A felicidade como proposta de movimento
em 12 de Janeiro de 2021
ANÁLISE INTERPRETATIVA: A CASA ONDE ÀS VEZES REGRESSO
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
Durmo no mar, durmo ao lado do meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
Tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
INTERPRETAÇÃO
A casa, talvez seja, uma referência a própria existência, como sendo o lugar, onde guardo o mais íntimo do que sou; sendo assim, os dois substantivos “manhã" e “noite”, seriam alusões a um período da vida, quando jovem e a idade madura. Esse ciclo do dia fazendo uma menção a brevidade da vida, sua rapidez, e também, a manhã como a claridade das oportunidades, das ideias, momento na vida onde se tornam mais adequa as escolhas; seguindo para a noite, onde me aproximo da morte, e desfruto das escolhas em que obtive pela manhã. A casa está acompanhada por um artigo definido (a), o que coloca como sendo uma realidade bem conhecida e pré-estabelecida. O regresso, talvez, seja na memória, sua realidade (distante) atual é bem diferente da qual, de alguma forma, ele vivenciou em sua vida mais jovem.
A chuva, pode ser uma metáfora, para uma vida em lágrimas; esse sofrimento perdura “há muitos anos”, tamanha é sua constância que as lágrimas “tomou o lugar de tudo”, ao ponto do poeta se sentir em meio ao “mar”. Ele é alguém que tem alguns recursos (baldes) para de alguma forma, tentar burlar ou apaziguar essa dor, esses “baldes” servem para tirar água que se acumulam, e assim, possibilita continuar vivendo, o que seria impossível dentro de um “mar”. Não são recursos (baldes) aleatórios, qualquer, mas, recursos específicos, ao qual o autor tem um apreço singular, usados em momentos específicos, pois são como “vasos guardados”, sua concretude e aproximação são destacados como “estes”.
Seu sofrimento se intensifica no final do dia, após guardar, novamente, “os vasos”, quando se aproxima o momento de dormir, momento esse, preferível para nossas reflexões; porém, não vive em solidão, está acompanhado do pai, aqui talvez, uma referência ao “Pai celestial”, o autor é um vocacionado, foi chamado ao dom do celibato, a viver como um presbítero da Igreja. Essa foi a trilha que ele ingressou, como “uma viagem”. Essa viagem se dá "entre as mãos e o furor: "as mãos" como símbolo da missão, daquilo ao qual foi comissionado e se engajou na jornada; o furor, como sendo, a realidade angustiante em que vive ao longo dos anos, pois de alguma forma não tem mais “tempo” para reparar sua escolha. O seu corpo é a figura máxima de sua escolha, representada pelo celibato, um corpo privado do matrimônio, esse corpo “a noite abate-se fechada”.
O poema termina com uma espécie de arrependimento, sua lamuria está na falta que o tempo não mais te propõe (tivesse ainda tempo), e o desejo não realizado, pois a vontade de entregar o "coração" foi suprimida pela sua realidade. A última estrofe, parece está, diante de sua oportunidade perdida, e ao olhar em seus olhos, diz: “tivesse ainda tempo e entregava-te o coração”.
Eliabe Simplicio