Aula particular não é bengala

“ Uma mesa, duas cadeiras, uma tela: cumplicidade de pássaros; troca de flores e confiança e até lágrimas e gargalhadas”.

Escrevo um artigo subjetivo, quer porque o objetivo requeira de mim mais tempo; quer porque citarei uma leitura cuja fonte perdeu-se no tempo. O tema é a importância da aula particular e a desmistificação de que tal trabalho seja bengala.

Cumpre dizer que, desde que me formei em Língua e Literatura Portuguesa, na PUC de São Paulo, optei por aula particular. O motivo? Fui aluna tímida que sofria bullying na escola e, por sofrer tanto, passei do meu primeiro lugar da classe para um dos últimos. Por isso, mamãe sempre recorria às aulas particulares que me colocavam no prumo novamente até eu  descambar e de novo frequentar a casa de outra professora particular.

Assim que terminei a PUC aluguei uma saleta, coloquei cartazes pelo bairro, e os alunos vieram em pencas.  Nos anos 1990 era comum que um aluno indicasse amigos e, assim, desde aquele tempo meu ganha-pão foram as aulas particulares. Fui convidada, por indicação de uma mãe de aluno, para lecionar no Colégio Bandeirantes, onde fiquei pouco tempo. Meu gosto é o aluno único, é a cumplicidade que busca vencer dificuldades.

Nos primeiros tempos, sofria um certo preconceito; havia quem desabonasse a aula individual como espécie de bengala. Cheguei a ouvir que o aluno tinha de socorrer-se sozinho e não buscar ajuda. Ficava chateada ao ouvir isso e tanto que comecei a pesquisar o passado histórico dessa modalidade de aula.

Li que, tanto na Antiguidade quando no Estado Moderno, todas as aulas eram particulares e destinadas à nobreza. Vi no Youtube o filme Pestalozzi evidenciando que, somente após a Revolução Industrial, é que passaram a amontoar crianças em salas pelo fato de as mães terem de trabalhar. Quem ficava com as crianças eram professores. Vale muito ver o filme: gritos, violência com os alunos... Nisso consistiam as escolas. Pestalozzi teria sido um dos primeiros a criar a pedagogia e com ela um direcionamento humanizado para as aulas.

Com o tempo viriam outros pedagogos; e a escola transformar-se-ia em um espaço com propósito de ensinar. Mas, é claro que os professores particulares continuavam seu trabalho paralelo. Geralmente trabalhavam na mesma escola dos alunos e davam aulas esporádicas. Decerto havia – e ainda há – o receio – por parte desses profissionais - de não terem vínculos empregatícios. É arriscado mesmo. Sim,  é uma aventura e talvez, uma arte.

Li  na Folha de São Paulo lá pelos anos 1990 ( a fonte vai incompleta) que cientistas australianos, estudando a vida das formigas, descobriram que entre elas havia as mestras que davam aula de um em um. É claro que tal saber me trouxe alento. Afinal, a natureza demonstra que o ato de ensinar pode acontecer na intimidade entre professor e aluno.

Digo que, nesses trinta anos em que ensino só em aulas particulares, tenho vivido situações maravilhosas, seja com alunos adultos ou adolescentes. Por isso, estou escrevendo um livro contando os enredos da minha vida dedicada à aula cujo propósito é suprir o que a escola tradicional não faz. Ou até faz, mas o aluno é uma pessoa sensível que carece de cuidados professorais mais atentos.

Vale reportar que nessa lida, surgem os alunos que, provindos de situações econômicas precárias, conseguem ascender um pouco e buscam pagar faculdades particulares. Mas nem sempre acompanham, pois não tiveram a base, alguns mal sabem ler ou escrever. Buscam aula particular. Nesses casos faço preço mais em conta e juntos vamos buscar material das primeiras letras em ofício paralelo ao das aulas para a faculdade. Dá muito certo. Uns começaram bem frágeis e hoje são donos de cursos ou de editoras.

Mas não só alunos com problemas me procuram. Alguns prodígios querem aula particular para dominar mais o conteúdo. Nesse caso, vêm os que produzem artigos científicos ou os que vão fazer Medicina nas federais e estaduais. Adoro treinar vestibulandos de Medicina, são a maioria da minha clientela…

O laço que nos une? A cumplicidade e, com o tempo, o amor. Recebo visitas de alunos antigos até hoje.

Reflito que a aula particular deveria ser mais valorizada. Sonho pensando que o Governo poderia contratar professores particulares – mediante concursos - que corressem o país, acompanhando o ensino tradicional. Será que deliro imaginando formiguinhas mestras indo, de bairro em bairro, de cidade em cidade, promovendo a educação do país?

Aula particular jamais será bengala, ou equívoco pedagógico. É um contrato entre técnico e aluno que seguem a grade curricular; mas que têm a liberdade de voltar para matéria perdida no passado; liberdade de oferecer mais conhecimento do que se pede na escola.

Com a Covid, passei a dar aula on line e nesse processo o Profes tem sido meu aliado. Uma confissão: a nova geração não indica mais o professor para os amigos, guardam-no como a um troféu. Daí a necessidade de anunciar numa plataforma confiável.

( Desculpem-me o desenho. Eu fiz correndo, e ele não coube inteiro).