Se o estado é um instrumento de dominação de uma classe sobre a outra, como é possível haver democracia?
Boa noite! Você poderia informar o autor que está estudando?
Boa noite! Você poderia informar o autor que está estudando?
Olá, Carlos, boa noite.
Para melhor elaborar a resposta, poderia informar sob perspectiva de qual autor você está estudando?
Carlos, acredito que esteja estudando Marx, certo? Se sim, veja como o autor concebe o estado e a democracia:
"estado. Conceito de importância fundamental no pensamento marxista, que considera o Estado como a instituição que, acima de todas as outras, tem como função assegurar e conservar a dominação e a exploração de classe. " (Bottomore, 2013, p.218-219)
"democracia Desde seus primeiros escritos, Marx afirmou seu compromisso com o ideal da democracia direta. Sua concepção inicial desse gênero de democracia prendia-se a uma crítica rousseauniana do princípio da representação e à concepção de que a verdadeira democracia implica o desaparecimento do Estado e, desse modo, o fim da separação entre o Estado e a sociedade civil, que ocorre porque “a sociedade passa a ser um organismo de interesses homogêneos e solidários, e a esfera ‘política’ distinta, a esfera do ‘interese geral’, desaparece juntamente com a divisão entre
governantes e governados” (Bottomore, 2013, p. 162, apud Colletti, 1975, p.44).
Ou seja, seguindo a concepção marxista, que entende o estado burguês como instrumento de dominação, somente haverá democracia direta e real com o fim do Estado burguês. Para saber mais, consulte https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2543654/mod_resource/content/2/Bottomore_dicion%C3%A1rio_pensamento_marxista.pdf .
Rachel de Miranda Taveira - Professora e pesquisadora.
A questão proposta reflete uma tensão central na teoria política e sociológica, que remonta às análises de Karl Marx sobre o Estado, e é constantemente revisitada no debate contemporâneo sobre democracia e estruturas de poder. A ideia de que o Estado é um instrumento de dominação de uma classe sobre outra não é um conceito ultrapassado, mas sim uma análise crítica que continua a ser fundamental para entender as dinâmicas sociais e políticas. A resposta a essa pergunta envolve entender como as contradições sociais, as lutas de classe e a formação da consciência política interagem para criar possibilidades de democracia mesmo em sociedades profundamente desiguais.
Na perspectiva marxista, o Estado é visto como um produto das relações de produção e uma estrutura que serve aos interesses da classe dominante. Em uma sociedade capitalista, isso significa que o Estado atua para manter a ordem que beneficia a classe capitalista (burguesia) e mantém os trabalhadores (proletariado) em posições subalternas. Marx e Engels, em suas obras, argumentaram que o Estado não é uma entidade neutra, mas um aparato que reflete e reforça as relações de poder e de propriedade privada.
Essa visão de que o Estado é um instrumento de opressão pode parecer contraditória quando colocada ao lado do conceito de democracia, que em sua definição clássica, implica a soberania popular e a igualdade de direitos. Como, então, seria possível haver democracia em um sistema onde as desigualdades de classe são tão marcantes? O desafio aqui é entender as contradições do Estado moderno e como as lutas sociais podem, mesmo em um sistema desigual, gerar espaços de liberdade política e de representação popular.
Para entender a possível coexistência entre o Estado como instrumento de dominação e a democracia, é preciso considerar as seguintes dinâmicas:
Hegemonia e Consenso (Antonio Gramsci): Antonio Gramsci, filósofo e sociólogo italiano, propôs que, embora o Estado sirva aos interesses da classe dominante, ele não se sustenta apenas por meio da coação (violência ou repressão direta), mas também por meio da hegemonia. A hegemonia é o processo pelo qual a classe dominante consegue impor suas ideias e valores como sendo universais, criando consenso entre as classes subalternas. Isso ocorre, por exemplo, através da cultura, da educação e da mídia, que transmitem as ideologias que justificam as desigualdades e o status quo. No entanto, Gramsci também indicou que, mesmo dentro de uma estrutura hegemonizada, as classes subalternas podem lutar por espaços de autonomia e resistência. A democracia, assim, pode ser vista como um campo de luta, onde as classes dominadas buscam ampliar seus direitos e participação.
Democracia como Luta de Classes (Marx e os Marxistas Contemporâneos): De acordo com a teoria marxista, a democracia no capitalismo é limitada e incompleta, pois a soberania popular é frequentemente cerceada pela dominação econômica. O sistema eleitoral e as instituições políticas podem ser moldados de forma a representar os interesses das elites econômicas. Contudo, Marx também acreditava que o proletariado poderia, através da organização política e da luta de classes, transformar o Estado e suas estruturas para que a democracia real fosse alcançada — o que envolveria, para ele, a abolição da propriedade privada e a transformação das relações de classe.
No cenário contemporâneo, a democracia representativa é vista por muitos como um mecanismo que, embora inclua a participação do povo, não resolve as desigualdades estruturais de poder. As democracias liberais modernas, por exemplo, têm sido criticadas por favorecer os interesses de grandes corporações e elites econômicas, enquanto as classes populares frequentemente têm sua voz reduzida ou marginalizada, mesmo em processos eleitorais.
Teorias Democráticas Contemporâneas: As teorias democráticas contemporâneas abordam a relação entre Estado e democracia a partir de uma perspectiva mais complexa. Robert Dahl, por exemplo, propôs o conceito de "poliarquia", em que a democracia não é absoluta, mas sim um conjunto de instituições políticas que asseguram a competição política e a participação dos cidadãos. No entanto, ele reconhece que, mesmo em uma poliarquia, as desigualdades sociais e econômicas podem limitar a verdadeira igualdade política.
Já Jürgen Habermas, um dos principais teóricos contemporâneos da democracia, argumenta que, apesar das desigualdades estruturais, a esfera pública (espaço de debate e deliberação) pode ser um meio de superar a dominação. Para Habermas, a deliberação pública, onde os cidadãos possam discutir e formar opiniões de maneira livre e informada, é essencial para a legitimidade democrática. A democracia, portanto, poderia existir como um espaço de deliberação e participação que visa superar as desigualdades, embora ainda estando sujeito à influência das estruturas econômicas.
Embora a visão tradicional do Estado como instrumento de dominação de classe coloque obstáculos à ideia de uma democracia plena, a democracia pode existir como um campo de luta dentro de um sistema capitalista. Ela não é um estado de harmonia, mas sim um processo dinâmico em que as classes sociais, mesmo em um contexto desigual, buscam expandir seus direitos e participação. Isso implica que, embora o Estado e as instituições democráticas possam ser moldados pelas forças dominantes, sempre há a possibilidade de resistência, organização política e transformação pelas classes subalternas.
A democracia não deve ser vista como uma situação estática, mas como um processo contínuo de conquista de direitos e poder por diferentes grupos sociais. Portanto, mesmo em uma sociedade de classes, é possível que a democracia seja entendida não apenas como uma imposição das elites, mas também como uma luta constante das classes dominadas para alcançar a autonomia política e reduzir as desigualdades estruturais.