A questão dos negros e das minorias em Okinawa no Japão.
Por: Keyth P.
12 de Julho de 2017

A questão dos negros e das minorias em Okinawa no Japão.

Antropologia

Para o entendimento da análise a ser feita, cabe colocar que Okinawa, foi anexado ao Japão durante o período Meiji, em 1879, era que marca a transição no Japão e suas contradições em relação a sua cultura tradicional e as novidades trazidas pelo ocidente; a partir daí Okinawa passaria a ser considerada prefeitura japonesa. No entanto, sua língua e cultura diferem do Japão principal. Okinawa foi entregue para a ocupação militar japonesa em 1945, momento conhecido como Batalha de Okinawa, que duraria de Abril de 1945 a Junho do mesmo ano. Por meio da análise dos contos “The Silver Motorcycle” de Nakahara Shin e "Bones" de Shima Tsuyoshi. Este trabalho contemplará Okinawa e sua história pré e pós guerra, ou Batalha de Okinawa, contemplando os resquícios deixados pela guerra e por toda a história de subordinação de Okinawa ao Japão da Ilha Principal.

1. Considerações sobre o conto “The Silver Motorcycle” e a questão dos negros em Okinawa.

1.1 – Breve Resumo do Conto.

“The Silver Motorcycle” de Nakahara Shin, narra a história de uma mulher que vive em Okinawa. De maneira resumida, fora casada com um soldado americano chamado Harry, de quem ficou viúva. Recebia, contudo, um cheque mensal da América. Masayo, em um determinado momento se recorda da morte do marido Harry, o qual ficara louco, e acredita que sua morte tenha se dado devido ao contato com um homem negro. Após conseguir sua moto prateada, Seizō a leva para Masayo que a monta, sofre um acidente e morre.

1.2 – A questão negra em Okinawa.

Sobre a imagem do Japão em relação ao negro, Molasky irá dizer:

“Os negros, por eles mesmos, não tiveram praticamente voz na formação deste discurso racial, mas sim, serviram a este estereótipo, como espectros sem alma. Este discurso sem os negros é um monólogo, não um diálogo, e esta consideração acima se preocupa, sobretudo com o questionamento da identidade japonesa, alcançando uma transformação pessoal através da potência fálica da outra raça, e usando o poder para estabelecer o controle sobre o próprio colega japonês. Apesar do interesse lascivo dos meios de comunicação japoneses no tamanho do pênis negro, mostravam-se principalmente preocupados com as dimensões simbólicas do falo negro e em seus poderes transformadores, o que foi internalizado e mobilizado entre a sociedade japonesa.

Sobre a visão do japonês em relação ao negro, Molasky dirá que a mídia japonesa ao fomentar um discurso de justificação de um mundo dominado por brancos, fez uso de uma propaganda com foco no “poder fálico” no negro, o que segundo ele, compromete a visão sobre o negro ainda que um japonês, neste caso de Okinawa, opte por ser simpatizante dos negros. Isto porque, essa imagem criada impediu com que os japoneses tivessem acesso à história dos negros e de suas lutas ao redor do mundo; ao mencionar Russel, um antropólogo negro no Japão, trará a tona a sua fala sobre o contraste deste discurso com os discursos da geração de intelectuais dos anos 60 e 70 no Japão; ou seja, a questão levantada por Molasky não perpassa a moral e nem parte de um ponto de vista maniqueísta cristão ocidental, mas suscita o questionamento sobre a limitação existente sobre a visão em relação ao negro, a qual se criou mediante tais fatos. O conto não nos permite dizer com riqueza de precisão, qual a visão exata de Masayo sobre os negros.

Como dito, a breve menção ao negro por meio da lembrança de Masayo, não nos permite dizer exatamente o que a personagem considera sobre o negro, porém partindo do desdém de sua fala ao referir-se ao negro e considerando a questão trazida por Molasky, é possível inferir que a visão de Masayo é negativa, como se vê por meio de um trecho do conto:

Um dia a enfermeira ligou para a mulher para reclamar, e depois disso ela passou a ir com ele ao médico. Ele se sentava quietinho sempre que ela estava com ele. Mas agora o negro estava entediado. Homem gordo, de pescoço largo, vinha balançar sua bunda e contorcer seu tronco na frente deles. A mulher o alcançou com a mão esquerda e tentou empurrá-lo para longe. Mas ele apenas riu em uma voz rouca e balançou os quadris ainda mais febrilmente, dançando agilmente, apontando sua bunda para eles. Ela não podia aguentar mais isso, ela disse, e tentou bater naquele bunda grande dele. Mas o negro era muito rápido e a mão dela acertou apenas o ar. Agora Harry caíra na gargalhada, batendo no sofá com sua mão direita. O negro riu também, todo seu corpo convulsionando. Logo ela foi deixada sozinha na sala de espera, exposta aos olhares reprovadores. Sempre que ela falava sobre isso, seus olhos ficavam um tanto selvagens e ela amaldiçoava o negro

Interessante notar que o narrador se refere à “bunda do negro”, enquanto que a personagem ao lembrar-se do negro, lembra-se de sua “bunda grande”. A escolha do verbo “cursed” é de determinação do próprio autor, pois o conto “The Silver Motorcycle” foi o primeiro conto japonês publicado em inglês e traduzido por meio das mãos do próprio autor japonês. Para esta observação, cabe-nos a luz de Molasky:

. Por exemplo, a literatura da época da ocupação frequentemente adota personagens brancos com nomes de personalidade distintas. Mesmo quando os brancos são retratados em abstrato, figuras bidimensionais, continuam aparecendo para simbolizar as forças de ocupação, Os Estados Unidos. “civilização ocidental”. O soldado negro raramente pode representar qualquer coisa, exceto a raça. Sua negritude exclui a ele da “alta civilização” do ocidente e lança uma sombra sobre qualquer qualidade pessoal diferente.

2. Conflito de Geração em “Bones”.

“Bones” escrito por Nakahara Shin possui duas personagens centrais, uma denominada “mulher tartaruga” e o trabalhador Kamakichi. A referência à tartaruga remete às “Turtlleback Tombs”, tumbas usadas pelos Okinawanos como refúgio da guerra; são uma representação da morte, pois os americanos lançavam bombas nas tumbas. A mulher tartaruga surge como representação da geração primeira em Okinawa em relação à guerra, das pessoas que a presenciaram. Kamakichi, um jovem, apesar de ter perdido o pai na guerra, possui uma percepção própria sobre a mudança em Okinawa. 
O conto todo se passa na propriedade da mulher tartaruga, que fora vendida pelo seu filho para a construção de um hotel. Ao mexerem no terreno, os trabalhadores descobrem uma cova com ossos humanos. A mulher terá que presenciar a derrubada da figueira plantada pelo seu pai para a construção do hotel, mas antes disso ao ajudar na retirada dos ossos, refletirá sobre a vida das pessoas que morreram, será responsável pela percepção nova que surgirá em Kamakichi e pelo retorno de suas lembranças de guerra. Isso ocorre no momento em que, ao retirarem os ossos da cova, Kamakichi ao lado da mulher a ouvirá balbuciando pensamentos sobre os mortos e sua preocupação com suas famílias e filhos. Um trecho relevante, diz respeito à visão Okinawana sobre os mortos:

"Inferno, o que importa de quem são os ossos? Todos morreram na grande batalha. Japoneses. Americanos. Homens. Mulheres. Mesmo os bebezinhos foram assassinados enquanto ainda eram amamentados pelos seios de suas mães. Nós os lançamos todos juntos neste grande poço"

Sobre a visão Okinawana, Huang Wen Lai em sua tese publicada pela Universidade de Masachussets em 2007, dirá que o turismo em Okinawa revela o neocolonialismo existente ali, o qual surge para continuar a oprimir os Okinawanos, os quais foram inseridos à nação Japonesa por meio da força no período Meiji, entregues aos americanos naquilo que Molasky denomina como “jogo imperialista” e que continuam subordinados ainda hoje. Ressalta também que para as velhas gerações de Okinawanos não importa a qual nacionalidade pertence os corpos. E considera que o conto possui cinco pontos principais a serem observados: perspectiva de gerações, história da guerra, resposta ao colonialismo, luta pela identidade cultural e desejo por paz. Essa luta pela identidade pode ser claramente observada no trecho a seguir:

Bom, chefe. Você está dizendo que irá derrubar a figueira? A quem você acha que ela pertence? Esta árvore foi plantada pelo meu pai. E mais, ela está possuída pelos espíritos das milhares de pessoas mortas. É nela que seus espíritos vivem. Você não possui nenhum senso comum? Embora Okinawa seja pequena em tamanho, é rica em cultura e história

No entanto, é sabido que esta busca pelo respeito à identidade por parte da mulher tartaruga não será respeitado e a árvore será cortada. Isso porque o “boom” imobiliário em Okinawa se deu de fato.

Cabe colocar também, aquilo Huang Wen Lai explicita em sua tese, que além de toda a situação de guerra, os ilhéus Okinawanos eram aconselhados pelos soldados da armada japonesa a se suicidarem. Às mulheres era dito que seriam estupradas e mortas caso fossem capturadas pelas forças americanas, fato também comprovado e levantado pelo Molasky, além da ideia de “autossacrifício” ou “harakiri” incutida pelo governo japonês e pela educação imperial como virtude, dessa maneira, não seriam mortos pela armada americana, porém morreriam dignamente pelo seu imperador. Para isto, usavam utensílios domésticos, veneno de rato, navalhas, enxadas, hastes de madeira etc. assim, os okinawanos matavam primeiramente as suas famílias e em seguida a si próprios.

2. Okinawa e a intelectualidade japonesa.

O Japão é constituído por minorias, todo aquele que não nasceu e não possui o seu sangue nascido no território, e de um habitante da Ilha Principal, já possui status de “diferente”; a questão sanguínea da visão japonesa sobre nacionalidade também é levantada por Molasky, ele a comparará com a visão da antiga Europa do Século XIX. Uma visão retrógrada, arcaica, ultrapassada e mesquinha sobre hierarquia de raças. Isto ocorre com os Dekasegis que são os havaianos, brasileiros e demais descendentes de japoneses oriundos de Okinawa, ou até mesmo da Ilha Principal, os quais foram “enxotados” do Japão, sob uma ideia de construção de vida digna com retorno estritamente exitoso, segundo recomendações do Governo Imperial. O mesmo ocorre com minorias de coreanos, chineses e até mesmo por pessoas que trabalham com empregos considerados subalternos. Esta explanação vai de encontro com “o Reino das diferenças” citado por Molasky.

Em seu projeto de alteridade, a Ilha Principal e seus intelectuais colaboraram para a ideia de uma Okinawa exótica, diferente, pois ali as mulheres caminhavam na praia com cestas de vegetais na cabeça e os homens vinham da pesca cantando, Molasky citará George Kerr, antropólogo que ressaltou esta realidade:

Em 1942, os Okinawanos formaram um grande grupo minoritário dentro das quarenta e sete prefeituras do Japão. O preconceito corroeu as relações de Okinawanos com Japoneses. Estudantes das Universidades e de escolas superiores no Japão ( da Ilha Principal) conheceram uma Okinawa referenciada com discriminação em termos desdenhosos. (Kerrl 958:459)

Ou seja, Okinawa sempre esteve, desde antes da entrega de seus territórios ao exército americano pelo Japão, em um status inferior de raça e de cultura segundo o ponto de vista japonês; estando a intelectualidade, a mídia e tudo subordinado ao Império – “via de regra” em um governo centralizador e arcaico - o Governo Imperialista Japonês, não hesitou em ser racista, esta consideração de Molasky e aquela considerações deste trabalho.

Considerações finais

Molasky dirá que a expressão “Reino de Ryukyu”, faz parte de uma nova cunhagem da escola governamental de Ryukyu, o que revela que entre os Okinawanos há a consciência de seu lugar como “japoneses” e como integrantes do mundo, só não é possível afirmar até que ponto e qual o alcance dessa informação em relação a todos os cidadãos de Okinawa.

Partindo de uma comparação da história do Brasil em relação à história de Okinawa é possível observar a semelhança existente na projeção imperialista, e da mesma maneira como Portugal agia como intermediário entre a real metrópole Inglaterra e a colônia Brasil, o Japão da Ilha Principal age como intermediário entre a relação de Okinawa com os EUA e o mundo. Aqui no Brasil, como é sabido historicamente, os EUA financiou a ditadura militar e não só aqui como em toda a América Latina. Os resultados oriundos da tirania americana sobre o mundo parecem ser semelhantes, os fenômenos que surgem como no Brasil, preconceito aos nordestinos, também imaginados como exóticos torna a afirmação evidente, aqui por intermédio de uma elite vendida e tirana e no Japão por meio da “elite” da Ilha Principal.

A análise nos permite considerar que tanto os okinawanos quanto os negros que vieram dos EUA na segunda guerra mundial estão aprisionados ao imperialismo do Japão. Cabe-nos uma campanha anti-imperialista mundial para denunciar todas as suas arbitrariedades. Os negros do Japão não podem continuar privados de sua história, papel que cumpre a mídia e a intelectualidade japonesa.

Referências

MOLASKY, Michael. The American Occuppation of Okinawa Literature and Memory. Asian’s transformation series. New York. 2009. 
TAIRA, Koji. Troubled national identity – The Ryukyuans/Okinawans 
Texto do curso: The stigma of okinawan identity in modern Japan
“Okinawans” em “Cultural Perspective on “Insider minorities
LAI , Huang- Wen .Tese “THE TURTLE WOMAN’S VOICES: MULTILINGUAL STRATEGIES OF RESISTANCE AND ASSIMILATION IN TAIWAN UNDER JAPANESE COLONIAL RULE”. Msachussetts University. 2007.

 

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