
Bacharelado x Licenciatura

em 25 de Maio de 2018
Em primeiro lugar, quero deixar claro que como homem branco, não pretendo roubar o local de fala de mulheres e mulheres negras a respeito do tema, ou seja, elas, diferentemente de mim, possuem muito mais propriedade para falar a respeito do assunto do que eu, entretanto, estudando as estatísticas de violência contra mulheres, a diferença entre a vitimização (não confundir esse termo com a expressão pejorativa 'vitimismo'; vitimização aqui possui o sentido de torna-se vítima de algo, no caso, violência de gênero) entre as mulheres negras e brancas serem distintas serem diferentes, foi um fato que me chamou a atenção. Dados de 2016 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que enquanto os assassinatos de mulheres negras no período 2006-2016 aumentou 15%, o de mulheres não negras diminuiu 8%.
De forma alguma isso significa que as mulheres não negras não sejam assassinadas, só que aqui revela-se algo que vem desde do período colonial, que é a desvalorização da vida de mulheres negras e 'pardas' (Coloquei entre aspas por conta do termo ser controverso entre as feministas negras e o próprio Movimento Negro) ou mulheres pretas, conforme termo cunhado pelo IBGE , nas mãos dos homens. Sabemos que desde do período colonial, os senhores de engenho estupravam as escravas , enquanto, por outro lado, elas também eram vítimas das esposas dos senhores, em termos de torturas físicas. As representações racistas da época e que ainda estão fortemente presentes hoje, nas quais consideravam a mulher negra como um pedaço de carne, desprovida de vontades, a meu ver, contribuiu fortemente para isso e ainda contribui. Não por acaso que ainda conforme relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as maiores vítimas de assédio são as mulheres negras, o que demonstra que , o homem ainda vê a negra como um 'objeto sexual' (sic).
Sobre a utilização do termo 'branco' e 'homem branco': É muito frequente a idéia de que quando comenta-se algo a respeito do racismo, estejam generalizando a população branca, mas, é evidente que nem todo homem é assediador e nem todo branco é racista, porém , tanto o machismo quanto o racismo são estruturais, ou seja, constituíram a base da nossa sociedade desde o período colonial, e que, os beneficiados com isso são maiormente os homens brancos, portanto, é necessário entender que a utilização desses termos generalizantes não é expressão de racismo inverso ou misandria, e sim, representação da realidade. Como podemos, enquanto homens brancos tentar alterar isso? Escutando a população negra a respeito do racismo e as mulheres brancas e negras a respeito do racismo, modificando nosso comportamento e, não sendo conivente com amigos e conhecidos com comportamentos racistas e misóginos e muito menos com colegas agressores.
Voltando ao tema , a forma de extermínio do corpo negro , ou genocídio do povo negro, conforme termo utilizado por Abdias do Nascimento em seu livro 'O Genocídio do Povo Negro', e que encontra forte utilização no movimento negro, modificou-se um pouco. O homem negro é vítima sobretudo por partes de agentes do Estado, em áreas públicas, enquanto a mulher negra é mais vitimizada no espaço privado. Se compararmos com os homens brancos e mulheres brancas, essa diferenciação de espaço onde o corpo do indivíduo sofre alguma violência se dá de forma idêntica, com a 'pequena' diferença de que homens brancos, em geral, não são vítimas do Estado, e quando o são, há um outro elemento: classe social, enquanto negros e negras sofrem diretamente com o racismo estrutural, seja em ações policiais ou mesmo em hospitais quando há a recusa de oferecer anestesia para gestantes negras porque supostamente aguentariam a dor.
Nesse último caso, é um exemplo das mulheres sendo vítimas no espaço público, ou seja, do racismo estrutural e institucional, e é outro caso, no qual, os estereótipos prejudicam as mulheres negras. Além disso revelam que violência de gênero não é apenas a violência doméstica.
Quis evitar entrar no aspecto causal sobre o motivo das mulheres negras sofrerem maiormente com a violência de gênero, o foco aqui é tentar passar a ideia de que estereótipos e discursos disfarçados sobre piadas não são meramente piadas, não são inofensivos, mas, possuem uma carga ideológica muito forte, que contribui para a perpetuação do racismo e do sexismo estrutural, e, vitimiza mulheres todos os dias.
Algo estrutural não é derrubado da noite para o dia, e essa luta - para derrubar a ordem patriarcal e racista- não deve ser liderada pelos homens, mas sim , pelas mulheres (em relação ao machismo) e negros (em relação ao racismo), porém , o que nós, que não sofremos com essa estrutura podemos fazer é justamente escutá-los, e, especialmente, entre outros homens brancos, reprimir discursos que 'violentam' a existência do outro.
Liberdade de expressão é algo fundamental sim , porém, quando ela está fundada sobre a dor de outro (LGBTs, Mulheres, Negros...) , acaba sendo algo raso. Discordâncias fazem parte, desde que com argumentos e não com sátiras.
Por último, ensinar a respeitar o outro não é doutrinação, é apenas a tentativa de criar uma sociedade melhor. O mundo seria muito melhor se as pessoas se preocupassem mais com suas próprias vidas e em desenvolver a sociedade do que com o que o outro é/faz ou deixa de ser/fazer (Não me refiro nesse último ponto a coisas ilegais por lei, evidentemente, pois, nesse caso , o indivíduo está prejudicando o coletivo, o que também não é válido).