A importância da escolha
em 11 de Junho de 2016
Eu tinha como intenção escrever uma reflexão sobre a eudaimonia para Aristóteles, mas ao ler a Ética a Nicômaco me deparei com uma ideia que me pareceu mais importante e mais “útil” (a utilidade dos meus escritos não é o que me move a escrever, mas apenas o gosto de compartilhar meus pensamentos) para a época em que vivemos. Poderá dizer-se que Aristóteles viveu há milênios atrás, mas afirmo categoricamente que suas discussões e ideias continuam muitos atuais.
Para Aristóteles o fim último do homem é a eudaimonia, a felicidade. Para chegar a essa felicidade ele descreve o caminho a ser percorrido em suas obras, Ética a Nicômaco e Política, e esse caminho pode ser resumido no viver bem e na prática da virtude. A virtude é adquirida pelo bem agir, pela sensatez (também conhecido por meio-termo, vou utilizar o termo empregado por António de Castro Caeiro em sua tradução da Ética a Nicômaco) nas ações. Essas ações estão ligadas diretamente a polis, á convivência social da qual, diz Aristóteles, ele necessita. Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, professor da Universidade de São Paulo, afirma em uma introdução à Ética a Nicômaco que, “todo o pensamento ético em Aristóteles é ao mesmo tempo político e jurídico”. Então o agir bem de Aristóteles está intimamente ligado à socialização da qual o homem necessita e da realização pessoal vivendo virtuosamente.
Para chegar ao ponto de meu desejo necessita-se recorrer ao estudo da alma que Aristóteles faz e sua divisão. Ele divide a alma em três diferentes partes, a alma vegetativa, a sensitiva e a racional. As duas primeiras partes (vegetativa e sensitiva) compõem a parte irracional da alma; a vegetativa é comum a todos os seres vivos e é responsável pela nutrição, reprodução e crescimento; a sensitiva está presente em todos os animais e no homem, é responsável pelas sensações, desejos e movimentos; a racional está presente somente no homem e é a parte racional da alma. O agir do homem é determinado pela tensão entres as partes racional e irracional. Nuno Manuel ainda dirá em sua introdução: “Todo movimento do ser vivo deriva do desejo, da faculdade apetitiva”. É esse movimento que leva ao agir, ação que se baseia toda a vida ética.
Giovanni Reale, em seu livro sobre a História da Filosofia, diz que “o intelecto vem de fora e só ele é divino”. Em relação a isso Nuno irá fazer a seguinte consideração: “A parte racional da alma é o que há de divino no humano, é o que o homem tem em comum com deus.”. Portanto, o homem é um ser situado entre o animal e o divino.
O humano é um ente que caminha do animal para o divino, pois ele procura se realizar na faculdade que lhe é própria, raciocinar. “A realização do humano será o progredir na direção da sua melhor possibilidade, na realização em si de sua melhor parte, sua alma divina. É caminhar na direção da divindade; nesse caminhar consiste a felicidade.” (In: ARISTÓTELES, 2009, p. 8).
Tudo isso foi a base para que se possa compreender o que quero propor nessa reflexão. Para dar início propriamente a minha ideia quero fazer mais uma citação do Nuno que está presente no mesmo livro:
“O desejo deve acostumar-se a obedecer aos ditames (conselhos) da razão, até mesmo ao ponto de poder considerar-se uma parte passiva da alma racional [...]; ao mesmo tempo, as afecções devem ser reconduzidas ao seu devido lugar e podem mesmo ser reeducadas ao ponto de o homem conformar o seu próprio sentir – mas não poderão nunca deixar de marcar o homem.”
Agora se olharmos para a realidade em que vivemos pode-se notar um retorno ao animalesco. O humano invés de procurar se voltar para a capacidade racional está voltando-se apenas para a sensitiva, a dos desejos. Uma sociedade que se gloria tanto de seus avanços científico-tecnológicos encontra-se, atualmente, escrava de seus desejos.
Darwin formulou a Teoria da Evolução que o homem preza tanto, mas o que se vê não é evolução e sim um retrocesso. Um retrocesso instintivo, onde a parte da alma (segundo Aristóteles) nós temos em comum com os animais está dominando a racional, que é a parte que nos faz humanos.
A busca do prazer pelo prazer, a satisfação imediata, a sexualidade exacerbada e idolatrada, a busca da felicidade em coisas efêmeras. Tudo isso é um retrocesso ao animal. Mas ainda falta citar um ponto que Aristóteles vê como base do bem agir, a sensatez. Não existem mais limites, não existe mais equilíbrio, muito menos a moderação. O que se vive é uma vida limite, tudo deve ser vivido até o limite, não importando as consequências posteriores e a quem atinja. O homem contemporâneo necessita de socialização, para se realizar também como pregava Aristóteles, mas de uma maneira diferente. Para ele o homem se socializava para a troca de experiência e a busca do agir bem e da virtude, agora se vê apenas a competição, a busca pela superioridade, a utilização dos outros apenas como instrumentos.
Finalmente eu gostaria de fazer uma exortação, voltemos a olhar para a tradição, voltemos a olhar o que os antigos e a história nos dizem. Procuremos de fato a felicidade no que verdadeiramente vale a pena. Procuremos realizar-nos como um ente dotado da razão, de uma parte divina, e nos voltemos para ela. “A ética surge nessa tensão constitutiva do humano, e todo o seu programa consiste em elevar o homem da brutalidade em direção à divindade, o que se confunde com a realização de si mesmo (ou com a realização de si como o melhor de si mesmo), na sua dimensão mais própria, como ser racional.” (In: ARISTÓTELES, 2009, p. 8).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. António de Castro Caeiro (trad). São Paulo: Atlas, 2009.