As cidades inteligentes e a saúde mental dos cidadãos
Por: Saulo R.
10 de Maio de 2023

As cidades inteligentes e a saúde mental dos cidadãos

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Uma "cidade inteligente" não se reduz a mera utilização/aplicação de dispositivos tecnológicos conectados entre si através de sensores baseados em internet das coisas e big data (dados). Uma cidade não pode ser considerada inteligente se não promover a saúde mental de seus habitantes.

Hoje, em geral, principalmente as grandes cidades, promovem o contrário. Tanto no que diz respeito aos espaços públicos quanto aos privados (obviamente, não todos). Por exemplo, um estudo (PEEN et al., 2007) publicado na revista "Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology", que buscou descobrir se a prevalência de transtornos psiquiátricos está associada à urbanização, afirma que transtornos de humor e ansiedade, assim como esquizofrenia, são até 56% maiores em ambientes urbanos quando comparados a locais rurais. O estudo não mostra uma relação de causa-efeito, de que residir em áreas urbanas ou rurais causa ou reduz esses problemas de saúde mental, mas que há uma associação entre uma coisa e outra.

Outro estudo (KENNEDY et al., 2009), publicado na revista "Nature Neuroscience", investigou a regulação do espaço pessoal pela amígdala humana (parte do sistema límbico que regula o comportamento sexual, o comportamento agressivo, as respostas emocionais, a reatividade a estímulos e a cognição social), concluindo que a amígdala pode ser necessária para desencadear as fortes reações emocionais normalmente após violações do espaço pessoal, regulando assim a distância interpessoal em humanos, de maneira que a violação repetida do espaço pessoal nas cidades pode desencadear o sistema de ameaças do cérebro, o que nos faz sentir estressados.

Há outros estudos (LEDERBOGEN et al., 2011; TOST; CHAMPAGNE; MEYER-LINDENBERG, 2015; KÜHN et al., 2017) que buscam entender como a vida e a educação urbana afetam o processamento do estresse social e neural em humanos, a influência ambiental no cérebro e, por conseguinte, no bem-estar humano e na saúde mental, bem como a associação entre propriedades geográficas e estrutura cerebral.

Investir em saúde vai muito além de hospitais, médicos ou mesmo além do modelo tradicional de prevenção, a chamada "Estratégia de Saúde da Família". É preciso pensar de uma forma "hologramática" (o todo está na parte e a parte está no todo), reticular (em rede) e conectiva (tudo está conectado, logo, tudo importa).

Como fugir para as montanhas/florestas não parece mais ser uma opção viável, cabe pensarmos em uma estratégia de saúde global, que considere os espaços da cidade como parte dessa estratégia de promoção e prevenção da saúde pública.

Nesse sentido, é preciso uma campanha de "conscientização" da classe política e dos gestores públicos, mas principalmente, da população, que ainda se mantém presa a uma concepção que não promove a saúde, nem a previne, porque está baseada na lógica do consumo e, portanto, na perversão da máxima "melhor prevenir do que remediar".

Assim, a gestão da saúde não pode estar desconectada da gestão ambiental, da segurança dos recursos naturais, da educação e do planejamento urbano, pois as características geográficas e ambientais estão intimamente relacionadas aos estímulos que levam a um cérebro mais saudável ou não, de maneira que, a depender das condições habitativas, possamos planejar as cidades de um modo que melhore a saúde mental da sua população.

Só ao levarmos tudo isso em consideração poderíamos, talvez, tomando de empréstimo uma expressão utilizada por Di Felice (2017), falar em uma cidade inteligente promotora desse tipo de saúde, cidade essa entendida agora a partir da ideia de uma "ecologia comunicativa transorgânica", não mais baseada no "mito da ideia de uma ecologia externa" ao sujeito e de uma ideia "antropocêntrica do habitar" (ibid., p. 210-211), nem tampouco uma ecologia apenas biológica, mas também técnica e informativa (ibid; p. 222).


 

REFERÊNCIAS

 

DI FELICE, M. Net-ativismo - Da ação social para o ato conectivo. São Paulo: Paulus Editora, 2017.

KENNEDY, D. P. et al. Personal space regulation by the human amygdala. Nature Neuroscience, v. 12, p. 1226, 30 ago. 2009.

KÜHN, S. et al. In search of features that constitute an “enriched environment” in humans: Associations between geographical properties and brain structure. Scientific Reports, v. 7, n. 1, p. 11920, 2017.

LEDERBOGEN, F. et al. City living and urban upbringing affect neural social stress processing in humans. Nature, v. 474, p. 498, 22 jun. 2011.

PEEN, J. et al. Is the prevalence of psychiatric disorders associated with urbanization? Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 42, p. 984–989, 2007.

TOST, H.; CHAMPAGNE, F. A.; MEYER-LINDENBERG, A. Environmental influence in the brain, human welfare and mental health. Nature Neuroscience, v. 18, p. 1421, 25 set. 2015.

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Doutorado: Educação (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)
Possuo experiência na educação básica e superior, com conhecimento em pesquisa, metodologia, escrita e redação acadêmica
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