Riscos, Rabiscos e Grafitti
em 17 de Fevereiro de 2020
Preparando-me para a aula inaugural de Sociologia no Instituto Dom Bosco - Salesianos Campos/RJ, deparei-me com uma pergunta: O que é ser adolescente? Dom Bosco se estivesse presente certamente nos responderia com entusiasmo dizendo-nos que para o adolescente ser alguma coisa, antes de tudo ele precisa de validação – metodologia sócio-afetiva mais do que provada no cumprimento de sua revolucionária missão de educar os jovens pobres e abandonados da periferia italiana.
Contudo, nós adultos costumamos, na nossa ignorância convencional, chamá-los de “aborrecentes”, nos esquecendo de que também já passamos por esta fase transitória, acreditam alguns teóricos, ou por esta crise de identidade, acreditam outros. Enquanto não entendermos “o que é ser adolescente”, não entenderemos o que é ser adulto.
A importância de vivenciar uma boa adolescência é a garantia de uma boa vida adulta. Ressalte-se que para a boa adolescência se concretizar, dependerá das condições socioeconômicas que serão oferecidas ao adolescente e da educação que este receberá, desprovida de sentimentos repressores como o medo e a culpa, muitas vezes adquiridos na relação familiar.
Segundo Rita Melissa Lepre , a identidade pessoal e social do adolescente em nossa sociedade acontece “durante toda, ou grande parte, da vida dos indivíduos. Desde o seu nascimento o homem inicia uma longa e perene interação com o meio em que está inserido, a partir da qual construirá não só a sua identidade, como a sua inteligência, suas emoções, sua personalidade, etc.”.
Mas, nem sempre na sociedade a adolescência foi entendida assim. Essa nova maneira de conceber a adolescência faz parte de um processo de construção histórica e sócio-cultural. Do ponto de vista ocidental, para que possamos entender o conceito atual de adolescência, é necessário que façamos um breve histórico:
1. Na civilização romana, para ser mais exato no século I, no ano de 476 d.C, ao nascimento de um menino romano seguia o direito de vida e morte que o pai tinha sobre ele. Dependendo da decisão, o menino tinha a oportunidade de receber a sua educação e a chance de ser um aristocrata romano. Não havia adolescência. O jovem só deixava de ser criança quando o pai, que ostentava o poder do pater familiae , decidia mais uma vez a sua inserção no universo adulto.
2. Na Idade Média, a adolescência ainda era confundida com a infância. A criança só deixava de ser criança para entrar no mundo adulto, quando passava pela barbatoria – cerimônia que se seguia ao primeiro barbear do rapaz – os pêlos no rosto eram a prova que a “criança-adolescente” já estava apta a se tornar um homem “preparado para exercer sua virilidade através da habilidade em matar e da disponibilidade para morrer”.
3. No século XVIII, apesar dos avanços na definição da adolescência através de variados estudos, o desinteresse permanecia. Quando estamos diante do desconhecido, geralmente optamos pela negação e/ou pela fuga ou enfrentamos o desafio de descobrir – prática que requer esforço, dedicação e disciplina. Não é nada fácil, mas no final da luta prazerosa o resultado se torna gratificante. Gilberto Freyre em seus estudos sobre a família patriarcal nos esclarece que o menino brasileiro do século XIX também não passava pela adolescência para atingir a fase adulta. Aos oito anos já era considerado um homenzinho, aos dez anos já assumia responsabilidades adultas. Entrava em contato de forma precoce com estudos acadêmicos e com substâncias tóxicas como o fumo, o ópio e o álcool, fazendo uso de barbas postiças. Tudo isso para se parecer com um homem adulto. “O médico francês Dr. Rendu, que conheceu o Brasil Imperial da primeira metade do século XIX, despeja sobre o menino brasileiro seu humor cáustico: ‘Aos sete anos’, escreve ele, ‘o jovem brasileiro já possui a austeridade de um adulto. Caminha com ar majestoso, de bengala a mão, orgulhoso da roupa que ostenta e que o faz assemelhar-se mais aos bonecos de nossas feiras que a um ser humano’”. Será que atualmente alguma coisa mudou?
4. No século XX, “vimos nascer o adolescente moderno típico exprimindo uma mistura de pureza provisória, força física, espontaneidade e alegria de viver, o que tornou o adolescente o herói do século XX – o século da adolescência. A partir de então, passou a haver interesse sobre o que o adolescente pensa, faz e sente. Definiu-se claramente a puberdade e as mudanças psíquicas, para que tivéssemos a imagem do adolescente atual.”
Berta Weil Ferreira foi uma dessas pesquisadoras que ousou investir seus estudos psico-sociais na adolescência. No seu livro “Adolescência. Teoria e Pesquisa” ela nos diz que “o período do crescimento humano usualmente situado entre o início da puberdade e o estabelecimento da maturidade adulta é a adolescência (...). O termo ‘adolescência’ deriva do verbo latino ‘adolescere’, que significa crescer – e corresponde ao período de crescimento acelerado entre a infância e a maturidade” (FERREIRA: 21).
Outro que se destaca no pensar o adolescente é Rubem Alves , que em seu livro de crônicas “Sobre o tempo e a eternidade” nos provoca dizendo que “para entender o adolescente é preciso entender a sociologia e a psicologia dos revolucionários”. O adolescente seria para ele um transgressor pronto para ditar uma nova ordem. A presença psicológica dos pêlos, por exemplo, seria responsável pela sua maior característica, “a síndrome de sansão” – perturbação mental que leva os adolescentes a identificar o crescimento dos seus pêlos com o crescimento da força. Destarte, Rubem Alves ainda nos diz que o enigma da adolescência pode ser decifrado se estudarmos o comportamento social e psicológico das maritacas, por ser semelhante ao comportamento dos adolescentes:
• Andam em bandos;
• São todos iguais;
• Padecem de crise de identidade;
• Não se importam com a direção em que estão indo.
Enfim, hoje, a adolescência não é mais vista como um determinismo biológico - a própria transformação do corpo - sofre interferências sociais e culturais. Na opinião de Peter Berger são os “outros significativos” e o “outro generalizado” que vão ter fortes influências na formação do adolescente, ou seja, a construção da identidade desse adolescente depende da cultura e da sociedade nas quais ele está inserido, podendo haver semelhanças e diferenças como constatou em seus estudos antropológicos a pesquisadora Margareth Mead .
Fechamos este artigo dando voz a quem de direito está passando pela experiência de ser adolescente:
“Ser adolescente é ter dúvidas. Pois estamos mudando de fase, estamos em um período que já não somos mais crianças mas não somos adultos ainda.” (Jéssica Marcelino, 2° ano A)
“Ser adolescente é estar em um barco no meio de um rio onde você partiu da ilha da inocência de ser criança para a responsável ilha da maioridade.” (Diogo Rangel, 2° ano B)
“A adolescência é o período onde ocorre o amadurecimento do ser humano. O adolescente busca ser diferente, pois assim pode chamar a atenção de todos. Quando se é adolescente se busca aquilo que é novo, ou seja, aquilo que não podia se fazer quando criança. Uma época contraditória.” (Lucas Simões Tavares, 2° ano B)
“Ser adolescente é se localizar em uma fase de total transição na vida. É deixar de ser criança, hora de amadurecer, pensar que pode tudo e que é imortal. Não ter paciência com muita coisa e querer passar longe das responsabilidades. É estar com medo e confuso do que vai ser, se tornar um adulto, e ao mesmo tempo querer se tornar um logo.” (Marcella Gazzoni, 2° ano C).
Professor Rudolf Rotchild