CARTOGRAFIA HISTÓRICA E HISTÓRIA DA CARTOGRAFIA
Por: Anderson S.
19 de Março de 2014

CARTOGRAFIA HISTÓRICA E HISTÓRIA DA CARTOGRAFIA

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A Cartografia provavelmente é a mais antiga forma de representação do pensamento geográfico. Tal afirmação possui amparo na História da cartografia. A confecção de mapas precede à escrita. Isto pode ser comprovado por muitos exploradores e pesquisadores dos vários povos primitivos que, embora eles não houvessem alcançado a fase escrita, desenvolveram a habilidade para traçar mapas.

É uma observação geral dos viajantes do mundo que, quando interrogado um nativo a respeito do caminho que conduz a certo local, ele toma uma varinha e desenha no solo um esquema do caminho. Talvez acrescentando pedrinhas ou raminhos para marcar determinados pontos de referência. Sempre se resultam destes desenhos verdadeiros mapas, alguns com escala e com o terreno visto de cima. Assim, percebe-se que fazer mapas é uma aptidão inata da humanidade que revela suas percepções, visões, construções, atividades, culturas, habilidades e, consequentemente, a própria história de suas respectivas sociedades.

Para exemplificarmos a qualidade da revelação de informações por mapas de suas respectivas sociedades construtoras, citamos o exemplo de determinados povos primitivos que viviam como guerreiros e caçadores e deviam mover-se continuamente. Muitas vezes, o conhecimento de rotas, direções e distâncias era uma questão de vida ou morte. Assim, muitos deles desenvolveram um certo sistema de fazer mapas ou cartas. As cartas marítimas dos nativos das Ilhas Marshall veementemente testemunham isso. Estas cartas eram formadas por conchas ligadas por entrelaçados de fibras de palma[1] que incrivelmente possuem uma assertividade relativamente grande, em função da ausência de técnicas mais apuradas. (Figuras 1 e 2.) Eram quadrículas ortogonais que representavam o mar livre, com linhas de curvas formadas pelas fibras e que indicavam as frentes de ondas próximas às ilhas; e as próprias ilhas eram representadas por conchas. O uso destas cartas cessou por volta do século XX, quando foram suplantadas por cartas europeias, e os atuais nativos pouco conhecem delas.

Estas construções cartográficas indicam, a princípio, como a obra dos povos primitivos, incluindo destes nativos, não eram ao todo simples, pois sua maneira de representação possui uma complexidade similar a cartas modernas. Além disso, este tipo de construção revela a relação destes povos com o meio e sua percepção, além da necessidade de locomoção pelas ilhas, o meio de transporte e direção, etc. No período das Grandes Navegações os mapas e cartas náuticas eram considerados verdadeiros tesouros, tendo como meta a expansão territorial, proporcionando vantagens àqueles que possuíssem os registros mais fidedignos.

Em meio a este desenvolvimento, gradativamente a cartografia tanto se fortaleceu como ciência quanto sofreu modificações ideológicas, filosóficas e geográficas. Deixou de representar exclusivamente o espaço físico para retratar a relação da atividade humana e o meio, as consequências e modificações que essa troca imprimem ao ambiente.

Por outro lado, a Cartografia Histórica busca através da análise de documentos cartográficos pretéritos explicar questões de um tempo mais recuado. Utiliza de forma combinada, fontes documentais, iconográficas/cartográfica como estratégia de interpretação de uma determinada dinâmica territorial, suas peculiaridades e mais do que isso, evoca a memória do espaço tal como era concebido num dado momento histórico. Com isso, o uso do ferramental da cartografia histórica se torna decisivo para o concreto entendimento de fatos tanto remotos, quanto atuais devido a comparações, analogias e paralelos traçados entre o presente e o passado.

Dentre outras possibilidades é possível analisar o que foi alterado, não só geograficamente, mas também socialmente. Um exemplo disso, é fazer uma comparação entre os topônimos das representações cartográficas. Com isso, é possível avaliar muitas vezes o tipo de vegetação do local, as pessoas que lá habitavam e assim, estudar o motivo da mudança populacional e vegetativa. Também é observado pela Cartografia Histórica, o crescimento urbano, a  expansão e tomada territorial entre as populações do mundo, para com isso, relacionar as mudanças entre fronteiras ao redor do mesmo.

Assim, o provérbio representado por Kurt Tucholsky, “Uma imagem vale mais que mil palavras”[2], possui um embasamento claro na Cartografia. Ela usa a imagem ou meios de visualização para representar graficamente a realidade da superfície terrestre, mas não só isso. Ao passo que, por definição, a cartografia é a ciência que trata da representação da terra ou parte dela através de mapas, cartas e outros tipos de projeções cartográficas[3], sua produção também pode ser utilizada para se conhecer quem a produziu. Pois, conforme explanado anteriormente, a produção de mapas possui um objetivo específico, que em si já é revelador, e exige técnicas específicas que acabam por contextualizar a evolução técnica da sociedade que a produziu.

Essa função do mapa é objeto de estudo de uma especialidade interdisciplinar específica da Cartografia: a Cartografia Histórica. A Cartografia Histórica analisa o surgimento e a dinâmica da atual configuração dos territórios, por meio de suas representações espaciais ao longo do tempo[4]. A Cartografia Histórica permite aos pesquisadores conhecer no tempo, a constituição do espaço geográfico e histórico de uma determinada sociedade. As formas de ocupação territorial e seu manejo ao longo do tempo chamam a atenção de historiadores e geógrafos. No meio universitário, temas sobre cartografia náutica, urbana e territorial permeiam discussões disciplinares, tanto nas áreas de História quanto nas de Geografia.[5]

É importante ressaltar a diferença entre Cartografia Histórica e História da Cartografia. Complementando a explanação anterior, podemos tão logo comparar essa dualidade usando a própria História como exemplo. A História é a ciência que estuda o Homem e sua ação no tempo e no espaço[6], ou seja, sua história. Mas, a própria História como ciência possui uma história de quando surgiu, desenvolveu-se, etc. Igualmente, a História da Cartografia analisa o surgimento da cartografia como técnica e como ciência, ao passo que a Cartografia Histórica é utilizada como informação de base a estudos técnicos e científicos, principalmente na abordagem da variabilidade temporal das sociedades confeccionadoras dos mapas estudados ou dos meios envolvidos. Pode-se dizer, portanto, que a História da Cartografia está dentro da Cartografia Histórica e a Cartografia Histórica está dentro da História da Cartografia. Referindo-se à Cartografia Histórica do Brasil, Jaime Cortesão, um dos fundadores desta ciência no Brasil: “Não é a história da cartografia uma velharia, como poderia parecer à primeira vista, mas é essencialmente uma ciência com sentido e autoridade pragmática” (Cortesão & CNG, 1944:339). De fato, a Cartografia Histórica possui uma relevância pragmática, além das já referidas importâncias históricas. De acordo com “Programa de um curso de Mapoteconomia e História da Cartografia Brasileira” (BNP/E25/91), da Biblioteca Nacional de Portugal, há uma clara “importância da cartografia histórica [até mesmo] para a justificação dos direitos de soberania dos Estados e a dos mapas em geral para a ‘consciência física da pátria’ ”; [7] a confirmação de fatos históricos relevantes; a fundamentalidade da cartografia histórica para o estudo da formação territorial dos países (o documento faz referência especial ao Brasil); a contribuição com a base jurídica das fronteiras[8]; entre outros.

A cartografia histórica revela-se cada vez mais como uma potente ferramenta de análise social.[9] Aliás, a própria Cartografia Histórica é contribuinte inequívoca e muito relevante para a própria História da Cartografia em si, e, obviamente, a História. A descoberta de documentos mapográficos permitem que os pesquisadores tracem uma história do desenvolvimento da Cartografia, desde as pesquisas iniciais, feitas pelos gregos, até as descobertas amparadas pelas avançadas tecnologias atuais.[10] A linguagem cartográfica é meio de expressão e comunicação de dados. Assim, pode-se extrair dos mapas informações que ampliem seu valor documental. Como os elementos próprios da Cartografia mudam com o tempo, o estudo de documentos iconográficos de diferentes épocas permite uma compreensão mais ampla das coordenadas geográficas, das escalas e das medidas de cada período e de cada civilização, ajudando os pesquisadores a entender os paradigmas que nortearam a construção desses documentos. [11]

O volume e qualidade de trabalhos acadêmicos nas últimas décadas, notadamente em áreas  como Geografia e Urbanismo indicam a importância da Cartografia Histórica na pesquisa histórica para  fundamentar argumentações acerca da constituição e dinâmicas territoriais. A Cartografia Histórica se comunica e, medidas as suas nuanças e limitações que não são objeto de análise deste trabalho, apresenta dados sobre um espaço. Ainda mais que isso, apresenta o espaço tal como era concebido num dado momento histórico. A importância desse instrumento para a “leitura” de espaços do passado sugere, em alguns casos, a opção pela produção de mapas a partir de documentação primária escrita – os “mapas conjecturais[12]” – viabilizando assim o olhar mais amplo sobre o território[13], a sociedade, o espaço – a História e a Geografia.

 

REFERÊNCIAS

RODRIGUES, André Fiqueiredo. (2012) “Os usos da cartografia histórica nos livros didáticos”, Revista Navigator, Número 4, N4-Art1. Disponível em: http://www.revistanavigator.com.br/navig4/art/N4_art1.pdf

FLYNN, Michael. (2013) “Historical Cartography”, The Quantitative Peace, Tuscaloosa, USA. Disponível em: http://www.quantitativepeace.com/blog/2013/12/historical-cartography-.html

RAISZ, Erwin. (1969) “A História dos Mapas, parte 1: Mapas Manuscritos”, Cartografia Geral, Rio de Janeiro, Ed. Científica.

FARIA, Caroline. “História da Cartografia”, InfoEscola. Disponível em: http://www.infoescola.com/cartografia/historia-da-cartografia/

ANDRADE, Prof. Dr. Adriano Bittencourt. (2013) “A Cartografia Histórica como instrumento para análise de configurações espaciais pretéritas. O uso de mapas conjecturais.” V Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, Petrópolis. Disponível em: http://www.cartografia.org.br/vslbch/trabalhos/72/63/slbch-petropolis-2013-_-cartografia-historica_1374699000.pdf

 

Sites:

http://www.mapashistoricos.usp.br/

http://www.cartografia.org.br/vslbch/

https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/

http://www.labocart.ufc.br/index.php/linhas-de-pesquisa/70-cartografia-historica.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/267366/historical-geography

http://terrabrasilis.revues.org/610

http://www.mhnjb.ufmg.br/centroreferencia.html

 

[1] Lyons, H. The Sailing Charts of the Marshall Islanders, Geographyc Journal, Vol. 72, págs. 325-8, 1928.

[2] Kurt Tucholsky. Op.cit. [vol. 3], p. 311.

[3] HISTÓRIA DA CARTOGRAFIA, por Caroline Faria, infoescola.com/cartografia/historia-da-cartografia/.

[4] Laboratório de Geoprocessamento da UFC, Copyright © 2014, Labocart.

[5] Os usos da cartografia histórica nos livros didáticos, André Figueiredo Rodrigues, FFLCH-USP.

[6] Wikipedia.

[7] 3° Simpósio Iberoamericano de História da Cartografia. Agendas para História da Cartografia Iberoamericana,

São Paulo, abril de 2010. “História da cartografia brasileira e mapoteconomia segundo Jaime Cortesão: o curso do Itamaraty de 1944”, OLIVEIRA, Francisco Roque de. Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

[8] Francisco Roque de Oliveira, Centro de Estudos Geográfico, citações do conteúdo programático do “Curso de História da Cartografia, Geografia das Fronteiras do Brasil e Mapoteconomia”, de 1944. São Paulo, abril de 2010.

[9] TERRA BRASILIS, História da Cartografia, Cartografia Histórica e Cartografia Digital, Junho de 2014

[10] CENTRO DE REFERÊNCIA EM CARTOGRAFIA HISTÓRICA. (mhnjb.ufmg.br/centroreferencia .)

[11] CENTRO DE REFERÊNCIA EM CARTOGRAFIA HISTÓRICA. (mhnjb.ufmg.br/centroreferencia .)

[12] Mapas produzidos posteriormente para ocupar lacunas de registros cartográficos.

[13] A CARTOGRAFIA HISTÓRICA COMO INSTRUMENTO PARA ANÁLISES  DE CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS PRETÉRITAS.  O USO DE MAPAS CONJECTURAIS. Prof. Dr. Adriano Bittencourt Andrade, CM Brasília.

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Especialização: MBA Gestão de Projetos (USP ESALQ)
Sou professor de geografia, espanhol, atualidades e formador de professores.
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