CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA
Por: Keyth P.
17 de Outubro de 2016

CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

Literatura

Há um tempo estou ensaiando para postar a respeito da Carta de Pero Vaz de Caminha... Tive que fazer um trabalho final na faculdade a respeito do tema, e simplesmente me deliciei.
Todos sabem, a carta é um documento que Caminha enviou para o rei de Portugal a respeito de suas impressões no encontro com os indígenas.
A leitura é simplesmente fenomenal, qualquer pessoa é capaz de saber que hoje a nossa cultura e os nossos costumes são uma mescla do que veio da Europa com os portugueses e afins, dos indígenas e dos negros africanos em primeira instância. Com o decorrer do tempo mais culturas se infiltraram e criaram o que somos hoje. Algo de que tenho orgulho, somos um povo mesclado, sem caráter no sentido de característica, topamos todos os dias com negros, loiros, ruivos, indígenas, amarelos, e tudo quanto é "tipo" de gente; além disso andar por São Paulo é um constante encontrar-se com a desigualdade social, basta descer da Paulista e ir até a Praça da República e qualquer ser humano conseguirá enxergar essas diferenças. A única coisa ruim em meio a isso, é que lidamos de uma forma bastante natural com toda essa diferença social, que infelizmente em sua grande maioria é o resultado de como não sabemos lidar com as diferenças étnicas.
Bom toda essa introdução, serviu para que se possa entender o que escrevi a respeito da carta.
A proposta era justamente esta, constratar as duas culturas, apresentar a impressão de cada um dos povos, as suas reações, as suas conclusões... Como foi interessante pensar sobre isso! Podia me enxergar nos dois povos, e pude ver como não tenho um caráter específico e por mais incrível que pareça isso me deixa MUITO feliz! Porque isso permite que lidemos com as diferenças obrigatóriamente, uma vez que infelizmente muitas pessoas ainda acreditam que elas existam. De qualquer forma problema delas! Terão que lidar para sempre com essa diversidade, só é ruim porque sabemos que existem as minorias vítimas do preconceito.
Sem mais delongas para quem quiser ler a carta na íntegra, segue um link para que possam lê-la:http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=552.
Ela claro é relativamente extensa, mas acredito que quem se esforçar e ler, poderá aprender muito sobre si mesmo, sobre o mundo em que vive e sobre sua origem.


Abaixo segue o meu trabalho da faculdade, que nada mais é do que as minhas impressões sobre a carta. Espero que gostem! Espero que leiam! Espero que pensem, espero que discordem, espero que criem interpretações novas, porque só assim como um todo se consegue chegar em algum lugar.
Leiam e identifiquem o que de vocês é indígena e o que de vocês é português rsrsrs.

Segue:

Pensando sobre o conceito de Godino de que descobrimento permite o “diálogo entre economias e culturas diferentes [...] (p.72), e por meio da análise da Carta de Pero Vaz de Caminha é possível contrastar diferentes aspectos entre a cultura dos portugueses europeus e a dos índios, diferentes formas que a humanidade pode se desenvolver e criar sua própria cultura isoladamente, e como de fato em continentes separados isso se deu.
A diferença entre os portugueses e os índios obviamente como já é sabido, existia porque a cultura européia já estava “desenvolvida” e mais “adiantada”, estavam descobrindo rotas de comércio, enquanto os índios sul-americanos viviam livremente e suficientemente para as suas necessidades com a natureza. Porém as maiores diferenças eram um tanto quanto mais tênues e complexas e não estavam apenas ligadas a fatores econômicos, mas sim aos costumes, à cultura, ao pensamento e a visão que cada um tinha do mundo, e até mesmo às suas limitações que se davam pela falta do conhecimento do outro.
Culturalmente a diferença é citada logo no início por Pero Vaz: “Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrisse as suas vergonhas” [...] (p. 23), esse primeiro choque cultural, já deixa clara a diferença existente em relação às crenças, pois os índios não possuíam a religião cristã, e evidentemente não seguiam os mesmos dogmas dos portugueses. Caminha mais adiante reconhece que os nativos sequer tinham noção de que a nudez era algo digno de reprovação para uma outra cultura, e muito menos que a nudez era algo vergonhoso: “Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto” [...] (p. 25); este fato atesta a questão do desenvolvimento humano que se deu de maneiras distintas entre os povos. Outra situação que demonstra a diferença entre visões de mundo se dá quando os dois índios entraram nas naus, Caminha cita: “ E eles entraram sem qualquer sinal de cortesia ou de desejo de dirigir-se ao Capitão ou a qualquer outra pessoa presente, em especial. Todavia, um deles fixou o olhar no colar do Capitão e começou a acenar para a terra e logo em seguida para o colar, como querendo dizer que ali havia ouro. Fixou igualmente um castiçal de prata e da mesma maneira acenava para a terra e logo em seguida para o colar, como querendo dizer que lá também houvesse prata.” [...] (p.25); não se pode dizer ao certo se a interpretação de Caminha em relação ao que o índio quis dizer estivesse completamente correta, mas percebe-se claramente que os conceitos em relação ao valor de tais metais eram totalmente opostos, pois se o índios atribuíssem o mesmo valor que os portugueses obviamente não o ofereciam tão facilmente, além disso o fato de os índios não demonstrarem reverência também demonstra que os índios não entendiam que ali havia um capitão que deveria ser tratado de maneira especial, e que em seus costumes tais formalidades talvez fossem dispensáveis; tal fato não quer dizer que os índios eram desrespeitosos, mas simplesmente que os conceitos de respeitabilidades também eram distintos. A simples análise da carta não nos permite saber o que significava hierarquia ou reverência para os índios, apenas nos permite ver a diferença a respeito do que isso significava para os lusitanos.
A distinção mais relevante que pode ser citada durante a análise da Carta de Pero Vaz de Caminha se dá em relação à aceitabilidade. Durante todo o contato feito, pouco se pode saber sobre o pensamento real dos indígenas, pois a carta apresenta apenas a visão dos “descobridores”; dos índios, o que se percebe é apenas a aceitabilidade, a qual serve como eixo de entendimento das diferenças existentes em relação aos portugueses. Eis um trecho da carta: “Traziam nas mãos arcos e setas. Vinham todos rapidamente em direção ao batel. Nicolau Coelho fez sinal que pousassem os arcos. E eles assim fizeram.” [...] (p.23), mais adiante no decorrer da carta Caminha narra o comportamento dos portugueses e suas atividades; após cumpri-las os portugueses voltavam para suas naus. A análise da aceitabilidade é ampla e se dá durante todo o estudo da carta e não apenas por trechos isolados, os portugueses por não conhecerem as gentes com quem estavam lidando mandaram um degredado fazer o primeiro contato real com os índios, e aquele foi e voltou das habitações indígenas. Os índios claramente não eram ignorantes, e sua primeira reação foi defensiva, porém logo que perceberam um sinal de “paz” eles acataram e se permitiram conhecer o outro povo; enquanto os portugueses “desconfiados”, por precaução, mandaram apenas um de seus homens coabitar com os índios e sempre retornavam as suas naus, sem tentarem uma aproximação mais aprofundada com os nativos. É claro que isso não nos permite dizer que os portugueses eram um povo pouco receptivo, mas é evidente que possuíam uma malícia que já havia sido adquirida por meio de contatos com outros povos anteriormente, essa é uma das atitudes lusas que contrasta com o eixo de aceitabilidade.
A receptividade indígena também é vista em momentos como o da missa, em que os índios presentes se prostraram diante da imagem da cruz, repetindo os gestos dos estrangeiros. Poder-se-ia pensar que os portugueses se julgavam melhores, mas a carta por si só não nos permite tal julgamento, permite apenas e é claro notar que os portugueses desejavam transpassar aquilo que de melhor acreditavam ter em relação as suas crenças como se pode perceber no trecho a seguir: “E o fato de Ele nos haver até aqui trazido, creio que não o foi sem causa. Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. Aprazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!” [...] (p.41). Essa pode ser considerada mais uma atitude lusitana, claro que não de forma cronológica, citada na carta contrastante com a aceitabilidade, não havia interesse dos portugueses em conhecer qual eram as crenças indígenas, aliás eles julgaram que estes não as possuíam: “Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências.”; apesar de as aparências não revelarem muito sobre este tema, também não houve grandes esforços para se entender, ao menos em primeira instância.
Outro trecho interessante da carta e que vai de encontro a questão da aceitação, é o quando Caminha descreve o índio ajudando os portugueses, e ajudando com prazer: “E trabalhavam como os nossos, tomando nisso grande prazer”. É claro que seria algo um tanto quanto desnecessário os portugueses serem prestativos para com os indígenas, pois não conheciam a sua forma de vida, mas essa servidão indígena certamente não era algo comum entre todos os povos que se encontravam. Claro que o indígena não era um ser superior, elevado por essas atitudes, todas elas estavam atreladas aos seus interesses também, mas isso é algo que pouco pode se notar, a não ser nos momentos em que Caminha cita os índios pedindo algo em troca: “Próximos dele lançavam os barris que nós pegávamos e depois pediam que lhes dessem alguma coisa por isso” [...] (p.27). Infelizmente a carta não nos permite dizer se havia interesse nessa servidão, interesse a longo prazo, como era o caso dos portugueses, nós apenas conseguimos enxergar a visão européia que claramente estava cheia de intenções como o próprio Caminha diz: “ Depois tirou-as e com elas envolveu os braços e acenava para a terra e logo para as contas e para o colocar do Capitão, como querendo dizer que dariam ouro por aquilo. Nós assim o traduzíamos porque esse era o nosso maior desejo...” [...] (p.26).
Em síntese essa breve análise não permite analisar pormenorizadamente a complexidade da Carta de Pero Vaz de Caminha muitos outros trechos poderiam ser citados e ilustrar muitas outras questões, o que se tentou foi em primeira instância analisar as questões culturais mais relevantes, e em seguida diferenciar as atitudes dos povos que se encontravam por meio do eixo de aceitabilidade indígena, pois como a carta possui uma visão unilateral, pode-se apenas ter resquícios e pouco pode se afirmar quanto as intenções reais indígenas, a não ser pelo que o próprio Pero Vaz de Caminha enxerga. Dizer que os indígenas eram inocentes ou ingênuos, e que os europeus eram maus e queriam apenas explorar, também não é algo que a carta nos permite dizer, tal interpretação seria parcial, e necessitaria de dados históricos para ser feita. Enfim, claramente a diferença entra as duas culturas era evidente, mas essa análise não apontou o que seria positivo ou negativo, pois tal julgamento seria baseado em uma visão contemporânea e não poderia suprir a complexidade dos fatos históricos, e muito menos a cultura daquela época.

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