Em: "Reelaborações para violão da obra Bachiana: análise das
Por: Sérgio R.
04 de Outubro de 2017

Em: "Reelaborações para violão da obra Bachiana: análise das

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Questões terminológicas

Na literatura, é grande o número de teses, dissertações, artigos e verbetes que discutem possibilidades de classificação terminológica para as práticas de reelaboração musical, principalmente na tentativa de delimitação entre as práticas de arranjo e transcrição. Por se tratar de um tema bastante subjetivo, de modo geral, observamos haver grande dificuldade em realizar tais definições. A seguir, faremos uma breve reflexão sobre algumas destas, apontando quais nortearam nossa pesquisa, e finalmente contribuindo com uma nova proposta terminológica. Sir Hubert Parry, na primeira edição de A Dictionary of Music and Musicians, de 1879, organizado por George Grove, define:

"Arranjo, ou adaptação, é o equivalente musical da tradução literária. As vozes ou os instrumentos são como as linguagens (idiomas) pelas quais os pensamentos ou emoções dos compositores são expressos para o mundo; e o objetivo do arranjo é fazer com que o que foi escrito em uma linguagem musical seja inteligível em outra. As funções do arranjador e do tradutor são semelhantes, pois os instrumentos, assim como as línguas, são caracterizados por expressões idiomáticas peculiares, inclinações especiais e deficiências que exigem habilidade e conhecimento crítico dos modos correspondentes de expressão para lidar com eles. Mais do que tudo, a qualidade mais indispensável a ambos é a capacidade de entender a obra a qual estão lidando. Para isso não é suficiente colocar nota por nota ou palavra por palavra, ou até mesmo encontrar expressões correspondentes. Os significados e valores das palavras e notas variam de acordo com suas relativas posições, e a escolha deles exige a apreciação da obra num todo, bem como dos detalhes dos materiais de que é composta" (PARRY, 1879: 112, tradução nossa). 

O autor equipara as práticas de arranjo e adaptação, divergindo da maioria dos pesquisadores que, como veremos a seguir, definem adaptação como uma das formas de arranjo. Ele ainda faz uma comparação interessante entre arranjo e tradução literária, deixando claro que o objetivo do transcritor é tornar compreensível em uma determinada linguagem o que foi escrito em outra. Outros teóricos também fazem essa analogia. Segundo o violonista Flávio Barbeitas (2000), por exemplo, a palavra transcrição:


"Origina-se do verbo latino transcribere, composto de trans (de uma parte a outra; para além de) e scribere (escrever), significando, portanto, “escrever para além de”, ou ainda “escrever algo, partindo de um lugar e chegando a outro”. Tais significados aproximam bastante os conceitos de transcrição e tradução, uma vez que esta última palavra, originada do também latino transducere (trans + ducere), significa “levar, transferir, conduzir para além de”" (BARBEITAS, 2000: 4).


Sendo assim, é responsabilidade do intérprete-arranjador realizar tal transferência de significado “de uma parte a outra; para além de”. Nesse sentido, Wolney Unes (1998), em seu livro Entre músicos e tradutores: a figura do intérprete, define como intérprete:


"[...] aquele que torna possível ao leitor comum o acesso a uma determinada obra que se encontra codificada num sistema cujas regras, cujos símbolos são desconhecidos pelo leigo (ou mesmo pelo estudioso não-treinado). Além disso, esses símbolos são muitas vezes vistos apenas como um veículo para que se chegue à real motivação, à essência [...] daquela obra. O sistema de notação gráfica musical se encaixa justamente nesse critério: uma maneira de registrar música por um meio nãoacústico, não-sonoro" (UNES, 1998:14).


Outra definição importante do termo arranjo é encontrado no dicionário Larousse de la musique, de 2005:


"Arranjo - Transcrição de uma obra musical para um ou vários instrumentos diferentes daqueles para os quais ela foi inicialmente escrita. A adaptação da obra sinfônica para uma orquestra de câmara é um arranjo, da mesma forma que uma transcrição de um solo de clarineta para um violino, é outro tipo de arranjo. As reduções para piano de obras sinfônicas ou de óperas são igualmente arranjos" (LAROUSSE, 2005: 44, tradução nossa).

Nesta definição, os termos transcrição, adaptação e redução são colocados como sinônimos, ou seja, tratados apenas como diferentes formas de se realizar um “arranjo”; assim, observa-se que o termo “arranjo” do Larousse é mais abrangente, equivalendo-se ao termo “reelaboração musical” de Pereira (2011), como veremos mais à frente. Seguem abaixo duas definições encontradas em The New Grove Dictionary for Music and Musicians, de 1980, e no atual Grove Music Online. No início do verbete da edição de 1980, assinado por Malcolm Boyd, o musicólogo faz uma abordagem ampla do termo, definindo toda e qualquer “obra” como arranjo, pois estas envolvem a organização de “componentes melódicos e harmônicos básicos e constantes”. Veja abaixo:

"Aplica-se a toda música do ocidente de Hucbald a Hindemith, desde que cada composição envolve a organização dos componentes melódicos e harmônicos básicos e constantes, onde estes podem ser entendidos como pertencentes à série harmônica ou escala cromática" (BOYD, 1980 apud PEREIRA, 2011:12).

No entanto, a edição online traz verbetes separados para os termos arrangement e transcription:

"A palavra “arranjo” pode ser aplicada a qualquer peça musical baseada em, ou que incorpora material pré-existente: a forma “variação”, o contrafactum, a missa paródia, o pastiche e obras litúrgicas baseadas em um cantus firmus envolvem certo grau de “arranjo”. No sentido em que é comumente utilizada entre os músicos, no entanto, a palavra pode ser empregada para significar tanto a transferência de uma composição de um meio para outro como a elaboração (ou simplificação) de uma peça única, com ou sem mudança do instrumento. Em ambos os casos, algum grau de recomposição é geralmente envolvida, e o resultado pode variar de um método simples, quase literal, de transcrição a uma paráfrase, que é mais o trabalho do arranjador do que do compositor original. Deve-se acrescentar, porém, que a distinção implícita aqui entre um arranjo e uma transcrição não é universalmente aceita. [...] Poucas áreas da atividade musical envolvem o julgamento estético (e mesmo ético) dos músicos na mesma medida que a prática do arranjo" (BOYD, 2001: [s.n.], tradução nossa).

Enquanto que:


"A transcrição é uma subcategoria de notação. Em estudos clássicos euro-americanos, a transcrição refere-se à cópia de uma obra musical, geralmente com alguma mudança na notação (por exemplo, a partir de tablatura para a notação moderna) ou na disposição (por exemplo, a partir de partes separadas para partitura integral) sem a audição de sons reais durante o processo de escrita. Transcrições geralmente são feitas a partir de fontes manuscritas da música antiga (pré-1800) e, portanto, envolvem algum grau de trabalho editorial. Também pode significar um “arranjo”, especialmente um que envolva mudança de meio (por exemplo, de orquestra para piano). Na transcrição etnomusicológica, a música é escrita a partir de uma performance ao vivo ou gravada, ou é transferida de som para uma forma escrita por meio eletrônico ou mecânico" (ELLINGSON, 2001: [s.n.], tradução nossa). 

Para Ellingson, a transcrição não é necessariamente uma forma de reelaboração. Para ser classificada como tal, deve existir algum grau de recomposição ou intervenção no original, “especialmente uma que envolva mudança de meio”; o que nem sempre acontece, pois como o próprio autor define, “a transcrição é uma subcategoria de notação”, não exigindo então o envolvimento de instrumentos musicais para a realização. Como se pode observar, existe uma grande dificuldade em delimitar categoricamente as diferentes práticas de reelaboração musical. Em sua tese de doutorado intitulada As práticas de reelaboração musical (2011), a pianista e regente Flávia Pereira define como reelaboração musical as práticas de transcrição, arranjo, orquestração, redução e adaptação, ou seja, “aquelas que são desenvolvidas a partir de um material pré-existente e que procuram guardar um maior ou menor grau de interferências em relação ao original” (PEREIRA, 2011: 43). Em sua pesquisa, após a análise de reelaborações com diferentes características, tendo como parâmetro a oposição “fidelidade” versus “liberdade” em relação ao original14, a autora propõe as seguintes classificações e delimitações para as referidas práticas: Transcrição: a prática que possui maior grau de fidelidade com o original, apresentando alterações apenas em aspectos ferramentais da obra e mudança no meio instrumental (PEREIRA, 2011: 52); Arranjo: quando há “maior liberdade de manipulação em relação ao original, onde aspectos estruturais como ritmo, forma, harmonia ou melodia, poderão ser afetados” (PEREIRA, 2011: 180); Orquestração: prática “na qual se busca [...] um equilíbrio entre a ideia do compositor e as inúmeras possibilidades de readaptação instrumental, além de diversas possibilidades de novas arquiteturas sonoras” (PEREIRA, 2011: 91); Redução: “como o próprio nome já diz, designa especificamente um trabalho que será reduzido de um meio instrumental maior para outro menor, ou para um único instrumento” (PEREIRA, 2011: 125); Adaptação: esta categoria é bastante abrangente e também é empregada em outros meios artísticos. Por isso, Pereira a divide em duas subcategorias: (1) a adaptação que “envolve mudança de linguagem, transitando em movimentos artísticos diferentes” (PEREIRA, 2011: 218); e (2) apenas no universo musical, a reelaboração que está entre a transcrição e o arranjo, e que tem a função de “adequar a obra a algo, seja a um instrumento, um determinado público, contexto ou  gênero” (PEREIRA, 2011: 219).

Notamos que a segunda subcategoria de adaptação, citada acima, pode ser transformada em uma nova categoria de reelaboração musical independente, para que se evite confusões, já que este termo não se restringe ao universo musical. Procuramos uma palavra que pudesse ser empregada apenas em nosso contexto e chegamos a idiomatização. Obviamente, este termo deriva da palavra “idioma”, que, segundo Huron e Berec, na música:

"É comumente associado ao uso de recursos instrumentais distintos. A mecânica do instrumento musical geralmente influencia a forma como a música é organizada. Como na linguagem falada, passagens musicais podem ser caracterizadas como sendo mais ou menos idiomáticas, dependendo do quanto a música se adequa aos efeitos específicos do instrumento" (HURON; BEREC, 2009: 103, tradução nossa).

Com isso, o termo idiomatização será utilizado para nos referirmos à segunda subcategoria de adaptação descrita por Pereira. Entendemos que, assim, identificaremos melhor a prática de reelaboração que procura não só adequar a obra às possibilidades físicas do instrumento de destino, mas transformar seus elementos (da obra) em função do novo meio, apresentando alterações tanto em aspectos ferramentais como estruturais, com exceção da estrutura formal. Devido à clareza, coerência e ineditismo do trabalho de Flávia Pereira (2011), optamos por utilizar como parâmetros suas delimitações, juntamente com nossa contribuição terminológica, para que, após análise de reelaborações de Francisco Tárrega e Pablo Marquez da Fuga BWV1001, possamos responder a seguinte questão: Em qual das práticas de “reelaboração musical” as versões se adequam?

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