Lorca e o Multiculturalismo
em 25 de Julho de 2016
Os signos do poder na obra “El villano en su rincón”, de Lope de Vega.
Por Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior
UFF – Universidade Federal Fluminense
Julho de 2015
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar os signos do poder na obra de Lope de Vega El villano en su Rincón, através de uma análise semiológico e compreender a função dramática e os significados nas peças do adorno, vestuário, objetos e estilos da fala. Pensamos que ordenar numa série o modo como estes elementos são utilizados pela estratégia dramatúrgica, permite visualizar como o poder se manifesta, se representa, exerce seu domínio ou é contestado. Para isto usaremos a teoria semiológica consubstanciada na obra de Maria del Carmen Bobes Naves e outros teóricos de semiologia e teoria teatral.
Este signos tem sua funcionalidade no desenvolvimento da ação, dentro do plano diagético. Demonstrar que a ocorrência de palavras que assinalam ferramentas, vestimentas, ornamentos, são signos da semiologia teatral; pelos tais objetos e trajes da vida cotidiana a plateia reconhece os símbolos do poder e tem presa sua atenção à trama, assim, vamos relacionar a importância que estes signos de poder tem na ação dramática e no desenlace final da trama, como os signos do poder são marcas para introduzir, desenvolver e resolver a ação teatral, co-relacionando a ação dramática com os significantes a serem desvendados pelo público.
Palavras-chave: Lope de Vega, semiologia, signos, poder.
As vestes, os adornos, os utensílios do dia a dia, as ferramentas de trabalho são signos que demarcam espaços de semiologia na peça El Villano en su Rincón, de Lope de Vega, posicionando os personagens no desenvolvimento da ação. O lugar que estes signos aparecem na ação e que função desenvolvem na trama. Segundo Charles Peirce, citado em Pablo Bilsky1, “la semiosis es un proceso tripartito que involucra un objeto, un signo y un interpretante”, ainda segundo ele, qualquer coisa pode funcionar como signo em determinadas circunstância. No caso da obra, El Villano en su Rincón, nossa função aqui é analisar as condições desta transferência, e assinalar a funcionalidade do processo nesta obra teatral.
O signo estamental é o que dá visibilidade a uma determinada posição dentro de uma ordem social. Não é algo insignificantes, desde a roupa, até objetos como cetro ou armas, ele designa uma determinada posição, identificável nos chamados “corrales de comedia”, os teatros de Madrid do século XVII, e só funcionavam, porque aludiam a significados compreendidos por uma comunidade que entendia os signos deste código, próprio daqueles estamentos, alicerçados naquele inconsciente coletivo. No caso da obra “El Villano en su Rincón”, as marcas delimitam os espaços de mundos diferentes, como a corte e a vila, no primeiro está o Rey, símbolo não só da nobreza, mas da justiça e da reparação da ordem no teatro de Lope, no outro está Juan labrador, símbolo da vida idílica e pura, do vilão limpo de sangue e cristão velho.
Assim, os signos tem como função ser alegorias de técnicas e interesses na passagem deste mundo medieval para o mundo moderno, e transmissão de teses de caráter poético e de moral filosófica. No caso da obra El Villano en su Rincón, é o contraste entre o mundo idílico e a pureza pastoril de Juan Labrador, que chega a causar inveja no rey, que diz, se não fosse rey, queria ser Juan Labrador, e a centralidade do rey e da corte.
Como diz Pablo Bilsky: 2
“comprobamos que la circulación de marcas estamentales tiene una funcionalidade decisiva como agente de las acciones. El intenso movimiento de signos que se verifica en los parlamentos de los personajes se organiza en una doble sintáxis en la que es posible diferenciar dos circuitos distintos. Uno lícito, en el que las vestimentas, adornos, joyas y herramientas intervienen activamente en las acciones sin producir desarmonia ni desatar conflictos. Y otro ilícito, en el que a partir de una utilización subversiva”.
No caso de Peribañez, a ação negativa é o engando do Comendador tentando seduzir Casilda. Na obra El Villano en su Rincón, diferentemente do tema da sedução, há um tema ímpar. O choque entre a idéia idílica de que a vida ideal é viver na aldeia, longe do rey, ainda que obediente e servidor a ele, e a crítica na verdade ao isolamento na aldeia. A ação dos signos de poder rey vai no sentido de transformar um aldeão em fidalgo através dos signos do poder real que apazigua os choques entre a corte e a aldeia, resolvendo inclusive o conflito que aparece no desejo dos filhos de Juan, que desejam viver na corte. Os signos aparecem pela primeira vez, marcando posições na forma de farsa, quando a filha de Juan, uma labradora, mas rica, Lisarda, vai a corte vestidas em roupa de gala, próprias de dama da corte. As roupas, impróprias de sua classe social, já a posicionam numa casta diferente e retomam o tema do engano, comum as obras de Lope, assim como o tema da sedução e do amor, que é capaz de eliminar diferenças sociais. As roupas e as jóias, impróprias de uma lavadoura, mas acessíveis a uma classe de lavradores ricos, levam a que um jovem da nobreza, Otto, seja enganado e se apaixone por Lisarda. Como cita Bilsky, a semiótica de dupla identidade da roupa, individual e social, serve para a plateia na ação identificar os personagens em seus próprios estamentos, mas também serve como signo de engano e transgressão dramática, posicionando uma lavradora na cena com um signo que não lhe pertence costumeiramente.
Assim que sai da corte, e chega ás terras de seu pai, Lisarda retira e guarda as roupas e joias que não a identificam como lavradora e retoma as suas vestes habituais. As roupas e ferramentas de lavrador, mesmo que rico, identificam Juan e toda sua família. Os signos de roupa e ferramenta, são tão fortes, que o rey, ao ir á terra de Juan, oculto, para saber se Juan é um rebelde, ou um homem temente á lei e ao rey, se oculta de seus signos reais, roupa, cetro, joias, para poder passar despercebido. Nesta obra, novamente o amor é o poder chave, capaz de, com a ajuda harmonizadora do rey, superar as diferenças de classe. Efetivamente não é uma obra revolucionária, no sentido contemporâneo do termo, mas nela o rei como sempre cumpre um papel chave político filosófico, ele é o rei sol, que harmoniza os conflitos e contradições sociais, não na medida da rebeldia, mas a ponto de harmonizar uma nova classe de vilões ricos que estão fora do estamento tradicional. A própria corte é um signo de poder localizado na moradia do rei, ao qual, para ter sentido pleno, a vida de Juan labrador terá que obedecer e se curvar. O signo corte, trono, é central nesta obra de Lope, ela só se resolve em sua dramaticidade total, quando Juan e sua família são levados a ela. Nem mesmo estar com o rey na aldeia, basta. Na aldeia, numa inversão de termos, sem seus signos de poder, o rei é servido por Juan, que é rey em sua causa, mesmo jurando lealdade e obediência ao rei.
O signo da imbricação do político e do metafísico, como o rei harmonizador das classes sociais, se desenrola nos signos finais, quando o rei, vestido como rei, com cetro, trono e na corte, serve a Juan, sendo rei e servidor em sua própria casa. Não é uma obra de rebeldia, mas de obediência, que sofre uma apologia, na casa de Juan, o rei obedece a seu próprio servo, numa inversão surpreendente de papéis, na corte, Juan obedece, mas é servido. Com estas semiologia, Lope de Vega mostra o lugar do rei na obra.
A presença de signos no lugar inadequado, conota um desafio contra a comunidade, contra a ordem social. É por isto que todos os agressores sexuais de Lope são nobres, a utilização de nobres como agressores, tem a função de fixar a atenção da plateia no desenlace da ação, já que o comportamento esperado nestes casos de um nobre está em desacordo com sua posição social. Na obra citada, El Villano en su rincón, não há agressores sexuais, todavia, há o tema da sedução, e o engano é dado exatamente pelos signos, logo no início, com os filhos de Juan usando roupas e joias da corte, no decorrer da obra, o rei, disfarçado, vestido de forma a ser confundindo com um nobre sem função real e tratado como tal. Estas inversões dão força dramática à obra e prendem a atenção do público, que reconhece nestas inversões um papel semiológico de crítica social, jogando o rei o principal papel em termos de desenvolvimento e conclusão da ação dramática. El Villano en su Rincón, é uma moraleja, no qual, o amor como poder chave, supera as diferenças sociais através da ação do rei.
Os signos estão marcados também na forma do poema, quando Feliciano e Lisarda, os filhos de Juan fazem a crítica a “paz aldeana”, o texto é escrito em octossílabos. Já quando o rei entra na ação dramática, no terceiro ato, o poema vira hendecassílabo, considerado um verso nobre, típico da fala do rei. Há signos que não estão na roupa, ou nas vestimentas, mas são internos ao próprio poema, mudando a forma, de acordo com a importância da fala do protagonista. Toda a obra dramática é construída na disputa de signos entre a coroa versos o arado. Muitos, equivocadamente veem na obra a apologia da vida campesina, principalmente quando na apologia feita pelo monarca a Juan Labrador, o rei diz, “si no fuera rey de Francia, quisiera ser Juan Labrador”. Aqui, uma nota importante. Não é sem propósito que El Villano en su Rincón representa o rei da França e não o da Espanha. A força semiológica da coroa espanhola seria tal, que seria problemático imaginar seu próprio monarco em vestes comuns ou obedecendo a um lavrador, ou servindo a ele. Usar o rei da França é uma saída dramática semiológica hábil, nele se reconhecem todos os signos do poder real, sem cair no risco de incorrer numa situação de rebeldia, é bom lembrar que a inquisição e a censura ainda eram ativas na Espanha dos corrales.
Assim, o signo do cetro, da corte, do rei como centro político e moral da organização social é o grande símbolo semiológico do desenlace da ação. Juan tem que abrir mão de seus signos e de sua família, do arado, das roupas rudes, da vida simples rupestre e ir para a corte. A obra é finalizada com a tensão pendendo para que o centro da vida, mesmo a camponesa na Espanha (mesmo sendo o rei da França, já vimos como atua este signo semiológico) é o rei, o grande reorganizador, capaz de sobrelevar as distinções de classe. Lisarda casa com Oto, um nobre da corte servidor do rei, algo que não era comum, nem mesmo muito possível na Espanha de então, mas esta ascensão social nos estamentos é realizada sob o signo da benção real, assim como Feliciano, seu irmão. O rei é o espelho da ordem harmônica e perfeita, a pedra filosofal que trasmuta o caos em ordem:
Vassallo que no se mira
en el rey, esté muy certo
que sin concierto ha vivido
y que vive descompuesto (versos 2902-2905).
O rei é o signo que é espelho em que tem que se mirar toda a sociedade. Juan labrador, cristão velho, de sangue “limpo”, da nova classe de vilões enriquecidos, tem uma vida sem sobressaltos, temente a Deus e ao rei. Todavia, sua teimosia em não desejar ver o rei e o trono (corte), está em desalinho com o desejo de servir ao mais alto símbolo da sociedade de então, Lope aqui se posiciona não em defesa do bucolismo campesino, mas verdadeiramente em favor do brilho do rei.
No hay rincón tan pequeño
adonde no alcance el sol
el rey es el sol (versos 2907-2909).
Assim, no desenlace final, em que depois de viver toda uma vida retirado, rei das suas terras, Juan lavrador por fim se torna mordomo real, servidor direto do rei, e entre ser rei em sua terra e servidor direto do rei, ele mesmo confessa, sem lamentação, que não há vida melhor e destino do que servir ao monarca. O desenlace final não é uma punição, como em outras obras de Lope, Juan na verdade recebe uma recompensa, quando o rei lhe torna membro da nobreza, e a seus filhos, mas tem uma semiologia forte, pois se trocam símbolos de lugar: campo pela corte; arado pelo cetro; roupas simples e toscas por roupas nobres; corpo sem ornamentos e com o arado na mão por corpo com jóias e todo tipo de ornamentos. O desenlace final ocorre com o reconhecimento de Juan de que o rei é o centro e o símbolo de toda a vida social de então.
1Bilsky, Pablo, Semiosis e sociedade estamental en Peribañez.
2Bilsky, Pablo, Semiosis e sociedade estamental en Peribañez