A questão da coisa-em-si em Kant e Schopenhauer é complexa, mas fundamental para entender suas filosofias. Vamos examinar brevemente como cada um trata o assunto:
Kant argumenta que não podemos atribuir as formas dos fenômenos à coisa-em-si justamente porque elas são as condições sob as quais nós experienciamos o mundo, e não características do mundo em si mesmo. Se a coisa-em-si tivesse essas formas, significaria que nosso conhecimento fenomenal acessa diretamente a coisa-em-si, o que contradiz a própria distinção kantiana entre fenômeno e númeno.
A razão central pela qual a coisa-em-si não pode ter vestígios das formas dos fenômenos (tempo, espaço e causalidade), em ambos os filósofos, é que essas formas são inerentes à nossa maneira de perceber e compreender o mundo, não características das próprias coisas que existem independentemente de nós. A coisa-em-si, por essência, está além dessas formas e, portanto, inacessível ao conhecimento empírico-humano. Em suma, a coisa-em-si não pode possuir as formas dos fenômenos porque seria uma contradição lógica no sistema filosófico de Kant: estamos tratando de domínios diferentes da realidade — o que conhecemos e como conhecemos (fenômenos) versus o que é (coisa-em-si).
Em Kant, a "coisa-em-si" (“noumeno”) não pode possuir as formas dos fenômenos (tempo, espaço e causalidade) porque essas são estruturas da nossa percepção. Kant argumenta que nossas mentes estruturam a experiência em torno dessas formas para fazer sentido do mundo. A "coisa-em-si" existe além de nossa capacidade de percepção e, portanto, não está sujeita a essas formas estruturais da mente.
Schopenhauer, por sua vez, baseia-se em Kant mas vai um passo além, afirmando que a "coisa-em-si" é a Vontade, uma força cega e irracional que está além do alcance do entendimento humano. Ele também sustenta que tempo, espaço e causalidade são apenas representações fenomênicas, e não poderiam se aplicar à Vontade.
Em suma, a razão pela qual a "coisa-em-si" não pode ter qualquer vestígio dessas formas é que elas são inerentemente limitadas ao mundo da experiência sensorial, enquanto a "coisa-em-si" está além desse mundo.
Uma analogia pode servir de exemplo: pense na "coisa-em-si" como a essência de um objeto que existe independentemente de nossa percepção! Agora, imagine que você usa óculos com lentes que filtram tudo em tons de azul! Para você, tudo no mundo aparece em azul. Mas isso não significa que o mundo em si é azul, apenas que você o percebe assim devido às suas lentes.
No caso do tempo, espaço e causalidade, esses são como nossos "óculos" mentais. Eles estruturam nossa experiência do mundo, mas não o definem em sua essência. Portanto, a "coisa-em-si" não possui tempo, espaço ou causalidade, pois essas são apenas formas como nossa mente processa a realidade, não atributos da realidade em si.