Brasil: vários interprétes
em 07 de Março de 2019
1. Considerações iniciais
“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.”
Milton Santos
As primeiras manifestações do Direito foram orais, não codificadas, fato possível pois as normas estavam enraizadas nas tradições e costumes daquelas sociedades. Embora hoje as normas de conduta social estejam compiladas em códigos escritos, possuir embasamento sociocultural é essencial para que sejam de fato obedecidas.
No Brasil, por exemplo, possuímos inúmeras leis que não são colocadas práticas – sequer são conhecidas – exatamente por não possuírem respaldo sociocultural e, dessa forma, não possuírem legitimação.
O relativo insucesso dos direitos humanos, maior no século XVIII e menor no século XX, está relacionado a esse respaldo nas tradições e costumes as quais, por sua vez, são determinadas pelo contexto em que tais declarações foram elaboradas.
2. A Declaração de Independência
Elaborada em 1776, no declarado independente Estados Unidos da América, essa declaração coloca como preceitos principais “a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”. Possui como objetivo principal, como seu próprio nome evidencia, declarar a independência das Treze Colônias, sendo a questão dos direitos subsidiária.
Esse objetivo pode ser confirmado pelo caráter de manifesto do documento, principalmente com relação as injustiças praticadas pelo rei da Grã-Bretanha, o que é visto nos vários parágrafos iniciados por “Ele” onde várias posturas do monarca são severamente criticadas.
Além disso, a declaração quando se propõe a tratar de direito, trata dos direitos do homem, e não de direitos humanos, já que exclui ,explicitamente, os índios dessa demanda. Por fim, há uma apelação à religiosidade – mas não à religião – como por exemplo na expressão “Juiz Supremo do Mundo” usada na declaração.
3. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
Compilada em 1789, durante a Assembleia Nacional da Revolução Francesa, tem como princípios igualdade, liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Embora o início da declaração tenha tom de manifesto, o restante do documento possui ênfase nos direitos, sendo nesse sentido intermediária em relação 1776 (manifesto) e 1948 (direitos).
Por um lado possui semelhanças com a Declaração de Independência, por apelar à religiosidade (“Ser Supremo”) e enfatizar a soberania da nação. Por outro lado se assemelha a Declaração Universal dos Direitos Humanos, devido a certa sistematização jurídica – o que é aprofundado em 1948 – e por abordar outros ramos das ciências jurídicas, como o Direito Penal.
4. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Por fim, em 1948 , após duas guerras mundiais, a recém-criada Organização das Nações Unidas elabora essa declaração que começa enfatizando a liberdade, a justiça (conceito mais amplo e inclusivo que a igualdade) e a paz no mundo. Em seu preâmbulo estabelece o enfoque principal nos Direitos Humanos e no Estado de Direito.
Além disso, possui como grande diferença em relação 1776 e 1789 a sistematização jurídica e o aprofundamento temático. Com relação a sistematização é organizada em artigos abordando, além dos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, os direitos e garantias fundamentais e o sistema de liberdades. Já com relação ao aprofundamento, outros temas são abordados como por exemplo as questões trabalhistas (artigo 23).
Outra diferença entre a declaração de 1948 e as de 1776 e 1789 diz respeito a relativa abstração daquela ante a total abstração dessas, no que diz respeito a abordagem de direitos ao longo do texto.
Ademais, embora as três possuam como ponto comum a ausência de meios coercitivos, há um fator específico no que diz respeito a Declaração da ONU. Quando um país entra para tal organização, automaticamente assina o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (de Haia) entrando para a jurisdição dessa. Dessarte, embora o referido Tribunal não possa se sobrepor a soberania dos países que estão sob sua jurisdição, sua existência já representa uma certa coercibilidade para a obediência dos direitos humanos e internacionais.
5. Conclusão
Através da análise dos três documentos notamos um relativo avanço de 1948 perante os demais, porém não podemos esquecer que mais de um século e meio separa tais documentos e, consequentemente, diversos acontecimentos deram sustentação para uma declaração mais consistente sobre o tema dos direitos humanos em 1948.
Mesmo assim, sabendo dos genocídios, escravidão contemporânea e diversas outras atrocidades que ocorrem nos dias de hoje, vemos a necessidade de contínuos avanços nos direitos humanos, tanto teóricos e, principalmente, práticos.