A arte do Jornalismo
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Por: Maria F.
24 de Agosto de 2017

A arte do Jornalismo

Jornalismo

A quem serve a arte? Em um primeiro momento, esta indagação pode partir do princípio de que todo gesto artístico surge de uma pergunta – ou de uma percepção particular – lançada às coisas, objetos ou situações, aos quais denominamos de real. O Jornalismo, como expressão das novidades transformadas em notícias endereçadas ao povo por meio da palavra (oral ou escrita), torna-se partícipe da arte à medida que o compreendemos além de seu caráter informativo, envolvido não apenas com a investigação de acontecimentos e a construção de conteúdos, opiniões e interpretações de domínio público. Jornalismo é, também, um ato de observação, capaz de re(conduzir) o homem ao conhecimento da realidade e das percepções de mundo mais e menos imediatas.

A esta interrogativa, devem-se ideias esclarecedoras no que diz respeito à recepção aos assuntos da arte: ora como artigo de luxo, alcançável apenas a uma ínfima parcela de cultos a distinguir-se das mentes coletivas do homem comum; ora, como leitura de distração ou informes de diversão; ora, como ornamento; portanto, secundário e dispensável diante do jornalismo factual, visto como peça-chave da indústria da informação.

Há um caminho de privilégios aos fatos de todo dia, envolvidos na busca incessante pelo imediatismo em que ocorrem, o que provoca a eclosão de um quadro noticioso cada vez mais superficial e fugaz, endossado pelo gosto massificado pelas short story (ou histórias curtas) e por um culto às produções breves, propícias a leituras igualmente condensadas.

Nesse sentido, as notícias culturais – com publicações estabelecidas nos segundos cadernos, no caso dos jornais impressos, e nos inúmeros espaços digitais disponíveis a sua publicização (blogs, sites, vídeos comentados, bookstubers etc) seguem, na maioria das vezes, à míngua de juízos críticos especializados ou bem aprimorados. Seguindo as palavras de Mário Villas Boas, o que se vê é uma incompletude melancólica na cobertura do fato artístico/cultural, “frente às inúmeras possibilidades descortinadas antes de a primeira capitular ser aposta”.

Quando se trata de lidar com e a serviço da cultura, há um círculo vicioso de observação, marcado por uma desatenção às camadas mais íntimas dos acontecimentos, eventos ou objetos de arte. Um jornalismo pensado aos moldes da arte deve servir às ideias, à reflexão, ao pensamento crítico, recusando-se a assumir-se apenas como vitrine de promoção à diversão e ao entretenimento. Deve envolver-se com o contexto sobre o qual toda e qualquer obra – e seu criador – se veem envolvidos diante da criação, contrariando um certo reducionismo e afastando-se do lugar-comum.

Contrariar o reducionismo na divulgação das artes é fugir de sua orientação apenas como agenda de diversão, por meio de informes superficiais e acríticos. É fugir do endosso a produtos culturalmente massificados, dirigindo-se também aos anônimos e às peças de arte muitas vezes escondidas nas camadas menos favorecidas, à espera de serem dessacralizadas por seu reconhecimento público; é buscar expressão na livre criação narrativa, sem comprometer a veracidade dos dados obtidos por meio de fontes documentais, do faro observador do repórter e dos relatos dos entrevistados.

Essa transcendência perceptiva da publicização da arte como mero entretenimento abre brechas à construção de uma relação entre jornalismo e cultura, antes de tudo, como um gesto textual artístico. Artístico porque lida com a arte como viés fundante a sua existência e por seu dever de falar à coletividade de maneira singular (o que não implica em rebuscamentos ou floreamentos textuais). Informativo por estar diante de um acontecimento real, factível, verificável e observável, portanto, merecedor da tomada de consciência da sociedade. Esse deve ser o compromisso maior dos aspirantes a essa especialidade do jornalismo.

A vocação do jornalismo cultural, como de qualquer outra prática jornalística dita especializada, deve ir sempre ao encontro de seus propósitos e intenções, ou seja, de sua essência maior. Evidentemente, que é sempre salutar buscar o conhecimento sobre sua gênese e seus principais protagonistas no Brasil e mundo afora. Para isso há leituras fundamentais aos interessados no tema, vistas como verdadeiras cartilhas de acesso aos pontos de origem desse tipo de jornalismo desde os primórdios até os mais modernos recursos e plataformas a sua produção.

Pensar o Jornalismo como arte – arte da escrita e arte da informação – é constituí-lo como uma proposta de mensagem cujo bem maior é favorecer a conexão entre aquele que fala ou escreve (o jornalista) e aquele que lê, ouve ou vê (o leitor, ouvinte ou espectador), com o propósito de torná-lo participante da notícia em curso. Nesse sentido, o texto criativo com perspectivas informativas (como é o caso dos discursos jornalísticos) assume um sentido artístico-literário, cuja interação com o receptor é favorecida por um conceito de criação que se dissocia dos termos ficção, imaginário e verossimilhança.

No campo jornalístico, criação traduz-se na maneira particular com que o repórter estrutura as ideias durante o processo de escrita do conteúdo do tema a ser noticiado, ao fazer uso de critérios estilísticos da linguagem (que não devem ser associados com hermetismos nem com rebuscamentos vocabulares) tanto quanto da estética da pauta na observação dos fatos. Assim, o texto jornalístico se constrói a partir de um envolvimento bastante significativo com a literatura, com as artes e com a cultura de um modo geral, assumindo sua vocação como obra de arte acessível à identidade e à memória coletivas. Assumindo-se como uma arte.  A arte do Jornalismo.

 

REFERÊNCIAS:

 

BALLERINI, Franthiesco. Jornalismo cultural no século 21. São Paulo: Summus, 2015.

BORGES, Rogério. Jornalismo literário: Teoria e análise. Florianópolis: Editora insular, 2013.

LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. São Paulo: editora Ática, 1986.

 

 

 

 

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