Das coisas humanas: ética e política
Por: Paulo S.
31 de Julho de 2023

Das coisas humanas: ética e política

Resenha sobre a ética e a política em Aristóteles e São Tomás de Aquino, a partir da obra ‘A política em Aristóteles e Santo Tomás’.

Filosofia Ética Política

O propósito do conhecimento da ética e da política, no pensamento de Aristóteles visa influenciar de fato no comportamento das pessoas, não se trata de um mero saber (MARTÍNEZ BARRERA, 2018). Isso implica em que a cientificidade da ética e política devem estar comprometidas com a exigência essencial da vida humana, isto é, a resposta à pergunta: como posso vir a ser uma boa pessoa?

Nessa linha, Aristóteles estabelece uma diferença entre práxis e poiesis, e o saber virtuoso de cada uma, respectivamente, a phrónesis e a tekhne: “A distinção entre os dois usos da razão [...] é que o fim da poiesis é exterior à ação mesma pela qual é alcançado, enquanto o fim da práxis é a própria ação” (MARTÍNEZ BARRERA, 2018, p. 26).

A phrónesis aristotélica é um saber dos meios adequados à consecução dos fins, é o saber virtuoso da práxis, a virtude própria da faculdade de agir tendo por fim a ação. A phrónesis pode ser considerada também sinônimo de prudência, isto é, “capacidade de boa deliberação com respeito ao que é bom para uma vida feliz em sentido global, isto é, numa projeção temporal ampla” (ibid, p. 38).

No pensamento do Estagirita, há uma relação entre a vida contemplativa e vida ativa, tendo aquela primazia sobre esta, de forma que a felicidade é associada a um tipo de vida que é contraface da vida ativa. A relação entre as vidas contemplativa e ativa se evidenciam na atividade de governar, que deve ser exercida com “prudência e justiça, mas orientada para um fim diferente e superior” (ibid, p. 43).

A vida contemplativa é fundamento e norte para a vida ativa, no pensamento aristotélico. Essa orientação contém um requisito de ordem ética, o qual só é plenamente satisfeito na vida comunitária perfeita, e orienta ações do político. Evidencia-se assim uma relação entre o filósofo e o político, pois todo ser humano enquanto vocacionado para a verdade, necessita de um compromisso da política quanto às condições éticas de acesso à verdade.

No pensamento aristotélico, o fim último da vida humana é a felicidade, e para ela se ordenam a vida contemplativa e a ativa, bem como a vida em uma comunidade política (pólis). Um dos principais elementos para a felicidade é a virtude. E a aquisição do hábito virtuoso, em função da natureza civil do ser humano, é uma tarefa comum que compete a uma série de organizações comunitárias, especialmente a pólis (MARTÍNEZ BARRERA, 2018).

Neste ponto, Aristóteles destaca a lei como o instrumento mais perfeito de que a pólis dispõe para a formação ética, de tal forma que a lei faz ponte entre ética e política. Se a lei, especialmente a constitucional, deve formar o caráter dos cidadãos em certos hábitos, deve ser duradoura, assim como o regime que ela sustenta. Mas se tal regime for contrário ao fim ético a que deve estar orientado, não se deve proceder a uma medida radical, como uma revolução ou um golpe de Estado, mas a uma reforma, corrigindo os regimes desviados, pois o ensino da virtude se ressente muito mais com a manipulação da lei que com uma tolerância relativa com o regime injusto (MARTÍNEZ BARRERA, 2018).

Seguindo Aristóteles, o autor explicita ainda outros pontos de convergência entre lei, ética e educação: “[...] a lei constitucional é [...] uma questão de pedagogia moral pública [de forma que] uma associação só pode ser chamada política quando sua constituição manifesta publicamente a vontade de conformar uma comunidade eticamente orientada” (MARTÍNEZ BARRERA, 2018, p. 80).  

Nessa linha, ainda de acordo com o Estagirita, Martínez Barrera (2018) argumenta que a constituição é a forma da comunidade política, é a vida da cidade. A felicidade, nesse contexto, concebida como práxis ou atividade, é a questão central da política, ciência suprema da práxis, e é alcançável através da vida virtuosa, dirigida pela razão e com liberdade de ação, não só no sentido material ou físico, mas especialmente, no sentido espiritual.

Desta forma, a busca da dimensão política da ética deve ser constante, tendo em vista o caráter educativo dos legisladores, a quem compete elaborar as leis para a ordenação ética para a qual a comunidade está orientada. A preocupação com a virtude, com aspecto prático das ações humanas, com a ética, deve estar presente na pólis para que a comunidade política não se degenere em uma aliança e a lei em um convênio ou garantia do direito de uns em detrimento de outros (MARTÍNEZ BARRERA, 2018).

Apesar da tendência e inclinação natural à qual o ser humano e suas organizações estão sujeitos, em função da constituição ontológica humana, há sempre espaço para a liberdade e a ação, respaldadas pela reflexão racional que direciona a vontade, fonte do agir. Em convergência com estas afirmações, o autor destaca que, para a perfeição moral de um ato, não basta a obediência cega a um imperativo deôntico, mas é necessário que a reta razão seja própria e não de outrem, importando, na obra justa, a retidão da práxis de forma intencional (MARTÍNEZ BARRERA, 2018).

No que tange às coisas humanas em São Tomás de Aquino, afirma-se que, para este autor, há insuficiência teleológica da comunidade política quanto ao fim humano concreto. Martínez Barrera (2018) explica que, no contexto do Cristianismo, o fim último da lei humana não é somente a realização de um bem comum político, não havendo, porém, negação do valor das coisas intramundanas, mas estas subordinam-se a um fim último superior, de modo que a felicidade política não esgota as possibilidades de realização do ser humano.

Seguindo tal raciocínio, há relativa desconfiança de Santo Tomás de Aquino quanto à obtenção de uma ordem política que possa ser considerada perfeita, de modo que Santo Tomás explicita uma busca, na comunidade política, de fins transpolíticos: “A comunidade política não é um fim último e não constitui a última perfeição humana. Esta doutrina constitui uma impugnação a qualquer forma de totalitarismo e tirania, ainda que essa tirania esteja nas mãos de uma maioria” (MARTÍNEZ BARRERA, 2018, p. 152).

Uma das conclusões possíveis, a partir do pensamento de Santo Tomás sobre o ordenamento político é que os fins da pessoa são superiores ao do Estado: “Se o indivíduo é para o Estado, e o Estado para a pessoa [...], uma razão de alta política justificaria o aborto, o infanticídio e, em geral, o homicídio estatal. Mas, da perspectiva da pessoa, que vale mais que o Estado, esses crimes não seriam legítimos” (MARTÍNEZ BARRERA, 2018, p. 182).

A inclinação natural das ações humanas a um bem, que se consubstancia no Bem em si (Deus), segundo o pensamento cristão e sustentado filosoficamente por Santo Tomás de Aquino, implica em que os atos do ser humano não devem ser, sempre e necessariamente, meritórios ou demeritórios com relação à comunidade política, já que o ser humano não se ordena a ela de forma absoluta, mas sim a Deus (MARTÍNEZ BARRERA, 2018). Tais reflexões induzem a uma relação entre o ético, o político e o religioso.

A lei natural é a noção que permite compatibilização entre o ético e o religioso, mas enquanto para Aristóteles, a lei atua como nexo entre ética e política, em um plano horizontal, para São Tomás, a lei natural é um nexo entre ética / política e as coisas divinas (plano vertical); tal lei é uma participação intelectual do homem na natureza divina. A religião convém com o ato principal da justiça (dar a outro aquilo que lhe é devido): pela religião, dá-se a Deus o que Lhe é devido, nas medidas das possibilidades humanas; mas o que se deve a Deus não é apenas o culto litúrgico exterior, mas atos de virtude (MARTÍNEZ BARRERA, 2018).

A leitura da obra suscita reflexões sobre temáticas urgentes na atualidade: visto que os fins do ser humano não se esgotam no Estado, na pólis, mas são-lhe superiores, é necessário combater certos projetos de sociedades impostos por ideólogos, com pouca preocupação sobre a essência e fins últimos do ser humano. Pela mesma razão, dentre várias outras apresentadas na obra de Martínez Barrera e no pensamento aristotélico-tomista, é imperioso combater a absorção do ser humano pelo Estado ou por uma (anti)cultura que em determinado momento se torna hegemônica, se não visar os verdadeiros e nobres fins da pessoa humana.

MARTÍNEZ BARRERA, Jorge. A política em Aristóteles e Santo Tomás. Tradução e prefácio: Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2018. 262p. Tradução de: La política em Aristóteles y Santo Tomás de Aquino.

R$ 50 / h
Paulo S.
Uruaçu / GO
Paulo S.
4,7 (3 avaliações)
Horas de aulas particulares ministradas 7 horas de aula
Tarefas resolvidas 2 tarefas resolvidas
Identidade verificada
  • CPF verificado
  • E-mail verificado
1ª hora grátis
Filosofia no Ensino Médio Filosofia - Aulas Particulares Ética - Filosofia
Especialização: Educação Clássica (Faculdade Serra da Mesa)
Aumente seu desempenho em trabalhos acadêmicos, redação e interpretação; filosofia para ensino médio, filosofia do direito e ética.
Cadastre-se ou faça o login para comentar nessa publicação.

Confira artigos similares

Confira mais artigos sobre educação

+ ver todos os artigos

Encontre um professor particular

Busque, encontre e converse gratuitamente com professores particulares de todo o Brasil