O piano romântico
Por: Daniel P.
14 de Outubro de 2020

O piano romântico

Diferentes toques para diferentes sons

Piano Intermediário Erudito Avançado Clássica Aperfeiçoamento

Nós pianistas temos o toque como matéria prima da construção sonora. Passamos grande parte do nosso tempo aperfeiçoando o toque em busca de qualidade, variedade e consistência sonora, tudo através do toque. É fato que a concepção artística da obra ocorre mentalmente de forma mais internalizada e é um processo que exige familiaridade com o repertório e questões estilísticas, mas é através do toque que nós, como intérpretes, conseguimos traduzir a imagem mental para a execução e enfim transmiti-la para o ouvinte. 

A variedade de toque vai além das diferentes articulações indicadas na partitura: legatostaccatoportatonon legatocantabile, etc. Ela é essencial para destacar uma parte, construir diferentes planos sonoros, criar atmosferas

Na escrita pianística do período romântico é comum encontrarmos obras estruturadas em melodia no soprano, melodia no baixo e acompanhamento central. Quando tocamos obras do período clássico, geralmente há uma melodia principal, executada pela mão direita e acompanhamento na mão esquerda. Durante o romantismo, os compositores expandiram este conceito acrescentando outras linhas melódicas, modificando o acompanhamento e experimentando novos efeitos através do uso do pedal. Parte destas inovações na escrita devem-se ao desenvolvimento do instrumento que, durante o romantismo, aumentou em potência e extensão sonora e inspirou compositores a explorar novas possibilidades.

Vejamos alguns exemplos:

Franz Schubert – Improviso op. 90 no 3 em sol bemol maior de

Como exemplo deste tipo de escrita temos o Improviso op. 90 no 3 em sol bemol maior do compositor Franz Schubert (1797-1828). Assista à performance do pianista Vladimir Horowitz (1903-1989) abaixo:

Partitura completa aqui.

A obra contém 4 partes dispostas da seguinte maneira:

Franz Schubert, Improviso op. 90 no 3 em sol bemol maior, p. 23, compassos 1-4, Munich: G. Henle Verlag, 1948.

Característico da escrita do período, a mão direita não executa melodia apenas e também é responsável pelo acompanhamento. Musicalmente, sempre devemos destacar a melodia, isto é, escolher um toque que faça com que as notas ressoem ao máximo. Neste caso, um toque onde o dedo tem respaldo da mão e antebraço. Alguns alunos, ao ouvirem que precisam dar destaque à melodia, tendem a exagerar na dinâmica tentando executar a melodia mais forte que o acompanhamento. Esta é uma estratégia bastante válida mas não tão eficaz neste caso. Uma melhor abordagem seria distinguir a melodia do acompanhamento com toques diferentes, um toque fundo e apoiado para a melodia e um toque leve, sotto voce – sussurrando, para o acompanhamento. Uma das formas de alcançar este efeito é estudar lentamente apoiando o braço nas notas longas e tocando as notas do acompanhamento em staccato. Ao acelerar o andamento e adicionar o pedal é possível perceber os diferentes planos sonoros.

Na imagem abaixo, a parte da mão esquerda incorpora trechos de interesse melódico que devem ser levados em consideração. No geral, uma estratégia de estudo é imaginar quatro planos sonoros diferentes dando preferência para as vozes externas, soprano e baixo, isto é, um toque mais fundo e apoiado, mas esta hierarquia de planos não é lei para a execução do começo ao fim, destacamos um plano ou outro conforme novas linhas de interesse melódico aparecem.

Franz Schubert, Improviso op. 90 no 3 em sol bemol maior, p. 25, compassos 25-28, Munich: G. Henle Verlag, 1948.

Robert Schumann – Sobre Terras e Pessoas Estranhas op. 15 no 1

O uso de um acorde arpejado como acompanhamento também é frequente na obra do compositor Robert Schumann (1810-1856).

Acompanhe a interpretação da pianista Martha Argerich (1941):

Você encontra a partitura completa aqui.

Diferente do Improviso de Schubert, no exemplo abaixo, o compositor dividiu entre as mãos as notas do acompanhamento, desta forma a mão direita fica responsável pela melodia do soprano e por parte do acompanhamento e a mão esquerda pela linha do baixo e parte do acompanhamento

Robert Schumann op. 15 no 1, compassos 1-8, Columbia, SC: Richard Johnson Editions, 2010.

Na segunda parte da peça, quando a linha do baixo apresenta o mesmo desenho rítmico usado linha do soprano da primeira parte o acompanhamento continua sendo dividido por ambas as mãos. Como estratégia de estudo, o ideal é estudar separadamente cada parte, a linha do soprano, a linha do baixo e os arpejos. A dificuldade deste tipo de escrita é manter todas as partes independentes e claras enquanto damos destaque às linhas do soprano e do baixo, novamente são três planos sonoros que devemos criar. Tecnicamente, em fase de estudo é bom lembrar de manter os polegares relaxados para não criar acentos indesejados.

Robert Schumann op. 15 no 1, compassos 9-13, Columbia, SC: Richard Johnson Editions, 2010.

Felix Mendelssohn Bartholdy – Canções sem palavras op. 19 no 1

Também encontramos a mesma técnica de acompanhamento na obra de Mendelssohn (1809-1847). Ouça abaixo a interpretação do pianista András Schiff da Canção sem palavra op. 19 no 1:

partitura completa do op. 19 aqui

A obra começa com uma curta introdução com uma linha do baixo tocada pela mão esquerda, e um acompanhamento arpejado executado pela mão direita. Logo no terceiro compasso, o acompanhamento é dividido entre ambas as mãos quando a linha do soprano é introduzida com a melodia principal.

Felix Mendelssohn Bartholdy, Canções sem palavras op. 19 no 1, compasos 1-7, Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1968.

Quando ambas as mão tocam notas longas é mais fácil de executar o acompanhamento, contudo, em algumas partes, como no exemplo abaixo, onde a melodia do soprano está escrita em colcheias, é necessário mais atenção.

Felix Mendelssohn Bartholdy, Canções sem palavras op. 19 no 1, compassos 22-27, Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1968.

Este estilo de escrita em três partes é bastante comum do período romântico, presente na obra de diversos compositores que não foram exemplificados neste post, mas não é exclusivo do mesmo. Encontramos exemplos deste tipo de textura em obras de Beethoven, no segundo movimento da “Sonata ao luar”, por exemplo, a mão direita é responsável pela melodia e pelo acompanhamento. O importante é ter em mente quantos planos sonoros estamos tentando construir e utilizar ferramentas da nossa técnica: diferentes tipos de toque, mais ou menos peso, etc., para atingir este tipo de concepção sonora.

Se você leu até aqui, obrigado!

Comentários e sugestões são sempre bem-vindos!

Daniel

Foto da capa: créditos

Texto original: https://danielpadovanpiano.wordpress.com/2020/10/14/o-piano-romantico/

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