Dia do índio: dia de quem?
Por: Keyth P.
12 de Julho de 2017

Dia do índio: dia de quem?

Antropologia Ensino Fundamental Política Autores

Segundo aprendemos na pré-escola ou mesmo no início do ensino fundamental, índios são aqueles de pele morena, com cabelos pretos e lisos. Mas não é apenas isso que está implícito quando uma cultura ancestral que foi apagada é lembrada apenas no dia 19 de abril, enquanto estamos na infância, com desenhos para serem pintados de verde e bege; ou mesmo com cocares para serem construídos e "danças da chuva" para serem representadas como se o índio fosse este elemento folclórico e mágico. Parece bonito, mas este indígena tem o seu lugar.

Além do dia comemorado apenas enquanto somos crianças, o lugar do indígena é aquele do desenho no papel, em meio à floresta e principalmente em um passado remoto da formação do Brasil. Nada se fala sobre as comunidades que ainda hoje insistem em resistir sem demarcação de suas terras e sem nenhum apoio do estado. O índio então se torna este ser mitológico que fica em nossas lembranças e em nossos desenhos escolares ou nestas comunidades longínquas.

Quando se carrega a aparência descrita na carta de Pero Vaz de Caminha sobre os indígenas o que se ouve são frases como: "Você parece uma índia!", "Seu cabelo é de índio". É interessante notar que nunca se diz: "Você é índio". Por que será? Por que todas as falas indicam que você pode parecer, mas não ser índio? Estima-se que no Brasil, antes de 1500 havia entre 4 e 5 milhões de habitantes nesta terra. No último censo o IBGE disse que os indígenas em todo o Brasil são 817.963. Em porcentagem, isso significa dizer que apenas 0,5% da população brasileira é indígena, ou em cada mil brasileiros, apenas cinco são índios. Será isso verdade? Não seriam esses números um reflexo do apagamento histórico da identidade indígena? Será que não tem muito mais pessoas que poderiam se declarar indígena ainda hoje no Brasil?

Obviamente não se nega o que foi o extermínio das diversas culturas e povos que aqui estavam e que se dividiam em suas nações. A quantidade de mortos é incontável, mas junto com a morte dos corpos houve também a morte de uma cultura gradativamente. Resta-nos a pergunta: O que é ser índio no Brasil? Essa é uma pergunta interessante, pois como pouco se fala sobre os indígenas, o que fica no senso comum é que índios são aqueles que residem em comunidades isoladas, no meio da floresta, e falam uma língua diferente. Mas será que é apenas isso ou será que houve no decorrer dos últimos séculos um apagamento generalizado do que seria a cultura indígena? Se recorrermos à história veremos que foi Marquês de Pombal, em 1759, quem proibiu o ensino de tupi no Brasil. O tupi era a língua falada em toda a costa brasileira quando os portugueses chegaram ao Brasil. Para fortalecer o controle português, Pombal agiu no cerne do que foi o apagamento de nossa identidade histórica: o extermínio de nossa primeira língua.

Quando estudamos a ciência das línguas aprendemos que a nossa língua, sem deixar de lado a interação e a realidade social imediata, como a classe a que pertencemos, estrutura o nosso pensamento. Antes de Pombal todos aprendiam tupi: portugueses, índios e negros. Quando houve a proibição do ensino de tupi houve também uma mudança significativa na forma como o pensamento se estruturava dentro da mente de cada brasileiro. Pensando que a língua molda o nosso pensamento, o que seria pensarmos sem as palavras "meu, minha, seu, sua, teu, tua,"? Em tupi, essas palavras só podiam ser usadas em relação a determinados nomes ou substantivos, enquanto outros eram "impossuíveis". Por exemplo, não existe tradução para o tupi o conceito de "minha árvore", porque não se pode possuir elementos da natureza. Ou seja, até poderia se dizer "minha mão", mas apenas porque faz parte de um corpo. Não se diz somente "mão", porque o nome ou substantivo "mão" está relacionado a um corpo.

A relação que aqueles índios tinham com as coisas é bastante interessante e podemos ver que uma pequena diferença na língua já nos remete a um imaginário que parece perdido no tempo. Quando voltamos às nossas raízes conseguimos descobrir muito de nós mesmos e agregar muito mais elementos à nossa subjetividade. Apesar do apagamento ainda há alguns resquícios que nos permitem fazer esse retorno. Mesmo com a proibição da língua, ficaram alguns termos vivos em nossa toponímia (nome de lugares) como Ipanema que significa "rio azarado" ou "rio que não dá peixes; Ibirapuera que significa "árvore que morreu", Itaipu como "rio barulhento das pedras". Mas não é apenas nos nomes de lugares que o tupi vive. Está também em verbos que foram criados como socar, que vem do tupi "sok" que é o ato de bater em algum objeto. Veja, muito se tem a descobrir sobre nossa cultura ancestral.

Mas deixando de lado um pouco as curiosidades e voltando à política continuemos a pensar, se todos os índios que existiam deixaram de falar a língua tupi e começaram a falar português, por isso deixaram de ser índios? Quais outros elementos contribuíram para que hoje a população brasileira se enxergue como parda e não como indígena ou negra? Quem seria essa massa de pardos, que segundo o IBGE são 45,1% da população? Interessante notar que o termo pardo anula completamente a identidade e a cultura, pois cria uma "raça" sem história. Qual a história dos pardos? Alguém sabe?

Esse apagamento que se dá na nossa identificação é protegida e reproduzida pelos departamentos mais avançados da intelectualidade, nas salas de aula da Universidade de São Paulo, quando se estuda a cultura indígena a partir de autores como Rousseau e Gilberto Freyre. Para o filósofo Rousseau, o índio teria um estado de natureza em que se é originalmente bom. Note que pensar isso fez com que fosse legitimada a colonização e o apagamento da cultura indígena, pois segundo esse pensamento nem existe cultura indígena.

Mas, segundo teorias que viriam posteriormente e que têm como base esse filósofo, o índio não é só cordial e bom, é também biologicamente inferior. De acordo com Gilberto Freyre, por exemplo, o índio possui seus órgãos genitais masculinos não perfeitos. Por isso, segundo ele as índias tinham preferência pelos homens brancos, e se entregavam de boa vontade. Ainda segundo Freyre, essas relações que se sabem hoje na verdade ter sido estupros, eram fruto da necessidade dos homens brancos, que por não encontrarem mulheres brancas acabavam se vendo obrigados a se relacionar com as índias. E também, logo na primeira geração de filhos de índias com portugueses, a miscigenação criava uma raça de mestiços, que já não eram mais brancos nem índios. O mesmo acontecia com as misturas envolvendo negros, e assim surgem as definições de mamelucos, cafuzos, caboclos. É uma visão puramente biológica da questão racial, que não leva em conta a carga cultural que carregamos.

É justamente por esse foco no lado biológico que hoje mais de 45% da população se considera parda, uma definição vazia historicamente, e não indígena ou negra. Trata-se de um ato político criminoso que se perpetua e se naturalizou. Refletir sobre tudo isto levanta diversas questões. Uma delas é justamente o motivo pelo qual apenas 0,5% da população é reconhecida como indígena, porque não se diz na pesquisa no IBGE sobre qualquer pessoa no Brasil que queira se declarar indígena independentemente de ter ou não traços indígenas. Isto porque a fim de continuar suprimindo nossa cultura ancestral, a discussão paira apenas naquilo que já foi dito anteriormente: índio é aquele que está naquela comunidade longínqua. Este discurso não é ingênuo e visa perpetuar o apagamento de nossa cultura e o índio então deve continuar no seu lugar, na floresta. Isso é absurdo porque seria continuar perpetuando a ideia do bom selvagem, ser animalesco de Rousseau, então incapaz de pensar política ou fazer parte de nossa organização social atual.

Por isso tudo, é essencial o resgate da cultura indígena, não para um utópico retorno a um mundo anterior à colonização, mas para a valorização de nossa identidade que tanto nos é negada. Fica a pergunta, caro leitor, seria você um indígena?

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Keyth P.
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Graduação: Letras - Português (Universidade de São Paulo (USP))
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