para que durem mais?
Utiliza-se radiação de alta energia!
Você sabia disso?
Dá uma olhada na Figura 1. Ela ilustra uma comparação entre alimentos que passaram por esse procedimento e alimentos que não passaram.
Antes de explicar o processo pelo qual vegetais são irradiados para aumentar sua capacidade de resistir à senescência, deixe-me esclarecer o que significa radiação.
Como o termo sugere, radiação significa a emissão de energia. Essa emissão pode ser via partículas ou exclusivamente propagação de energia, em forma de onda eletromagnética.
No caso da emissão corpuscular, observa-se uma forte interação atômica que depende, por óbvio, da energia da partícula. As radiações alfa e beta são alguns dos exemplos de emissão de partículas. Como são partículas, suas velocidades são relativamente baixas se comparadas a velocidade da luz, em geral.
Já quanto às emissões na forma de ondas eletromagnéticas, a interação só é forte com corpos que possuem um tamanho comparável a seu comprimento de onda (a distância entre dois pontos repetidos de uma onda), vide Figura 2. Alguns autores, inclusive, preferem chamá-las de irradiação, para diferenciá-las das emissões corpusculares. Esse tipo de emissão está relacionada com o movimento de cargas elétricas. Raios X, raios gama, ondas de rádio, microondas e a própria luz visível são alguns exemplos desse tipo de radiação. Como são ondas eletromagnéticas, elas se propagam sempre à velocidade da luz.
Em síntese, as radiações corpusculares interagem com todo o tipo de partícula (algo semelhante à interação entre bolas de sinuca) enquanto que as radiações eletromagnéticas (ou irradiações) interagem apenas com partículas que tenham um tamanho comparável a seu comprimento de onda. Entendido?
Agora que você entende melhor o que significa radiação, vamos ao que te interessa.
Não é de hoje que se usa radiação eletromagnética para fazer com que os alimentos durem mais.
Desde a antiguidade usa-se a radiação solar para preservar carne por mais tempo.
Conhece carne de sol? Então! A luz que o Sol emite é radiação eletromagnética e tem exatamente a mesma natureza que a radiação gama, por exemplo.
A patente de uso da radiação gama para esse fim é de 1929, nos Estados Unidos. No entanto, o uso de radiação de alta frequência (também chamada de radiação de alta energia) para irradiar alimentos em larga escala só começou após a segunda guerra mundial.
A fonte de radiação gama mais comum é o isótopo 60 do Cobalto. Esse isótopo é produzido bombardeando com nêutrons o 59-Cobalto que não é radioativo, o que produz um isótopo instável.
Dentre as principais vantagens de expor alimentos à radiação gama está o controle de patógenos e pragas. Isso garante uma maior resistência a senescência (apodrecimento).
A radiação gama causa danos permanentes ao DNA da maior parte dos microorganismos mais comumente encontrados nos alimentos de origem vegetal ou animal. Ao fazer isso, impossibilita-se a propagação desses agentes.
Outro mecanismo pelo qual microrganismos indesejáveis são eliminados é pelo ambiente insalubre produzido pela radiação. Nesse caso, os raios gama interagem com a água (principal componente desse tipo de produto) produzindo diversos radicais e espécies químicas muito reativas. Essas espécies então interagem com os microrganismos, direta ou indiretamente, produzindo um ambiente no qual é inviável a existência de tais organismos. É importante ressaltar que esses processos não são capazes de inativar todas as bactérias presentes nos alimentos, apesar de serem bastante eficientes no controle delas. Para pragas, em geral, pode-se dizer o mesmo. Os fungos apresentam resistência maior à radiação, dependendo da espécie, enquanto que os vírus são altamente resistentes à radiação gama.
Nem tudo são flores (ou frutas… he he he) e, claro, há alguns riscos e desvantagens associados ao uso de radiação gama para conservação de alimentos.
Antes um alerta: irradiar alimentos não trás riscos de contaminação por radiação! Fique tranquilo em relação a isso. Alimentos irradiados podem ser consumidos praticamente imediatamente após serem expostos! O decaimento da radiação absorvida é exponencial e leva apenas alguns microssegundos até o alimento voltar ao estado energético anterior. Por isso, a Comissão do Codex Alimentarius autoriza, para pesquisas, o uso de radiação ionizante com qualquer energia para atingir o resultado almejado. Isto porque não há, comprovadamente, nenhum risco de contaminação radioativa por emissão de radiação de alta frequência, não importando a dosimetria utilizada.
A radiação gama é capaz de decompor diversas substâncias químicas, como a água por exemplo. Esse processo é conhecido como radiólise e gera efeitos primários e secundários.
O efeito primário é a decomposição em si, em outras palavras, a criação de novas espécies químicas originárias do composto irradiado.
Os efeitos secundários são as interações das espécies decompostas entre elas mesmas ou entre outras espécies presentes no sistema.
No caso da irradiação de alimentos, o composto mais irradiado, em geral, é a água. Acontece que a decomposição do H20 por radiólise forma radicais livres que são capazes de sequestrar vitaminas e nutrientes, fazendo assim com que o alimento seja menos nutritivo.
Pode acontecer também, em menor grau, a desnaturação proteica em produtos de origem animal. Esses efeitos podem acabar produzindo uma alteração nas propriedades organolépticas (sabor, odor etc) dos alimentos. Por essas razões sempre é levado em conta a dose da radiação e a quantidade de água do produto exposto.
Existe legislação específica para esse tipo de atividade no Brasil. Ela é baseado nos inúmeros estudos sobre os efeitos desse tipo de irradiação em alimentos. Ela indica, por exemplo, que irradiação de alta energia não pode ter doses maiores que aqueles que alteram as propriedades dos alimentos e não deve substituir as boas práticas estabelecidas. Além disso, nos rótulos dos alimentos irradiados deve sempre constar escrito: “Alimento tratado por processos de irradiação”. Mesmo que apenas um ingrediente do alimento foi irradiado, isso, ainda assim, deve ser informado.
Embora tenhamos uma legislação específica para o uso de irradiação de alimentos no Brasil, esta prática ainda é pouco comum. Segundo Patricia Wieland e colaboradores: “Apesar dos incentivos governamentais e do mercado produtor agrícola crescente, o Brasil ainda não entrou no seleto clube dos exportadores de produtos agrícolas tropicais tratados com radiação.”
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