Sobre democracia, uma breve história - Parte 1
Por: Rafael C.
26 de Setembro de 2019

Sobre democracia, uma breve história - Parte 1

Para começar a falar de democracia

História História Geral História do Brasil

Tenho a intensão de escrever algumas linhas aqui sobre democracia. Talvez isso consuma alguns “artigos”. Estudando um pouco sobre democracia, li a seguinte passagem de Bruno Reis: “De fato, os governos têm conseguido maiorias razoáveis e as decisões (pelo menos as mais cruciais para se manter a máquina operando no curto prazo) têm podido ser tomadas. Temos sido, nas últimas décadas, poupados de impasses dramáticos, de crises políticas com desfechos institucionais imprevisíveis e do recurso à força das armas para arbitragem de conflitos políticos”. [1] O autor escreve esse enxerto no ano de 2010. E ele tinha muita razão pra essa afirmação (que em parte ainda é verdadeira). 5 ou 6 anos depois podemos olhar para o Brasil e ver um cenário bem diferente. Desde a promulgação da Constituição de 1988 até hoje, um sistema político que era estável até a primeira década dos anos 2000, a jovem democracia brasileira sofre com insegurança de suas instituições democráticas. [2]

            Ao analisar a opinião pública, o que se pode notar é que existe um desconforto quanto ao modus operandi do nosso sistema político. Mas a partir de qual modelo de democracia o sistema político brasileiro se baseia? A resposta nua e crua a essa pergunta é: “democracia representativa, democracia burguesa. Um sistema com eleições periódicas, separação dos poderes, sufrágio universal, “governo das leis” (rule of Law), afirmação de direitos e garantias fundamentais (habeas corpus, livre manifestação do pensamento, liberdade de imprensa, liberdade de consciência religiosa etc.), garantia da propriedade privada, economia de mercado etc.

            Essa democracia tal como conhecemos tem forte influência dos pensadores políticos como Montesquieu e Locke, que são autores que servem de pilar para constituir a democracia moderna. O primeiro teve como importante contribuição o conceito de “freios e contrapesos”, a partir da separação dos poderes ou a equipotência:

 

a teoria dos poderes é conhecida como a separação dos poderes ou a equipotência. De acordo com essa versão, Montesquieu estabeleceria, como condição para o Estado de direito, a separação dos poderes executivos, legislativo e judiciário e a independência entre eles”.[3]

 

E o segundo tem importante contribuição quanto à questão da propriedade, a qual já existe no estado de natureza e, por ser uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo. Isto é, a terra é oferecida por Deus em comum à todos os homens, ao incorporar trabalho na matéria bruta, antes natural, aquele homem se torna, por direito, dono daquela propriedade:

 

É o trabalho humano, portanto, que atribui a maior parte do valor à terra, sem o qual dificilmente ela valeria alguma coisa; é a ele que devemos a maior parte de todos os produtos úteis da terra; por tudo isso a palha, farelo e pão desse acre de trigo valem mais do que o produto de um acre de terra igualmente boa, mas abandonada, sendo o valor daquele o efeito do trabalho.”[4]

 

            Esses dois últimos autores também sofrem influência de outros autores, como Hobbes, por exemplo. Mas o fato é que qualquer autor, quando escreve sobre modelos de governos, invariavelmente, remete-se aos gregos. E se forem escrever sobre democracia, remete-se, especificamente, à Atenas. Muito se deve à experiência que os homens viveram em Atenas, onde a democracia parece ter atingido plenitude aos seus cidadãos. Todo cidadão ateniense tinha direito político igualitário e podia verdadeiramente participar da vida pública e dos assuntos da polis. (MOSSÉ, 1985) Nesta Atenas, além dos arcontes, qualquer cidadão é senhor de suas leis e pode denunciar usurpações. A relação do cidadão com a cidade não é algo difuso ou impreciso. O cidadão participante da vida cultural, artística, produtiva, bélica da cidade era o mesmo que participava da Assembléia – a arena da palavra, onde se exerce a isergoria (direito de igual palavra). É o cidadão ligado absolutamente com a vida da cidade que vai à esfera política tratar das coisas públicas. É aos olhos dele que a democracia indireta parece uma limitação à isergoria. É na esfera propriamente política que Atenas declarou a igualdade do cidadão.[5] (GLOTZ, 1980)

            A democracia que conhecemos hoje se legitima, principalmente, a partir do sufrágio universal, da escolha popular no ato de votar. O argumento e a retórica de que o povo é soberano, de que é ele quem determina seus próprios governantes está presente em qualquer discurso dos estadistas e instituições de um país democrático. Mais do que isso, no caso do Brasil, isso é exposto na constituição. E assim, o espetáculo da democracia burguesa é apresenta aos seus cidadãos: as eleições.

            Pensar o processo eleitoral, portanto, passa a ser um exercício de grande importância para se entender os interesses de partidos políticos, pessoas e grandes empresas. Parece que nos dias de hoje, em que o sistema ou interesse econômico está cada vez mais presente em todos os campos das relações humanas, existe uma inversão das prioridades: adequar o sistema político ao sistema econômico ao invés de fazer do sistema político-econômico algo que traga largos benefícios aos cidadãos, como mostrou a experiência em Atenas. Acredita-se que hoje, portanto, o sistema político e econômico, democracia e capitalismo, respectivamente, geram conflitos que precisam de ajuste para resolvê-los.

            Dessa forma, Décio Saes tem razão ao afirmar sobre a democracia moderna:

 

forma de Estado em que a classe social exploradora (capitalista) logra, por predominar invariavelmente no Parlamento, formalmente aberto a todas as classes sociais, repartir com a burocracia de Estado a capacidade de definir e implementar a política de Estado. Também é, correlatamente, o regime político no qual a competição partidária com vistas à conquista do controle do Parlamento existe, mas é dominada invariavelmente pelos partidos políticos objetivamente comprometidos com a conservação do capitalismo.”[6]

 

[1] REIS, Bruno P. W. O Calcanhar de Aquiles: o financiamento das campanhas e o sistema político brasileiro. Estado de Minas, Belo Horizonte, 10 abr. 2010, MG, p. 7 – 9.

[2] Em 30 anos de democracia, passamos por dois processos de impichaman. Fatos como esses custam caro, claro.

[3]ALBUQUERQUE, Guilhon. Os clássicos da política, Ática, 2000. p. 119

[4] LOCKE, John. Two treatsises of civil government. In: WEFFORT, Francisco C.(org). Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática, 200o.

[5] Mulheres, metecos e escravos não eram considerados cidadãos e não tinham direitos políticos. Em porcentagem, apenas 10% da população eram considerados cidadãos.

[6]SAES, Décio. Democracia, Editora Ática, 1987. p. 87

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Graduação: História (Universidade de São Paulo (USP))
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