Infográfico - Fundamentos da redação do ENEM
em 21 de Abril de 2022
A polêmica envolvendo Felipe Neto e o já póstumo Machado de Assis... que escreveu Memórias Póstumas de Brás Cubas mas não teve direito de resposta porque estava morto e não tinha quem escrevesse por ele para responder ao "influencer"... (desculpem-me o nó, foi um trocadilho sintático-literário irresistivel)... não parece ser uma questão entre Machado de Assis e Felipe Neto...
Um ponto em comum os dois tem, sem dúvida: são ácidos nas suas medidas e nos seus públicos... e também tem ou tinham sua margem de popularidade. Felipe Neto é notadamente bem-sucedido, ao menos financeiramente. Machado de Assis, levando em conta de onde veio, do que conquistou, do que representou como escritor (sem dúvida, o mais eficiente escritor realista do mundo, e me desculpe quem discorde) e como funcionário público, e inclusive com uma relação familiar com a esposa muito bem sucedida. Um homem, de uma trajetória dura, comprovando que venceu em vida, com talento e esforço pessoal, afinal a simples consciência do seu autodidatismo já explica a que veio.
Na verdade acho que Felipe Neto deve adorar Machado de Assis... E também adora uma treta como ele anunciou.... Na verdade eu que trabalho com Machado há muitos anos... tenho que agradecer ao influencer... pois, quando se trata de treta (olha a sonoridade desta construção), quanto maior a polêmica.. maior é a visualização inclusive de Machado... Acho que Machado agradeceria.. pois no seio da polêmica... muitos mais podem se movimentar para lê-lo.
Mas vamos direto ao assunto: bem sem graça essa questão de dar atenção a polêmicas... e as intenções de cancelamento... Vamos descancelar os cancelamentos. E viva a Machado... e viva a Lucas Neto... ops... troquei... um irmão pelo outro... um é para a crianças e faz narrativas infanto-juvenis no melhor estilo "Trapalhões"... E viva a Felipe Neto... pois o exercicio democrático das posições é importantíssimo para a literatura. Se assim não fosse, não teríamos "O Apanhador no Campo de Centeio" um livro de um rebelde Salinger, sobre um rebelde, para um público rebelde.. talvez... Sobretudo o primeiro livro sobre a juventude da literatura internacional. Abaixo segue o livro. Mas é fato incontestável que Machado de Assis não escreveu suas obras para serem lidas em escolas. Nem Álvares de Azevedo escreveu "Noites na Taverna" para ser lido em escola... Li "Noites na Taverna" quando tinha 14 anos... e é um livro proibidíssimo... e é tão pecaminoso... que lembro de faltar na escola para terminar de ler... algo que não recomendaria a ninguém... mas o livro é irressistível. O fato é Felipe Neto tem razão: LITERATURA NÂO SE OBRIGA. Ninguém lê por obrigação. Não foi assim que o livro abaixo se tornou não somente um best-seller, mas uma referência de estudo sobre a juventude.
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Para quem ainda não entendeu, no mundo inteiro, o público que mais lê e que mais compra livros é o público jovem. Neste ponto discordo do Sr. Neto... que Machado é uma literatura para adultos... Machado é tão ácido, tão ácido... que é uma literatura para amadurecimento, pode ser lido por um jovem... e ser relido por este mesmo jovem na maturidade, com novas impressões. O que atrapalha a leitura de Machado de Assis, ou até, de Álvares de Azevedo e seu byronianismo contundente e visceral... é o senso-comum... e o pensamento mediano. O que acontece é que não é possível ler estes autores sem um amadurescimento crítico sobre o mundo... Clarice Lispector mesma disse que uma jovem de 17anos que se correspondia com ela, entendia melhor sua obra do que um professor de Literatura tradicional que também se correspondia com ela... O entendimento dos autores e suas complexidades cobra apenas que nos apaixonemos pela leitura, assim como pela vida... E não a obriguemos... Que ela não seja imposta.
Explico, numa obra Machadiana consagrada: Dom Casmurro. A polêmica dela é "Capitu traiu ou não Bentinho"... E polêmicas são tão desinteressantes... Talvez Capitu cancelaria Bentinho e sua chatice seminarista mimada e oprimida pela figura materna, se fosse hoje... estaria bloqueada... e estaria resolvido. O ponto em questão é que: não há como saber.... se traiu ou não. Aliás seria simplista demais imaginar a questão da traição.. Se você estudou Realismo, você saberá que os romances realistas tem mais traição que música da Marília Mendonça. È simples: quem narra a história o Bento que é Santo e Iago (personagem de Shakespeare que é o mal encarnado) é o potencial "traído". Se ele conta a história, sua visão é suspeita. Simples assim. Na verdade, Dom Casmurro não é um romance sobre traição... ela é menos relevante, e inclusive se certificar dela ou não... O importante é o vazio da ambiguidade humana... o não sabermos se podemos confiar em que está ao nosso lado... E esse é o vazio machadiano que nos leva aos principais filósofos niilistas do início do século. Resumindo: há duas possibilidades, se você leu Machado e sorriu, ou você tem uma visão sádica que tem prazer com o pior do ser humano, ou não entendeu nada. Na verdade, quando você lê Machado, se leu bem, sai com uma profunda sensação de vazio... pode até sorrir.. mas é malicioso... é da ironia.
É por isso que Machado é altamente recomendado para adolescentes... porque ele os coloca diretamente em contato com a realidade e os afasta da ilusão de falsos finais felizes. Mas nesse ponto, concordo integralmente com o Sr. Neto. Não se precisa somente se ler Machado, ou outros cânones da academia... É preciso também ler Jogos Vorazes.... que tem muto de 1984 de Orwell... ou até "Diário de um banana"... que talvez eu não encontre nenhuma referência literária... que não tem a profundidade de quadrinhos como a brilhante "Mafalda" do recém falecido Quino... mas que liberta a leitura. Leitura só se faz livre. Eu não cancelaria o Sr. Felipe Neto. Nem cancelaria Machado. Façam-me uma sugestão: estou ávido por novos livros... inclusive o de culinária da Palmirinha. Leitura é prazer... não imposição... os maiores leitores os jovens comprovam essa tese. Boas leituras a vocês!