Letycia,
A questão procura avaliar três pontos (regras) gramaticais, à luz da norma culta, padrão:
A topologia pronominal trata da colocação dos pronomes oblíquos átonos na frase, em relação ao verbo: se antes do verbo (próclise), se no meio do verbo (mesóclise) ou se depois do verbo (ênclise). Para tanto, existem regras estabelecidas pela gramática. Citemos aqui apenas duas delas: (1) não se pode começar frase/oração com pronome oblíquo átono; (2) as palavras negativas, os pronomes relativos e indefinidos e as conjunções subordinativas atraem o pronome para antes do verbo (próclise).
Observação: No Português escrito e falado no Brasil verifica-se tendência marcante ao emprego da próclise (pronome antes do verbo). Para importantes gramáticos, tal preferência não é condenável, pois admitem que a colocação pronominal está relacionada à eufonia (combinação de sons agradável ao ouvido) e não a questões estritamente sintáticas. Portanto, em caso de dúvida, o falante deve escolher a colocação pronominal que lhe soar melhor e atentar-se ao nível de linguagem adequado à situação de comunicação.
Em relação ao emprego dos pronomes oblíquos átonos para completar o sentido de um verbo, observar o seguinte:
Os pronomes me, te, se, nos, vos podem representar tanto o objeto direto quanto o objeto indireto.
O pronome o/a (e suas variações: os/as, lo/la, los/las, no/na, nos/nas) representam exclusivamente o objeto direto (complemento exigido pelos verbos transitivos diretos: amar, ver, parabenizar, etc.).
O pronome lhe(s) representa exclusivamente o objeto indireto [complemento exigido pelos verbos transitivos indiretos e bitransitivos: obedecer (O motorista viu o guarda, mas não lhe obedeceu), desejar (desejo-lhe felicidades), etc.].
A uniformidade de tratamento consiste em manter os pronomes e o verbo na mesma pessoa gramatical (tu, você, vós) escolhida para se dirigir ao interlocutor, utilizando de maneira uniforme os pronomes e pessoas do verbo, evitando salada de pronomes e formas verbais.
Se, ao conversarmos com uma pessoa, a tratarmos, por exemplo, por você, todos os pronomes e o verbo deverão ficar na terceira pessoa do singular, já que você é um pronome de tratamento, de terceira pessoa. O mesmo se diga em relação a senhor, senhora, vossa senhoria, etc.
Se tratarmos a pessoa por tu, todos os pronomes e o verbo deverão ficar na segunda pessoa do singular.
Exemplos:
Outro problema de desuniformidade de tratamento ocorre no uso do verbo, principalmente no imperativo, que é a utilização do verbo para pedido, ordem, conselho, apelo, súplica.
Se o interlocutor for tratado por tu, o verbo no imperativo deve ser conjugado na segunda pessoa do singular (Dá-me um autógrafo). Se o interlocutor for tratado por você, o verbo no imperativo será conjugado na terceira pessoa do singular (Dê-me um autógrafo). Se o interlocutor for tratado por vós, o verbo no imperativo deve ser conjugado na segunda pessoa do plural (Dai-me um autógrafo). Outros exemplos em que a uniformidade de tratamento foi observada:
Vamos à análise das opções da questão por você apresentada:
a) |
Dê-me um autógrafo? |
O cara que a desenha! |
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Colocação correta (ênclise) do pronome oblíquo átono me, que, de acordo com a norma culta, não pode iniciar frase (Na linguagem coloquial/informal, é admissível; no padrão formal da língua, não). Verbo (dar) na 3ª pessoa do singular do imperativo afirmativo. Sujeito: você (oculto). |
Correto o pronome oblíquo átono empregado (a), que representa o objeto direto exigido pelo verbo transitivo direto desenhar. Pronome oblíquo átono a proclítico (antes do verbo) corretamente empregado, atraído que é pelo relativo que. Uniformidade de tratamento respeitada em ambas as frases: terceira pessoa do singular (Dê-me você / desenha você). |
b) |
Dá-me um autógrafo? |
O cara que lhe desenha! |
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Colocação correta (ênclise) do pronome oblíquo átono me, que, na norma culta, não pode iniciar frase. Verbo (dar) na 2ª pessoa do singular do imperativo afirmativo. Sujeito: tu (oculto). |
Incorreto o emprego do pronome oblíquo átono (lhe), que é usado para representar exclusivamente o objeto indireto, e o verbo no caso (desenhar) é transitivo direto, requerendo complemento direto. Uniformidade de tratamento não respeitada em relação à primeira frase, na qual foi empregado o verbo na segunda pessoa do singular (Dá-me tu), enquanto na segunda frase foi utilizado (conquanto errado) o pronome de terceira pessoa do singular (lhe = você). |
c) |
Dá-me um autógrafo? |
O cara que a desenha! |
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Colocação correta (ênclise) do pronome oblíquo átono me, que, na norma culta, não pode iniciar frase. Verbo (dar) na 2ª pessoa do singular do imperativo afirmativo. Sujeito: tu (oculto). |
Correto o pronome oblíquo átono empregado (a), que representa o objeto direto exigido pelo verbo transitivo direto desenhar. Pronome oblíquo átono a proclítico (antes do verbo) corretamente empregado, atraído que é pelo relativo que. Uniformidade de tratamento não respeitada em relação à primeira frase, na qual foi empregado o verbo na segunda pessoa do singular (Dá-me tu), enquanto na segunda frase foi utilizado o pronome de terceira pessoa do singular (a = você). |
d) |
Me dê um autógrafo? |
O cara que desenha-lhe! |
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Colocação incorreta do pronome oblíquo átono (me), que, pela norma culta, não pode iniciar frase (Na linguagem coloquial/informal é aceitável; no padrão formal, não). |
Pronome oblíquo átono utilizado (lhe) incorreto (teria que ser o a) Ênclise incorreta (o que – pronome relativo - atrai o lhe para antes do verbo). |
e) |
Dê-me um autógrafo? |
O cara que desenha-a |
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Colocação correta (ênclise) do pronome oblíquo átono me, que, na norma culta, não pode iniciar frase (Na linguagem coloquial/informal, sim; no padrão formal, não). Verbo (dar) na 3ª pessoa do singular do imperativo afirmativo. Sujeito: você (oculto). |
Ênclise (pronome oblíquo depois do verbo) incorreta (o que – pronome relativo - atrai o lhe para antes do verbo). |
Você ainda faz o seguinte questionamento:
No enunciado está: ''O cara que te desenha'', ou seja, desenha você. E ''o cara que a desenha'' não está se referindo a ela (outra pessoa, e não você)?
Como se sabe, três são as pessoas do discurso: a pessoa que fala (1ª pessoa: eu), a pessoa com quem se fala (2ª pessoa: tu ou você) e a pessoa de quem se fala (3ª pessoa: ele(s)/ela(s)).
O pronome “te”, no caso, vai se referir sempre à 2ª pessoa, à pessoa com quem se fala (tu ou você).
Já o pronome “o/a” (e suas variações: os/as, lo/la, los/las, no/na, nos/nas), que representam o objeto direto, e o pronome “lhe”, que representa o objeto indireto, podem se referir tanto à pessoa com quem se fala (você) quanto à pessoa de quem se fala (ele/ela).
Ao substituir-se, na frase, o pronome “te” (''O cara que te desenha'') pelo pronome “a” (''o cara que a desenha''), o “a” vai se referir à pessoa com quem se fala (você), e não à pessoa de quem se fala (ela). Concorda?