Direito à cidade
em 18 de Dezembro de 2019
O preconceito linguístico e seus efeitos em discussão no Brasil
Poliglotismo nacional
A língua é um dos principais instrumentos que sustentam a vida em sociedade, já que é responsável pela comunicação e interação entre os indivíduos. No entanto, ela também pode atuar de maneira negativa, sendo uma das ferramentas de segregação social. O preconceito linguístico, no Brasil, é muito evidente e, por isso, é preciso entender que há diversas variantes na língua, e uma não deveria ser mais prestigiada em relação às demais.
Em primeiro lugar, é importante destacar que, embora todos os brasileiros sejam falantes da Língua Portuguesa, ela apresenta diversas particularidades no contexto regional, etário, social e histórico. Isso significa que a linguagem está em constante transformação, e os responsáveis pelas mudanças são os próprios falantes, independente de classe social ou nível de escolaridade. Nesse sentido, não se deve desconsiderar a gramática normativa e suas regras, já que ela serve como base para o sustento do idioma, mas sim admitir que todas as variações são inerentes à língua.
Além disso, é evidente que o fato de existir uma variante padrão faz com que as demais sejam desprestigiadas, gerando o preconceito linguístico. Esse tipo de preconceito – pouco discutido no Brasil – acentua ainda mais a desigualdade social no país, pois a língua está totalmente ligada à estrutura e aos valores da sociedade, e os falantes da norma culta são aqueles que apresentam maior nível de escolaridade e poder aquisitivo. Os indivíduos que sofrem discriminação linguística tendem a desenvolver problemas de sociabilidade e, até mesmo, psicológicos.
Fica claro, portanto, que a língua é um fator decisivo na exclusão social. Por isso, o preconceito linguístico deve ser admitido e combatido. Primeiramente, as escolas deveriam fazer uma abordagem mais aprofundada sobre esse tema, além de ensinar, nas aulas de Português, todas as variantes existentes na língua. A mídia deveria parar de estereotipar os personagens de acordo com a sua maneira de falar e poderia investir em campanhas que ajudem a desconstruir o preconceito linguístico. Afinal, ser um “bom” falante é ser poliglota na própria língua.
Discussão bastante interessante no Hora do ENEM
https://www.youtube.com/watch?v=Nh2YdkoNDEg
Não existe homem sem língua. Mesmo as pessoas com deficiências diversas adotam um sistema de comunicação. Quem é surdo, por exemplo, usa a linguagem de sinais. Sendo assim, não existe razão para que tenhamos preconceito com relação a qualquer variedade linguística diferente da nossa. Preconceito linguístico é o julgamento depreciativo, desrespeitoso, jocoso e, consequentemente, humilhante da fala do outro ou da própria fala. O problema maior é que as variedades mais sujeitas a esse tipo de preconceito são, normalmente, as com características associadas a grupos de menos prestígio na escala social ou a comunidades da área rural ou do interior. Historicamente, isso ocorre pelo sentimento e pelo comportamento de superioridade dos grupos vistos como mais privilegiados, econômica e socialmente.
Então, há críticas negativas em relação, por exemplo, à falta de concordância verbal ou nominal (As coisa tá muito cara); ao “r” no lugar do “l” (Framengo); à presença do gerúndio no lugar do infinitivo (Eu vô tá verificano); ao “r” chamado de caipira, característico da fala de amplas áreas mineiras, paulistas, goianas, mato-grossenses e paranaenses – em franca expansão, embora sua extinção tenha sido prevista por linguistas. Depreciando-se a língua, deprecia-se o indivíduo, sua identidade, sua forma de ver o mundo.
O preconceito linguístico – o mais sutil de todos eles – atinge um dos mais nobres legados do homem, que é o domínio de uma língua. Exercer isso é retirar o direito de fala de milhares de pessoas que se exprimem em formas sem prestígio social. Não quero dizer com isso que não temos o direito de gostar mais, ou menos, do falar de uma região ou de outra, do falar de um grupo social ou de outro. O que afirmo e até enfatizo é que ninguém tem o direito de humilhar o outro pela forma de falar. Ninguém tem o direito de exercer assédio linguístico. Ninguém tem o direito de causar constrangimento ao seu semelhante pela forma de falar.
A Constituição brasileira estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Sendo assim, interpreto eu que qualquer pessoa que for vítima de preconceito linguístico pode buscar a lei maior da nação para se defender. Até porque, sob essa ótica, o preconceito linguístico se configura como um tratamento desumano e degradante – uma tortura moral. Se necessário for, poderíamos até propor uma lei específica contra esse tipo de preconceito, apenas para ficar mais claro que qualquer pessoa tem o direito de buscar a justiça quando for vítima de qualquer iniciativa contra o seu modo de se expressar.
Sei que muitos devem achar que isso é bobagem, que todos devem deixar de falar errado. Mas todo mundo tem direito de se expressar, sem constrangimento, na forma em que é senhor, em que tem fluência, em que é capaz de expressar seus sentimentos, de persuadir, de manifestar seus conhecimentos. Enfim, de falar a sua língua ou a sua variante dela.