O sono é um processo fisiológico de extrema relevância que, todos os animais terrestres, sem exceção, precisam. De anfíbios a mamíferos, observamos algum grau de sono, mesmo com suas diferenças, em: quantidade total de tempo, qualidade do sono, maneira como se dorme e seus padrões de sono. Nos mostrando como o sono é universal e deveria ser inegociável, embora não seja o que vemos na modernidade atual (Walker, 2017).
Originado pela combinação de mecanismos homeostáticos e cronobiológicos, o sono sofre influência de diversos fatores para estar ou não regulado, entre eles, a exposição à luz solar para que o núcleo supraquiasmático (NSQ) regule o relógio biológico que fica no hipotálamo, região fundamental para regulação das funções do nosso corpo, pois controla o sistema nervoso autônomo, eixos hormonais e de neurotransmissores. O NSQ permite marcar a passagem do tempo através dos conhecidos genes clock, a expressão desses genes aumenta ao longo do dia e depois diminui ao anoitecer, essa oscilação acontece automaticamente por proteínas que se autorregulam (Collins; Blau, 2006; Wright et al, 2013).
Pode-se citar também para a regulação do sono a influência das moléculas de adenosina e melatonina. A adenosina se acumula ao longo do dia para que ocorra a pressão do sono, ela é resultado do metabolismo da adenosina trifosfato (ATP), ao perder seus fosfatos após execuções de tarefas motoras e intelectuais. A melatonina é quem faz a sinalização de quando está dia ou noite, para que possa haver alterações hormonais importantes, como por exemplo, a diminuição do cortisol, adrenalina e noradrenalina no período noturno (Walker, 2017; Wright et al, 2013)
Resolva exercícios e atividades acadêmicas
Quando falamos de adultos, o sono varia de acordo com seu cronotipo, podendo ser de 7 a 9 horas diariamente, entretanto não basta a quantidade de horas, qualidade também é um fator que deve ser observado, se não há muito despertares noturno, se ao acordar continua com sensação de cansaço, é um sinal de alerta para verificar como está a higiene de sono do indivíduo (Aslan et al., 2019; Watson et al, 2015).
Muitas pesquisas começaram a serem feitas para investigar da relação de sono e obesidade. Não é que a privação é a causa da obesidade, mas é um fator contribuinte para essa prevalência, tendo em vista que a obesidade é multifatorial, envolvendo genética, fatores ambientais, escolhas alimentares e sedentarismo.
Segundo dados do EPISONO que foi realizada entre 2007 – 2017, foi visto que 60% dos paulistanos teriam problema com sono. Conseguimos ver também que há uma associação com crescimento de indivíduos com sono prejudicado e o índice de obesidade (Silva et al., 2010; Vioque; Torres; Quiles, 2000). A obesidade e sono tem uma relação bilateral, pois o sono contribui para a prevalência da obesidade ao mesmo tempo que a obesidade impacta no sono negativamente por questões inflamatórias sistêmicas, quanto maior Índice de Massa Corporal (IMC), maior a apneia obstrutiva do sono, sendo essa uma condição clínica na qual obstruções repetitivas da garganta ocorrem durante o sono, gerando apneias (pausas respiratórias de no mínimo 10 segundos) promovendo múltiplos efeitos deletérios sobre o coração (Lopez; Stefan; Schulman, 2008; Silva et al, 2014).
Encontre o professor particular perfeito
Sabe-se que durante o sono há diferentes fases, vamos variando entre sono REM e NREM, com a alternância do ciclo, muda também áreas cerebrais que estão mais ou menos ativas. Dentre essas áreas cerebrais, pode-se citar o hipocampo que está envolvido com os aprendizados durante o dia e sua solidificação, o sono de má qualidade de maneira crônica contribui com o processo de atrofia dessa região. Isso já enquadraria como um ponto importante ao que se refere a respeito de alguém que busca um profissional da saúde, pois ele passará por um processo de mudança, vai aprender novos comportamentos, nova forma de se habituar ao ambiente e, um sono de qualidade, facilitaria a adesão a rotina já que facilita o aprendizado. (Krause et al., 2017).
Além dos problemas de apneia do sono e aprendizado dos novos hábitos por prejudicar áreas do hipocampo, temos um fator importante a ser observado em indivíduos que iniciam uma restrição para perda de peso e como fica sua composição corporal, a falta de sono prejudica um emagrecimento eficiente, onde o indivíduo com restrição de sono acaba perdendo mais massa livre de gordura do que tecido adiposo. Não sendo o que esperamos de uma perda de peso, tendo em vista que os efeitos deletérios para saúde advêm da grande quantidade de massa gorda (Nedeltcheva, 2010).
Sabemos que com o emagrecimento temos mudanças fisiológicas que dificultam a manutenção da perda de peso por aumento do apetite quando não há estratégias para que o indivíduo lide com essas alterações sem acabar compensando em alimentos mais ricos em calorias e, a chance de sucesso será ainda menor se houver mais um fator que possa contribuir com essa dificuldade em manutenção do peso, pois dormir menos que o recomendado aumenta nossa fome e nos deixa menos saciado ao longo do dia. Isso ocorre porque a privação de sono faz com que haja alterações nos hormônios grelina e leptina, além de haver mais picos de fome, há também menor sensação de saciedade (Knutson; Van Cauter, 2008).
Uma solução para o aumento do apetite seria trabalhar o volume alimentar com alimentos de baixa densidade calórica, entretanto para isso é necessário que o indivíduo tenha previamente trabalhado algumas funções executivas para que, de maneira consciente, empenhe suas ações de maneira proposital para seu objetivo. Uma dessas funções seria o controle inibitório mediante a situações do ambiente que evocam impulsos automáticos do indivíduo, como deixar para comer um doce no futuro porque está com seu foco na perda de peso. A principal área do cérebro que se responsabiliza pela tomada de decisões é o Córtex pré frontal, área que pode ser prejudicada por um sono insuficiente por aumentar a atividade da amígdala, essa, por sua vez, prioriza comportamentos impulsivos e dificulta a adesão ao planejamento alimentar mediante a pistas ambientais (Radley et al., 2006; Ribeiro, 2020).
Quando o indivíduo não sabe lidar com esse aumento do apetite, acaba buscando alimentos conhecidos como hiper palatáveis, que normalmente contém uma quantidade maior de calorias. Em pessoas com sono insuficiente, esse aumento de calorias em um único dia pode variar entre 252 a 517 calorias a mais quando comparado com indivíduos que dormiam o necessário conforme seu cronotipo (Reutrakul; Van Cauter, 2018)
Pode-se observar que o sono embora não seja a causa da obesidade, dificulta diversos aspectos fisiológicos e comportamentais que possam fazer um indivíduo seguir ou não um plano alimentar, se manter ou não com seu peso perdido. Fazendo com que o papel do nutricionista vá além de enxergar as calorias, mas identifique comportamentos que facilitem sua mudança de hábitos.
Essa identificação e auxílio dos bons hábitos dos pacientes pode ser mais uma ferramenta para os profissionais da saúde utilizarem. Ter uma noite eficaz de sono está entre um dos oito fatores de estilo de vida que afetam quanto tempo vivemos e a qualidade que iremos viver. Outros hábitos incluem: ser fisicamente ativo, ter uma dieta nutritiva, não ter vício em opioides, não fumar, não beber compulsivamente, gerenciar o estresse e ter boas relações sociais. (Cappuccio et al. 2010). E, como foi demonstrado nesse trabalho, o sono pode facilitar ou dificultar a adesão de todos os hábitos, tanto pelas mudanças hormonais que faz com que haja busca por alimentos quanto por ativar áreas cerebrais que corroboram com o viver no modo automático.
ASLAN, M. et al. Assessment of Peripheral Nerves With Shear Wave Elastography in Type 1 Diabetic Adolescents Without Diabetic Peripheral Neuropathy. Journal of Ultrasound in Medicine, v. 38, n. 6, p. 1583-1596, 2019.
BECCUTI, G.; PANNAIN, S. Sleep and obesity. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. Jul;14(4):402-12, 2011.
CAPPUCCIO, F. P.; D’ELIA, L.; STRAZZULLO, P.; MILLER, M. A. Sleep duration and all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Sleep. (5):585-92, 2010.
COLLINS B.; BLAU J. Keeping time without a clock. Neuron. 50(3):348-50, 2006.
GREER, S. M.; GOLDSTEIN, A. N.; WALKER, M. P. The impact of sleep deprivation on food desire in the human brain. Nat Commun. 4:2259, 2013.
KNUTSON, K. L.; VAN CAUTER, E. Associations between sleep loss and increased risk of obesity and diabetes. Ann N Y Acad Sci. 1129:287-304, 2008.
KRAUSE, A., SIMON, E., MANDER, B. et al. The sleep-deprived human brain. Nat Rev Neurosci, v.18, p. 404–418, 2017.
LOPEZ P.P, STEFAN B., SCHULMAN, C.I., BYERS P.M. Prevalence of sleep apnea in morbidly obese patients who presented for weight loss surgery evaluation: more evidence for routine screening for obstructive sleep apnea before weight loss surgery. Am Surg. 74(9):834-8, 2008.
MILLER M.A.; CAPPUCCIO F.P. Inflammation, sleep, obesity and cardiovascular disease. Curr Vasc Pharmacol. Apr;5(2):93-102, 2007.
NEDELTCHEVA, A. V. et al. Insufficient Sleep Undermines Dietary Efforts to Reduce Adiposity. Ann Intern Med. 153:435-441, 2010.
RADLEY, J. J. et al. Repeated stress induces dendritics spine loss in the rat medial prefrontal cortex. Cereb Cortex. (3):313-20, 2006.
REUTRAKUL, S.; VAN CAUTER, E. Sleep influences on obesity, insulin resistance, and risk of type 2 diabetes. Metabolism. Jul;84:56-66, 2018.
RIBEIRO, L. Nutrição e comportamento: o olhar das neurociências sobre o comportamento alimentar. 2ª ed. Taubaté – SP: do autor, 2020, capítulo 7.
SILVA, S. R. et al. Increasing trends of sleep complaints in the city of Sao Paulo, Brazil. Sleep Medicine. v. 11, 520–524, 2010.
SILVA, A. D. L. et al. Multidisciplinary in sleep apnea: a literature review. Rev. CEFAC. 16(5):1621-1626, 2014.
ST-ONGE MP. Sleep-obesity relation: underlying mechanisms and consequences for treatment. Obes Rev. Feb;18 Suppl 1:34-39, 2017.
VIOQUE, J.; TORRES, A.; QUILES, J. Time spent watching television, sleep duration and obesity in adults living in Valencia, Spain. Int J Obes Relat Metab Disord; 24:1683-8, 2000.
WALKER, M. Por que nós dormimos: A nova ciência do sono e do sonho, Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. 1ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018, capítulo 3.
WATSON N.F. et al. Recommended Amount of Sleep for a Healthy Adult: A Joint Consensus Statement of the American Academy of Sleep Medicine and Sleep Research Society. Sleep. 38(6):843-4, 2015
WRIGHT K.P. Jr et al. Entrainment of the human circadian clock to the natural light-dark cycle. Curr Biol. 19;23(16):1554-8, 2013.