Em O Processo Civilizador Norbert Elias mostra que [...] o controle efetuado através de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em autocontrole, que as atividades humanas mais animalescas são progressivamente excluídas do palco da vida comunal e investidas de sentimentos de vergonha, que a regulação de toda vida instintiva e afetiva por um firme autocontrole se torna cada vez mais estável, uniforme e generalizada. (ELIAS, 1993, v. 2, p. 193-194)" O que isto significa?
Somos controlados por terceiros no processo de civilização, pois são as micro relações sociais que nos educam para o convívio. Dessa forma, nosso comportamento mais instintivo de quando somos crianças é moldado pelas relações sociais, aquilo que é aceito ou não no convívio social. Assim é que vamos aprendendo a ter autocontrole sobre nossos impulsos conforme evoluímos individualmente.
A análise de Norbert Elias em O Processo Civilizador aborda as transformações históricas e sociais pelas quais os comportamentos humanos, antes mais espontâneos e instintivos, passaram a ser regulados por normas sociais e culturais internalizadas, culminando em um maior autocontrole. Esse fenômeno pode ser interpretado sob várias perspectivas:
Elias argumenta que, ao longo do tempo, as sociedades passaram a desenvolver mecanismos que transferiram o controle do comportamento humano das instituições externas (como reis, senhores feudais ou regras religiosas explícitas) para o interior dos indivíduos. Esse processo reflete o que ele chama de "psicogênese": a internalização de normas sociais como parte da formação da identidade.
O que antes era imposto por autoridades externas (o controle por terceiras pessoas) agora é mediado pela própria consciência do indivíduo, que regula suas emoções e comportamentos para evitar a vergonha ou o constrangimento.
Atos considerados "animalescos" ou "primitivos" (como comer de maneira descontrolada, urinar em público ou demonstrar agressividade sem restrições) foram sendo gradualmente excluídos dos espaços sociais e relegados ao privado. Esses comportamentos passaram a ser associados à falta de civilidade ou ao desrespeito às normas.
A vergonha e o constrangimento social funcionam, nesse contexto, como mecanismos para reforçar a necessidade de moderação e controle das emoções, transformando os hábitos individuais para se adequar a um padrão coletivo mais restritivo.
A vergonha, mencionada por Elias, é um sentimento central no processo civilizador. Ela age como uma ferramenta de controle social internalizado, inibindo comportamentos que possam ser considerados inadequados. Dessa forma, o indivíduo não só evita desagradar os outros, mas também busca evitar o julgamento de si mesmo.
Com o passar do tempo, os padrões de autocontrole se tornam mais uniformes e previsíveis, especialmente em sociedades complexas. Isso ocorre porque as normas de conduta passam a ser amplamente disseminadas por meio de instituições como a família, a escola e o trabalho, criando um senso coletivo de como o comportamento "civilizado" deve ser.
Esse processo é característico da formação de Estados modernos, que monopolizam a violência e regulam os comportamentos humanos em nome da estabilidade social.
O que Elias está destacando é a evolução dos comportamentos humanos em direção a um modelo mais "civilizado", no qual os indivíduos regulam suas ações de forma mais consciente e controlada. Isso não significa que os impulsos instintivos desapareçam, mas que são submetidos a uma autorregulação cada vez mais exigente, moldada pelas normas sociais e culturais de cada época.
A passagem reflete, portanto, uma visão ampla do desenvolvimento da sociedade moderna e da forma como ela estrutura o comportamento humano em prol da convivência e do controle social.