Acerca do tema, imagine uma situação:
1. Um determinado juiz deixa de relaxar a prisão em flagrante quando esta é manifestamente ilegal.
Neste caso, temos um crime de acordo com a nova lei de abuso de autoridade. Mas o juiz aqui comete crime omissivo próprio ou impróprio? Por que?
Caro João, a questão pretende te confundir, uma vez que as classificações dos crimes omissivos recebem o mesmo nome da classificação dos crimes em relação ao agente, sendo assim, você precisa:
1) Saber diferenciar um crime de omissão próprio de um crime de omissão impróprio.
2) Saber driblar a pegadinha de querer te fazer responder em relação a classificação em relação ao agente.
Sendo assim, vamos por partes, começando por uma revisão da teoria geral do Direito Penal.
Como você bem deve saber, existem várias classificações dos crimes, dentre elas a classificação quanto à conduta que pode ser um crime comissivo (quando há uma ação positiva) e crime omissivo (quando há uma ação negativa, um não fazer, omissão). Os crimes omissivos recebem uma classificação específica, assim sendo:
Omissivos próprios: São aqueles que estão previstos no núcleo do tipo penal. O tipo já descreve uma ação negativa (deixar de fazer, deixar de realizar, deixar de conduzir, deixar de manifestar, etc.) O principal exemplo de um crime omissivo próprio é o crime de omissão de socorro do artigo 135 do CP ("deixar de prestar assistênca...")
Omissivos impróprios: Para entendermos os crimes omissivos impróprios, é necessário entender o artigo 13 do CP, que diz:
Art 13 "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§2 A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (o que chamamos de crime omissivo impróprio por dever legal)
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (o que chamamos de crime omissivo impróprio por dever garantidor)
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado" (o que chamamos de crime omissivo impróprio por ingerência na norma)
Podemos concluir deste artigo, que quando a omissão é praticada pelos agentes das alíneas a), b) e c) sendo esta omissão determinante para a ocorrência do resultado fático, a omissão será considerada imprópria.
Existe ainda a discussão sobre os crimes comissivos por omissão, que parte da doutrina entende ser uma categoria diferente de crimes omissivos e parte entende por ser uma modalidade de crime omissivo impróprio. Não entraremos nesta discussão aqui.
Muita coisa pra chegar na sua resposta, né? Mas não adianta nada simplesmente responder, sem você entender o porquê da resposta.
O artigo 2º da lei 13869/19 deixa claro que os sujeitos ativos dos crimes nesta lei tipificados são, necessariamente agentes públicos ou a ele equiparados.
Assim, sendo, temos que o crime descrito na sua questão é omissivo impróprio, por dever legal.(Art.13, §2º, a) CP)
A pegadinha consiste em querer fazer com que você diga que é um crime próprio, pois o agente precisa satisfazer uma qualidade específica de ser agente público. De fato, o crime é próprio, em relação a classificação pelo agente, mas em relação a conduta o crime é omissivo impróprio.
Espero ter ajudado.
A situação descrita refere-se à conduta de um juiz que deixa de relaxar a prisão em flagrante, mesmo quando esta é manifestamente ilegal. O juiz, nesse caso, comete um crime de acordo com a Lei nº 13.869/2019, que trata do abuso de autoridade. A questão envolve a análise de um crime omissivo, sendo necessário distinguir entre crime omissivo próprio e impróprio.
Os crimes omissivos ocorrem quando o agente deixa de praticar uma ação que seria sua obrigação, e essa omissão resulta em uma infração penal. A distinção entre omissão própria e imprópria está relacionada à natureza da obrigação do agente e a relação que ele tem com o resultado que deveria ter sido evitado.
Crime omissivo próprio ocorre quando a omissão do agente é exclusivamente a causa do resultado ilícito, isto é, a conduta omissiva diretamente gera o crime.
Crime omissivo impróprio ocorre quando o agente tem a obrigação legal de agir para evitar o resultado ilícito, mas sua omissão, ao deixar de tomar a providência necessária, contribui para o resultado, ainda que não o tenha causado diretamente.
A situação exposta envolve a omissão de um juiz em não relaxar uma prisão em flagrante que é manifestamente ilegal, ou seja, quando o juiz tem pleno conhecimento de que a prisão não possui base legal e, mesmo assim, não a anula, conforme seu dever jurídico.
O art. 13 da Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade) trata dos crimes cometidos por autoridades no exercício de suas funções. O art. 9º, especificamente, define que:
Neste caso, a conduta omissiva do juiz está tipificada no art. 9º da Lei nº 13.869/2019, e trata-se de um crime omissivo impróprio, pois o juiz tem o dever legal e a obrigação de agir, ou seja, de relaxar a prisão, mas deixa de tomar a ação necessária. O juiz não causou diretamente o resultado ilícito (a manutenção da prisão ilegal), mas a sua omissão contribui para o resultado, que é a ilegalidade da prisão continuar sendo executada.
Portanto, o crime cometido pelo juiz é omissivo impróprio, uma vez que ele tem o dever de agir em conformidade com a legalidade (relaxar a prisão ilegal) e, ao omitir-se, contribui para a perpetuação de um ato ilegal, violando o direito da pessoa presa.
A doutrina contemporânea afirma que, em casos de abuso de autoridade, como o descrito, a omissão do agente que deveria ter tomado providências (neste caso, o juiz) para corrigir a ilegalidade configura um crime omissivo impróprio. Segundo CAPEZ (2020), a omissão do juiz caracteriza a violação de sua obrigação funcional e a manutenção de uma situação de ilegalidade.
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a omissão de um juiz em relaxar uma prisão ilegal é uma violação de sua função jurisdicional. Embora a jurisprudência do STJ sobre abuso de autoridade tenha evoluído, entende-se que a omissão de um juiz em garantir o cumprimento da legalidade configura um descumprimento do dever funcional, sendo classificada como omissão imprópria.
Em síntese, a omissão do juiz em não relaxar a prisão em flagrante manifestamente ilegal configura um crime omissivo impróprio, pois o juiz tinha a obrigação legal de agir para corrigir a ilegalidade da prisão e, ao se omitir, contribui para a manutenção de uma situação ilegal, o que resulta em abuso de autoridade conforme o art. 9º da Lei nº 13.869/2019.