O Papel da Indústria Química na Segunda Guerra
Por: Robson N.
23 de Abril de 2021

O Papel da Indústria Química na Segunda Guerra

Química

Passados quase 76 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, temos hoje uma série de informações, documentos e relatos de que esse representou um dos períodos mais abomináveis da história humana, com seres humanos mostrando o quanto podem ser capazes de sangrarem seus companheiros de espécie fisicamente e psicologicamente, deixando um rastro de grande trauma em nosso passado recente.

A consciência nazista antes e durante a guerra tinha total noção de que a produção de insumos era de vital importância para o sucesso de suas empreitadas — mesmo porque a primeira guerra mundial já havia lhes ensinado isso — colocando a ciência, assim, em um lugar de destaque. A indústria química, em particular, desempenhou papel fundamental no suporte aos esforços nazistas para a conquista de novos territórios e para expansão de seus negócios.

No fim da década de 1930, a empresa alemã I.G. Farben detinha o posto de maior indústria química e quarto maior conglomerado industrial do mundo. A grandiosidade da empresa e seus artefatos de produção, tais como a borracha e o petróleo sintético chamaram atenção do alto escalão do Terceiro Reich. Apesar de atritos nos contatos iniciais entre os nazistas e os responsáveis pela Farben, a indústria acabou adquirindo seu “certificado de empresa alemã” após demitir grande parte de seu corpo de funcionários, composto por um número significativo de judeus.

Dessa forma, o nazismo se espalhou pela Europa disseminando as atrocidades que hoje conhecemos e os responsáveis pela Farben viram nisso uma oportunidade de expandir seus negócios lucrativos seguindo os nazistas, inclusive, na tomada do controle de indústrias químicas na Áustria, Tchecoslováquia e Polônia, alguns dos países invadidos pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Além disso, a presença de funcionários da Farben em campos de concentração como os de Auschwitz era constante. Na realidade, um detalhe crucial para a manter a produção dos materiais de guerra foi a Farben se articular com os nazistas para a criação de um campo de concentração próprio: Monowitz, que tinha por objetivo fornecer mão de obra escrava para a Farben manter seus esforços de produção. A empresa alemã chegou a um acordo com os nazistas por achar que os maus tratos estavam levando os prisioneiros a terem uma produtividade muito defasada e sob controle da própria Farben eles poderiam trabalhar sob mais cuidados. O resultado disso é que a sobrevida em Monowitz era de cerca de 3 meses, talvez um pouco mais elevada do que em Auschwitz, que costumava poupar a vida de somente 30 a 40 prisioneiros dos mais de 5000 que chegavam a cada viagem de trem. A maioria era enviada diretamente para o extermínio em câmaras de gás.

Sabendo um pouco de como se deu a dinâmica entre o regime nazista e a maior empresa química alemã podemos, então, listar alguns dos produtos e compostos químicos envolvidos na Segunda Guerra Mundial, seja por influência da Farben ou pelo interesse nazista:

  • O Zyklon B, que possui cianeto de hidrogênio (HCN) em sua composição e que na época era usado como inseticida, foi utilizado largamente para o extermínio de judeus. Cerca de 90% de todo o Zyklon B vendido pela empresa alemã Degesch, no ano de 1943, teve como destino final o campo de concentração de Auschwitz;
  • O ouro era fonte de grande interesse dos responsáveis pelos campos de concentração. Ao chegar, os prisioneiros tinham todo seu material de valor roubado e com o ouro presente em seus dentes não foi diferente. O protocolo era bem definido: após passar pelo extermínio nas câmaras de gás, os corpos das vítimas deveriam passar por uma última “avaliação odontológica” para a retirada de possíveis dentes de ouro antes de serem levados ao crematório. A fissura pelo ouro era tanta que, ao fim de 1944, quando Auschwitz passara pelo auge do assassinato em massa, se empilhavam corpos que saiam das câmaras de gás mas que não podiam ser enviados para o crematório, pois deveriam passar pela vistoria odontológica antes, que não estava mais suportando a grande demanda;
  • Borracha e petróleo sintético: era o grande interesse dos nazistas em relação às produções da Farben. Com a borracha, por exemplo, se produziam botas e artefatos para soldados, já o petróleo poderia ser utilizado como fonte combustível. Os dois produtos mais cobiçados engajaram a construção de novas fábricas para suprir a demanda nazista de guerra, ideia que funcionou mais no papel do que na prática;
  • Aspirina, morfina, novocaína e sacarina: são algumas moléculas das quais a Farben detinha o controle de patentes. Pelo controle de substâncias como essas, a Farben conseguiu crescer frente ao mercado internacional. A aspirina, por exemplo, era uma das novidades na época e que trouxe grandes lucros para a empresa.

 

Por fim, eu gostaria de deixar como reflexão final a seguinte questão: qual o valor daquilo que você consome hoje?

A Farben, citada nesse texto, além de produzir compostos que foram constantemente utilizados em esforços de guerra por parte dos nazistas, foi a responsável por experimentos envolvendo humanos que feriram todo e qualquer tipo de ética. Essa ética que hoje é mais “lapidada” e valorizada pela própria ciência. A Bayer, hoje uma bem conhecida empresa de fármacos, é um dos grupos que na época era controlada pela Farben. Sendo assim, podemos inferir a possibilidade de que diversos produtos hoje utilizados por nós e que ajudam a solucionar nossos problemas podem ter sido, direta ou indiretamente, resultado de muito trabalho ou, até mesmo, do sacrifício de vidas inocentes. A ciência e seu uso com sabedoria e em prol da humanidade deve ser cativada em qualquer espaço e em qualquer tempo. Afinal, é a melhor ferramenta que nós humanos podemos manipular a nosso favor ou contra nós mesmos. O limiar entre a solução e o caos se chama equilíbrio.

Recomendo a leitura do livro “O farmacêutico de Auschwitz” da autora Patricia Posner, fonte de consulta utilizada para a escrita desse artigo.

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Mestrado: Química (Universidade Federal do Rio de Janeiro )
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