Hoje vi a seguinte frase:
O uso de fragmentos fósseis associados a modelos matemáticos possibilita aos cientistas realizarem reconstruções paleoclimáticas.
Mas algo me soou estranho. Ao mesmo tempo que reconheço o sujeito explícito de realizarem, vejo toda a 2a oração como complemento do verbo possibilitar [que possibilita (1) algo (2) a alguém], e tive a recomendação no trabalho de não flexionar o infinitivo nesses casos. Como faço para reconhecer cada caso? Encontro várias frases do tipo diariamente:
- Auxilie os estudantes a fazer/fazerem os experimentos.
- Incentive os atletas a se reunir/reunirem antes de cada partida.
- A iniciativa permite aos cidadãos escolher/escolherem a decisão mais adequada.
Agradeço desde já!
A sua observação está correta, e essa é uma questão de gramática que gera frequentemente dúvidas. Na verdade, a flexão do infinitivo ("fazer" ou "fazerem", "reunir" ou "reunirem", "escolher" ou "escolherem") em frases como essas é uma das características da língua portuguesa que permite certa variação. A escolha entre o infinitivo pessoal (flexionado) e o infinitivo impessoal (não flexionado) depende do contexto e do estilo de escrita.
A regra básica é que o infinitivo pessoal (flexionado) deve ser usado quando o sujeito do verbo no infinitivo é explicitamente mencionado e diferente do sujeito da oração principal. No entanto, em muitos casos, o uso do infinitivo impessoal (não flexionado) também é aceitável e amplamente usado, especialmente em situações mais informais.
Vamos analisar suas frases de exemplo:
1. "Auxilie os estudantes a fazer/fazerem os experimentos."
- Ambas as formas são corretas, mas "fazer" é mais formal, enquanto "fazerem" é menos formal e mais comum na linguagem falada.
2. "Incentive os atletas a se reunir/reunirem antes de cada partida."
- Novamente, ambas as formas são aceitáveis. "Reunir" é mais formal, e "reunirem" é mais informal.
3. "A iniciativa permite aos cidadãos escolher/escolherem a decisão mais adequada."
- Da mesma forma, ambas as formas são corretas, com "escolher" sendo mais formal e "escolherem" mais informal.
Portanto, a escolha entre o infinitivo pessoal e o infinitivo impessoal depende do contexto e do nível de formalidade que você deseja manter na sua escrita. Em contextos mais formais, é preferível usar o infinitivo pessoal, enquanto em contextos informais, o infinitivo impessoal é mais comum. Em qualquer caso, ambas as formas são gramaticalmente corretas.
Nara, é uma das questões mais polêmicas do português, única - juntamente com dois dialetos e o galego - que possui tal recurso, uma riqueza de nossa língua. Veja:
1. O uso de fragmentos fósseis associados a modelos matemáticos possibilita aos cientistas realizarem reconstruções paleoclimáticas. - "o infinitivo é flexionado quando pode ser substituído por um tempo finito (indicativo ou subjuntivo, em geral)": possibilita que eles realizem. (Manual Estadão)
2. Auxilie os estudantes a fazer os experimentos.
Incentive os atletas a se reunir antes de cada partida. - "não se flexiona o infinitivo com preposição que funcione como complemento de substantivo, adjetivo ou do próprio verbo principal:
O pai convenceu os filhos a voltar cedo. /
Continuamos dispostos a comprar a casa. /
Remédios ruins de tomar. /
As emissoras conquistaram o direito de transmitir todos os jogos de vôlei. /
Eram exercícios fáceis de resolver." (Manual Estadão)
3. A iniciativa permite aos cidadãos escolherem a decisão mais adequada. - infinitivo flexionado: sujeitos diferentes e suj. infinitivo expresso, que equivale a um tempo finito: permite que eles escolham.
Leia mais: https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/estilos/infinitivo-flexionado
Espero tê-la ajudado. At.te, tutor Miguel Augusto Ribeiro.
Caríssima Nara,
Sobre o infinitivo pessoal (flexionado) e o impessoal (não flexionado), veja o que diz Luiz A. P. Victoria, em Fala e Escreve Corretamente a tua Língua:
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EMPREGO IDIOMÁTICO DO INFINITIVO
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O infinitivo pessoal é um idiomatismo.
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Se todas as línguas modernas possuem infinitivo impessoal, entretanto, só o português e o galego (falado na província espanhola de Galiza) possuem infinitivo flexionável.
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Exemplos:
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Por infinitivo impessoal compreende-se o infinitivo invariável, o qual não admite flexões.
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Exemplos:
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(O verbo organizar manteve-se invariável.)
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O emprego da forma pessoal do infinitivo sempre apresentou, entretanto, muitas dificuldades. Nos melhores escritores, encontramos, por vezes, esse tempo empregado do modo mais disparatado.
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Como conduzir-nos, então, neste emaranhado, que é o cipoal formado pelo infinitivo?
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Diz-nos a razão que, se o assunto é controverso, devemos procurar colocar-nos ao lado da maioria.
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Sendo assim, e, para errarmos menos, sigamos a regra de Soares Barbosa, que, conquanto não solucione todos os casos, tem o mérito de atender aos mais prementes.
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Regra de Soares Barbosa:
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a) Deve-se empregar o infinitivo pessoal toda a vez que o sujeito do verbo principal e o do infinitivo forem diferentes;
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b) Quando, porém, o sujeito do verbo principal e o do infinitivo for o mesmo, o verbo ficará no infinitivo impessoal.
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Exemplos:
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A regra de Soares Barbosa não resolve todos os casos. Daí, o haverem sido formuladas outras normas que vieram completar a regra conhecida. Eis as principais:
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1ª - Depois dos verbos deixar, fazer, mandar, ouvir, sentir e ver, deve usar-se de preferência o infinitivo impessoal.
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Exemplos:
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2ª - Quando o infinitivo preceder o verbo regente e estiver regido de preposição, é, geralmente, pessoal, embora o sujeito seja o mesmo.
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Exemplos:
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3ª - Depois de um verbo no gerúndio, emprega-se o infinitivo impessoal.
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Exemplos:
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É preciso atentar ainda para a advertência que nos faz Hildebrando A. de André, em Gramática Ilustrada, acerca do SUJEITO ORACIONAL:
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Nem sempre o sujeito é uma pessoa (nome ou pronome); às vezes trata-se de um fato expresso por uma oração reduzida de infinitivo, ou desdobrada e introduzida por conjunção integrante. A concordância do verbo será uma só: 3ª pessoa. Chamam-se unipessoais os verbos que pedem sujeito oracional: convém, ocorre, acontece, apraz, agrada, parece, consta, etc.
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E cita o seguinte exemplo:
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Qual o sujeito de "cabe"?
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Perguntemos "o quê", antes do verbo: "o que cabe?"
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Resposta: "ensinar a língua pátria" (sujeito representado por oração de infinitivo).
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Com cuidado, agora, examinem-se estes outros exemplos, procurando o sujeito dos verbos sublinhados:
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Nota: Frequentemente o objeto do infinitivo se antepõe ao verbo unipessoal e, às vezes, além dessa anteposição, vem repetido (pleonástico).
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Exemplos:
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Neste último exemplo, "los" é objeto direto pleonástico.
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Em qualquer hipótese, "cabe" deve permanecer na 3ª pessoa do singular, pois seu sujeito não é "os direitos alheios", mas a oração “defender os direitos alheios".