Em Busca do Paraíso Perdido
Por: Jeanne C.
03 de Dezembro de 2018

Em Busca do Paraíso Perdido

o Brasil no imaginário europeu na época das Grandes Navegações

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Sempre que falamos sobre a vinda de europeus para o território americano, pensamos nas motivações econômicas deles. Mas, o que será que eles imaginavam que iam encontrar do outro lado do oceano Atlântico? 

Um Paraíso Perdido

Cristovão Colombo tinha suas próprias idéias sobre as terras que tinha descoberto. Eram as Índias de Marco Polo e de outros exploradores. Hoje a gente ri disso mas ele não foi o único. O imaginário europeu da época era rico em relatos de viagens fantásticas a terras longínquas e se interpretava o novo de acordo com ideias pre-concebidas. Colombo, por exemplo, lia obras como o Livro das Maravilhas de Mandeville e a Imago Mundi do Cardeal d’Ailly. Viagens, de Mandeville foi baseado em textos geográficos e enciclopédicos, narrando a Terra Santa e uma viagem pelo Oriente, passando por ilhas longínquas até chegar a Índia e a atual China, concluindo com a descrição do Paraíso terrestre e do mítico reino de Preste João.[1] Obviamente, a segunda parte da viagem é imaginária. Isso é obvio para nós hoje, mas não era assim que o homem medieval pensava. Para ele, grande parte do mundo ainda era um mistério, e as narrativas sobre o reino do Preste João, sobre terras onde havia monstros como cinocéfalos e ciclopes, bem como sobre um Paraíso divino, não eram lendas para se ouvir ao redor da fogueira. Era tudo muito real e possível.

O Livro da Maravilhas, de Mandeville

Não se pode concluir, no entanto, que esse tipo de narrativa lendária era característica apenas da chamada ‘Idade das Trevas’. Já na Antiguidade havia lendas a respeito de um paraíso perdido que embalavam os sonhos europeus de felicidade.  Sergio Buarque de Holanda, no livro Visões do Paraíso, comenta o relato de Genesis a respeito de um começo maravilhoso para a existência humana, num belo jardim onde não existiam morte, doença, tristeza e injustiça. Um Jardim de delicias onde as árvores abundavam de frutas e havia paz entre Deus, homem e animais. Mas, por um ato de desobediência, o homem perdeu sua morada privilegiada e passou a amargar um estado de decadência, dor e morte. Segundo Holanda, em cima desse relato, teria se juntado elementos das religiões 'pagãs' nativas da Europa antes do cristianismo que mais tarde seriam encaixados “nos juízos interpretativos dos padres da Igreja e dos teólogos, para formar, finalmente, a idéia medieval do Paraíso terrestre.”[2]

Lendas a respeito de um primitivo Paraíso terrestre estão presentes em muitas culturas. Geralmente, essas lendas tem os mesmo elementos do relato bíblico: idade de ouro, algo dá errado, a humanidade é condenada ao sofrimento. No mundo grego-romano, continua Holanda, as lendas falavam de um mundo sem guerras, sem trabalho duro; a terra produz generosamente o suficiente para todos. Não há morte, apenas uma eterna primavera. A única diferença com relação ao relato de Genesis é que, em vez do erro do homem, a queda de Saturno, destronado pelo filho, causa a perda do paraíso. (Holanda, 2000, pag. 186)

Contudo, havia a esperança que o paraíso perdido ainda existisse em algum lugar. Afinal, o relato bíblico dizia que Deus expulsou Adão e Eva do jardim, mas que não o destruiu. Ao contrário, colocou querubins para guardar o lugar, impedindo a entrada de humanos e para que esses não se alimentassem da árvore da vida. Muitas lendas falavam o mesmo. Não poderia então o paraíso estar em algum lugar acessível aos que tivessem coragem de buscá-lo?

Mas, estaria o paraíso no Ocidente? Povos navegadores, como gregos e fenícios tinham histórias sobre ilhas maravilhosas situadas no Oceano Atlântico. É possível que fenícios e cartagineses tenham atingido o Atlântico em alguma época da Antiguidade, e talvez tenham chegado às ilhas Canárias e a Madeira, assim como a Açores. Especulações a parte, o fato é que muitos dos antigos acreditavam na existência de uma terra paradisíaca no lado ocidental do mundo. O livro Uma Ilha chamada Brasil comenta que o naturalista romano Plínio, o Velho descreve um lugar chamado de Ilhas Afortunadas e faz referencias as Hespérides, duas Ilhas das mulheres do Oeste. Hespérides viria da raiz grega hesper ou vésper, que significaria “sol poente” demarcando a posição da ilhas. Estas ilhas seriam as residências das ninfas, que guardavam uma árvore que dava maçãs de ouro, situada no Jardim das Delicias. [3]Tradições célticas também narram à existência de terras maravilhosas situadas no Atlântico. Uma delas é interessantíssima por nomear a terra afortunada como Brasil. Provável transformação da Ilha de São Brandão, as Ilhas Brasil aparecem em vários mapas medievais. O nome nada tem a ver com o corante vermelho conseguido em ilhas Atlânticas conhecido como no comercio árabe e italiano como “brasil” e “versino”. Em irlandês, Hy Bressail e O’Brazil significariam “ilha afortunada”. Hy Brasil seria uma ilha encantada, a Ilha dos Abençoados. Uma das lendas diz que seus habitantes eram puros no inicio, mas que seu contato com marinheiros de vários lugares os teria levado à corrupção. A pregação missionária teria salvado a ilha, que, por fim, teria subido para um plano superior, entre o Céu e a Terra e por isso, poucos hoje teriam a oportunidade de vê-la por alguns instantes. Outras lendas afirmam que só é possível ver a Ilha Brasil de sete em sete anos, no litoral a oeste da Irlanda. (Cantarino, 2004)

A mítica Ilha Brasil

 Contatos através do Atlântico provavelmente espalharam o nome Brasil e o mito. Uma Ilha chamada Brasil cita Peter Berresford Ellis, formado em estudos celtas e autor de vários livros sobre o assunto, que escreveu seu Dictionary of Irish Mythology  que a idéia de que Hy Brasil existisse de verdade teria sido um forte motivo para que os portugueses dessem o nome Brasil a terra que descobriram. (Cantarino, 2004, pag 46) A popularidade dessa lenda pode ser atestada pelo fato de que em Portugal, já no século XVI apareçam cartas como a de Fernão Vaz Dourado que, em 1568, usava “hobrasil”, junto com o cabo de Santo Agostinho, para as terras atuais terras brasileiras. (Holanda, 2000) A persistência do mito na cultura popular irlandesa pode ser atestada pelo fato que a Ilha Brasil é bem conhecida no país ainda hoje. Para exemplificar, um poema muito conhecido na Irlanda é Hy-Brazil – The Isle of the Blest, de Gerald Griffin, poeta e escritor irlandês do século XIX. O poema começa assim:

“On the ocean that hollows the rocks where ye dwell,/A shadowy land has appear’d, as they tell;/Men thought it a region of sunshine and rest/ And they call’d it ‘O Brazil – the Isle of the Blest’./ From year unto year, on the ocean’s blue rim, / The beautiful spectre show’d lovely and dim; / The golden clouds curtain’d the deep where it lay, / And look’d like na Eden, away, far away.”

“No oceano que esculpe as rochas onde moras, / Uma terra enigmática apareceu, é o que contam; / Os homens a consideraram um região de luz e descanso, / E a chamaram de ‘O Brazil, a Ilha dos Bem-Aventurados. / Ano após ano, na margem azul do oceano, / A linda aparição se revelara encantadora e suave; / Nuvens douradas encortinavam o mar onde ela se encontrava, / Parecia um Éden, distante, muito distante.” (Gerald Griffin, citado em Cantarino, 2004)

Para a Igreja, esses relatos pagãos em nada interferiam na mensagem cristã, já que as histórias pagãs eram apenas reedições da verdade revelada nas Escrituras e interpretadas pelos Padres da Igreja. Antes da chegada européia ao continente americano, Santo Isidoro de Sevilha, apesar de não apoiar a crença de que as Ilhas Afortunadas fosse o Jardim do Édem, acreditava na existência delas e escreveu que elas estavam no Oceano, no Ocidente. Em Imago Mundi, escrito em 1410 por Pierre D’ Ailly, um cardeal e teólogo francês, faz referencia ao Ocidente como uma região mais propícia à vida humana, por suas terras férteis e clima temperado, sendo o lugar mais provável para a existência do Paraíso. Os homens instruídos da Igreja acreditavam que o Paraíso terrestre ainda existia, isolado do resto do mundo por terra e mar e essa crença fez com que o Paraíso fosse incluído em muitos mapas como uma ilha. (Holanda, 2000)

Encontrado o Paraíso?

O Ocidente parecia maravilho na pela cultura popular e quando os europeus às terras americanas ficaram simplesmente deslumbrados. O verde onipresente, abundância de alimentos, os animais exóticos, as flores coloridas – tudo convidava ao descanso e ao deleite.

Mapa do século XVI - ênfase na natureza

Mais importante: o lugar parecia poder aproximar o homem da presença de Deus. Laura de Mello Souza cita Jean de Léry, exemplo interessante por se tratar de um francês calvinista que participou da tentativa de estabelecer uma colônia religiosa no Brasil. Ele escreveu em Histoire d’um Voyage faict em La terre Du Brésil que ao observar os pássaros, as árvores os animais, enfim, a beleza exuberante do lugar, lembrava-se do Salmo 104:24 que diz: “Quantos são os teus trabalhos, ó Jeová!/A todos eles fizeste em sabedoria./A terra está cheia das tuas produções”.[4] O cronista Pero de Magalhães Gandavo, na obra História da província de Santa Cruz, de 1576, exaltou a terra descrevendo-a como um lugar bem servido em chuvas, onde as plantes prosperam. Por essa razão seria o melhor lugar para viver e trabalhar – melhor que a Europa. (Souza, 2009)

Defeitos no Paraíso?

As terras paradisíacas no entanto tinham donos: os povos nativos. Isso por si só poderia comprometer o status do lugar para os europeus. A solução? os nativos precisavam conhecer a mensagem cristã. Levar o evangelho se tornou um dos propósitos para a expansão colonial. Não disse Caminha na famosa carta que informava o descobrimento que o melhor que se poderia fazer era ‘salvar’ a população local? A religiosidade européia por volta da época do inicio do Renascimento foi caracterizada por um grande esforço cristianizador, mesmo dentro da Europa no contexto da Reforma Protestante. O detalhe espinhoso é que não se achava que os nativos tivessem direito de escolha.

Para os portugueses, colonização e cristianização andavam juntas. Gandavo, por exemplo, achava que as viagens para o interior deviam servir não apenas para procurar riquezas; deviam servir também para trazer os índios para a religião cristã. O Criador lhes havia dado riquezas materiais nesta terra; era justo que trouxessem almas para a fé. Isso poderia estimular mais bênçãos divinas. (Souza, 2009) Para os eclesiásticos, a descoberta do Brasil era providencial: Deus escolhera os portugueses e estes deviam servir-lo explorando a natureza para obter bens materiais e espirituais – almas para bens divinos. As crenças religiosas legitimavam desse modo a dominação da terra e a opressão contra as praticas culturais e religiosas indígenas. (Souza, 2009)

É sempre bom lembrar que, ao mesmo tempo em que havia aqueles que acreditavam ter encontrado o Paraíso, outros acreditavam que esse lugar era na verdade o purgatório dos europeus pecadores. Não havia os confortos da vida urbana européia, nuvens de insetos incômodos e conflitos mortais com os indígenas faziam parte dos desafios para os europeus que resolviam residir no Brasil. (Souza, 2009)

Brasil: purgatório dos europeus

Podemos concluir que o imaginário religioso europeu por volta do descobrimento das terras americanas as tornava atraentes para aqueles que buscavam uma algo melhor. A vida não era fácil na Europa: pobreza, fome, epidemias, sistema social opressor – tudo isso fazia com que as mentes de muitos homens e mulheres se voltassem para a esperança de um paraíso terrestre, antes da tão esperada recompensa pós-morte. A ocupação das terras do continente americano aconteceu num contexto cultural religioso propicio a busca de terras desconhecidas, juntamente com os motivos econômicos para tal empreitada e ter o nome Brasil vencido o nome Terra de Santa Cruz pode muito bem ser um sinal da força desse sonho.

 

Bibliografia

CANTARINO, Geraldo. Uma ilha chamada Brasil: o paraíso irlandês no passado brasileiro. Rio de Janeiro, Mauad, 2004.

HOLANDA, Sergio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos do descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo, Brasiliense; Publifolha, 2000.

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.

 

Notas:

[1] SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.

[2] Holanda, Sergio Buarque de. Visões do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo. Brasiliense, Publifolha, 2000, pag. 185.

[3] Cantarino, Geraldo. Uma ilha chamada Brasil: o paraíso irlandês no passado brasileiro. Rio de Janeiro, Mauad, 2004

[4] Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas. Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006.

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