Por onde começar a estudar Ética?
em 30 de Abril de 2021
A docência é uma profissão extremamente rica e complexa, de modo que são muitos os desafios encarados pelos professores, dia após dia. Um dos mais delicados é a bagagem do aluno, isto é, o seu conhecimento prévio, suas preferências, gostos e crenças. Particularmente, esse fato se configura para mim enquanto desafio mesmo, ou seja, no melhor sentido possível da palavra, e não como um problema, pois a interação verdadeira e irrestrita entre aluno e professor, o contato, a troca, é o que está na base do meu entendimento sobre a natureza do ensino e da aprendizagem. Hoje, no entanto, quero contar uma breve história sobre aquela que considero a crença mais problemática, a que mais afasta meus alunos de seus próprios objetivos. O escopo demasiadamente fechado.
Assim que aparecem, a maioria dos estudantes, e não importa a idade ou nível de escolaridade, segue um protocolo parecido e, para mim, cômico: às vezes dizem oi, dizem o que precisam e, rapidamente, expressam seu objetivo; passar no concurso, passar num exame, trabalhar fora país, escrever texto publicitário, etc. Percebeu bem o leitor que notou que nem sequer o nome deles mesmos é dito em muitos casos, tamanha ansiedade. Em uma palavra: a pressa é assombrosa. Quanto menos for falado e mais rápido o objeto de desejo capturado, melhor. Claro que... esse modo de vida contemporâneo, também no ambiente de estudo, exige seu preço: que é muito alto.
Ao lado da pressa vem a cegueira. Então, se quero passar na USP, faço apenas questões da USP. Se quero escrever textos jornalísticos competentes, apenas produzo textos expositivos. Prima facie, essa intuição focal faz sentido e tem apelo. É trivial que determinados tópicos e matérias não serão alvo de seu esforço. Agora, é logicamente inválida a conclusão de que todo item que escapa desse pequeníssimo escopo é inútil na jornada de alcançar o objetivo estabelecido. O meu exemplo favorito para ilustrar essa ideia é o velocista.
Pense num corredor de 100 metros. O que ele faz? A voz da intuição talvez diria: dá tiros curtos, é o corredor especializado em corridas explosivas e breves, diferente do maratonista, que corre por horas e precisa de muita resistência. Certo, a partir dessa intuição o que muitos concluem é: o treinamento do velocista deve consistir apenas em dar tiros curtos, afinal esse é o seu objetivo. O que está incorreto: assim como muitos esportes, para que o velocista seja capaz de correr como corre ele precisa realizar outros treinamentos, pois esses treinamentos influenciam drasticamente a sua performance no tiro curto. Ou, como dizemos em Filosofia, são condições necessárias do sucesso.
Meus caros: a exata mesma coisa ocorre com o aprendizado, sobretudo aquele voltado ao estudo de ciências humanas, porque a linguagem é um sistema holístico, logo, desenvolve-se quando todas as suas diferentes partes são exercitadas em simultâneo. Portanto, dominar minimamente todos os campos da linguagem é crucial para o desenvolvimento das habilidades desejadas. Isso inclui, pensando em produção textual, ter familiaridade com textos jornalísticos, jurídicos, filosóficos, científicos, literários e assim por diante. Sem isso, não rola. Ou melhor: rola, mas a sua performance rapidamente atingirá um teto.
Falarei mais sobre isso num artigo próximo, pois acredito que a discussão merece o detalhamento, inclusive tomando como caso analisado o desempenho dos vestibulandos do ENEM. Por ora, recomendo fortemente: estudem sempre, sistematicamente, outros tipos de escrita além da principal, além da que será cobrada (em geral, o gênero mais exigido é o dissertativo-argumentativo). Pois eles serão cobrados de ti, tacitamente.
P.S.: alguns podem se interessar por ler algo mais teórico sobre esse assunto. Piaget e Paulo Freire são ótimos caminhos no que se refere à aprendizagem. Em relação à linguagem em si, pesquisar por holismo semântico e autores como Wittgenstein é uma ótima decisão. Bons estudos!