Descancelando o cancelamento
em 22 de Abril de 2022
O surpreendentemente visual e sensorial filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" não somente navega por uma percepção única e estética da vida, mas também por um profundo caminho da psicanálise que nos eleva a alma. Ele transcende em beleza e singularidade. É uma pintura, como é o quadro de Renoir "Le déjeuner des Canotiers"abaixo, aonde se vê "La fille au verre d´eau"... Isolada, ao centro... única na sua solidão observadora em contraste ao movimento dos olhares trocados. É fotográfico e uma profusão de cores sutis, como um quadro de Matisse.
É um passeio pela arte da delicadeza. Tanto que pode ser facilmente ser assistido por uma criança, feitas as ressalvas de algumas pequenas cenas que revelam uma sensualidade igualmente delicada e carregada de ironia. Mas isto não basta para elogiar o filme... É necessário entender que esse filme de difícil classificação.... seria ele uma comédia? Seria ele um drama? Ou até uma sequência que parece propaganda de cosmético? É mais fácil definí-lo com um cult movie, que inclusive renova uma nova tendência no cinema francês.. de filmes leves sobre assuntos profundos.. O cinema francês sempre teve histórico de filmes densos, daqueles de doer na alma.. É fato que "Amélie Poulain, em prólogo, demonstra essa densidade, ainda que de forma lúdica. Mas nos eleva em uma trajetória de nos tornar cada vez mais leve ao longo da trajetória narrativa.
Inicia em prólogo, com um narrador peculiar apontando em riqueza de detalhes sensoriais e afirmações notadamente fora de um sentido real, a apresentação dos personagens do entorno da infância de Amelie: o pai, a mãe, o peixe suicida. Personagens descritos pelas suas percepções objetais do mundo.. e sobretudo por suas paranóias. Amelie Poulain é uma obra de personagens paranóicos... tristes.. frágeis. A menina, um poço encantatório de beleza, como se concebe de toda criança, que tenta fotografar o mundo, e se depara com o próprio acidente que é o mundo... e carrega culpas... muitas culpas que ela mal sabe descrever... apenas sente. Pai alienado e mãe neurótica. E menina só.. menina do copo de água. Adianto... você só entenderá o que estou caracterizando se assistir.
E eis que a pequena salta à juventude, após a morte da mãe e o isolamento do pai... para recair em mais uma vida de neuróticos em volta. Uma sucessão de adultos sobrecarregados de frustrações e enganos. Tudo ao som de uma valsa que caminha entre a tristeza e o circense: A valsa de Amelie.
E é nesta pantomima, que a personagem central, vai ao acaso, descobrir uma caixa de memórias de um personagem que irá lhe provocar uma "epifania"... uma revelação, um resgate de seu espírito lúdico e lugar único no mundo da infância. E não irá descansar enquanto não encontrar o dono da caixa Dominique Bretodeau. É então que se revela, o que não posso adiantar para quem gostaria de se deliciar com a obra... Um trilhar de peripécias, em que Amelié se descobre na sua autenticidade, apagando as densidades da infância mal vivida e se entrega a paixão pela vida.... e cura.. alivia.. eleva.. a dor de todos à sua volta.
Amélie Poulain e seu fabuloso destino é uma obra singular sobre o amor ao próximo, a solidariedade, o dom das crianças em pensamento fantástico nos elevar a uma outra perspectiva sobre as doenças que nossa própria mente cria. Não só recomendo... seria pouco para esta obra... Diria mais: sintam!