Passados quase 76 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, temos hoje uma série de informações, documentos e relatos de que esse representou um dos períodos mais abomináveis da história humana, com seres humanos mostrando o quanto podem ser capazes de sangrarem seus companheiros de espécie fisicamente e psicologicamente, deixando um rastro de grande trauma em nosso passado recente.
A consciência nazista antes e durante a guerra tinha total noção de que a produção de insumos era de vital importância para o sucesso de suas empreitadas — mesmo porque a primeira guerra mundial já havia lhes ensinado isso — colocando a ciência, assim, em um lugar de destaque. A indústria química, em particular, desempenhou papel fundamental no suporte aos esforços nazistas para a conquista de novos territórios e para expansão de seus negócios.
No fim da década de 1930, a empresa alemã I.G. Farben detinha o posto de maior indústria química e quarto maior conglomerado industrial do mundo. A grandiosidade da empresa e seus artefatos de produção, tais como a borracha e o petróleo sintético chamaram atenção do alto escalão do Terceiro Reich. Apesar de atritos nos contatos iniciais entre os nazistas e os responsáveis pela Farben, a indústria acabou adquirindo seu “certificado de empresa alemã” após demitir grande parte de seu corpo de funcionários, composto por um número significativo de judeus.
Dessa forma, o nazismo se espalhou pela Europa disseminando as atrocidades que hoje conhecemos e os responsáveis pela Farben viram nisso uma oportunidade de expandir seus negócios lucrativos seguindo os nazistas, inclusive, na tomada do controle de indústrias químicas na Áustria, Tchecoslováquia e Polônia, alguns dos países invadidos pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, a presença de funcionários da Farben em campos de concentração como os de Auschwitz era constante. Na realidade, um detalhe crucial para a manter a produção dos materiais de guerra foi a Farben se articular com os nazistas para a criação de um campo de concentração próprio: Monowitz, que tinha por objetivo fornecer mão de obra escrava para a Farben manter seus esforços de produção. A empresa alemã chegou a um acordo com os nazistas por achar que os maus tratos estavam levando os prisioneiros a terem uma produtividade muito defasada e sob controle da própria Farben eles poderiam trabalhar sob mais cuidados. O resultado disso é que a sobrevida em Monowitz era de cerca de 3 meses, talvez um pouco mais elevada do que em Auschwitz, que costumava poupar a vida de somente 30 a 40 prisioneiros dos mais de 5000 que chegavam a cada viagem de trem. A maioria era enviada diretamente para o extermínio em câmaras de gás.
Sabendo um pouco de como se deu a dinâmica entre o regime nazista e a maior empresa química alemã podemos, então, listar alguns dos produtos e compostos químicos envolvidos na Segunda Guerra Mundial, seja por influência da Farben ou pelo interesse nazista:
Por fim, eu gostaria de deixar como reflexão final a seguinte questão: qual o valor daquilo que você consome hoje?
A Farben, citada nesse texto, além de produzir compostos que foram constantemente utilizados em esforços de guerra por parte dos nazistas, foi a responsável por experimentos envolvendo humanos que feriram todo e qualquer tipo de ética. Essa ética que hoje é mais “lapidada” e valorizada pela própria ciência. A Bayer, hoje uma bem conhecida empresa de fármacos, é um dos grupos que na época era controlada pela Farben. Sendo assim, podemos inferir a possibilidade de que diversos produtos hoje utilizados por nós e que ajudam a solucionar nossos problemas podem ter sido, direta ou indiretamente, resultado de muito trabalho ou, até mesmo, do sacrifício de vidas inocentes. A ciência e seu uso com sabedoria e em prol da humanidade deve ser cativada em qualquer espaço e em qualquer tempo. Afinal, é a melhor ferramenta que nós humanos podemos manipular a nosso favor ou contra nós mesmos. O limiar entre a solução e o caos se chama equilíbrio.
Recomendo a leitura do livro “O farmacêutico de Auschwitz” da autora Patricia Posner, fonte de consulta utilizada para a escrita desse artigo.