Como (não) agradar a todo mundo, ou uma aplicação do teorema
Por: Ricardo C.
29 de Agosto de 2014

Como (não) agradar a todo mundo, ou uma aplicação do teorema

Economia

A galera que curte escolha social deve saber, mais do que ninguém sabe, que não dá pra agradar a todo mundo. Primeiro, é díficil você agradar a uma pessoa em tudo que ela gosta (esposos e esposas sabem muito bem disso). Segundo, mesmo que você faça tudo que alguém quer, dificilmente a pessoa se dará por satisfeita. Não é só uma questão daquela pessoa revelar preferências (atenção aos alunos de economia), mas uma questão de descobrir o que realmente se gosta. Afinal de contas, ninguém nasce sabendo dessas paradas todas.

Mas este não é um texto sobre escolhas individuais. O problema de você querer agradar a todo mundo é que, no final, você acaba não agradando a ninguém. Dicotomias, por mais que alguns as odeiem, estão aí. Não dá pra defender a legalização das drogas e sua proibição ao mesmo tempo, assim como não dá pra fazer quanto ao aborto - ainda que existam graus de aceite para cada uma dessas coisas. Defender uma ideia significa atacar outra, e vice-versa. E as pessoas costumam ficar particularmente ofendidas quando você ataca suas ideias, como se você tivesse atacado as suas mães. Principalmente política, religião e futebol (existe um motivo pra isso, inclusive, que é a identificação pessoal com as próprias crenças).

Bem, como tudo nessa vida (ou nada, dependendo do teu ponto de vista), a economia consegue mostrar que não dá pra agradar a todo mundo. Imagine que você, em plena noite de sexta com os amigos, se envolve em uma discussão sobre um assunto bem polêmico: a melhor forma de não se sujar a bunda depois do nº 2. Alguns defendem que tudo vai do que você come, e sugerem fibras. Outros sugerem proteínas. Alguns mais radicais defendem uma mudança de postura no trono. Outros mais positivistas já afirmam que não tem problema sujar a bunda, desde que você saiba limpá-la. E os empiristas sugerem um experimento.

Independende de como você se posicionar, existirão pessoas que te verão como louco, excêntrico ou nojento. Pense que, para alguém que prefere a alimentação rica em fibras é particularmente contra uma alimentação rica em proteínas, já que esta constitui uma dicotomia com a primeira - ou você come proporcionalmente muitas fibras, ou muita proteína, ou engorda como um porco castrado - mas não é tão contra a hipótese da forma ótima de limpar a bunda.

Podemos, então, encadear as preferências dessa galera de forma que sempre que alguém defenda uma ideia qualquer (fibras ou proteínas, por exemplo), eles estão mais sucetíveis a pensar positivamente com relação a umas ideias do que outras. O cara pode preferir simplesmente comer mais fibras a aprender a limpar a bunda, limpar a bunda a mudar a postura e mudar a postura a comer mais proteínas, enquanto outro pensa justamente o contrário. Se você se posicionar a favor das proteínas, vai ganhar um inimigo e, se for se posicionar a favor das fibras, vai ganhar outro.

Bom, já deu pra ver o drama. Não dá pra agradar a todos. Afinal de contas, existem escolhas ali que se excluem mutuamente e, dependendo de como teus amigos preferem se portar na hora do gão (jeito carinhoso de falar, galera), não chegarão a conclusão alguma - ou chegarão a uma péssima conclusão. Primeiro, tem gente ali que considera bem diferente se limpar no banheiro de casa, com acesso ao chuveirinho, ou no banheiro do pé sujo que vocês resolveram parar pra gelada pré-fds (a chamada dependência das escolhas irrelevantes). Outros ali consideram os efeitos que a alimentação terá durante as corridas matinais, e o resultado intertinal será apenas uma externalidade positiva. Outros ainda querem agir como ditadores e determinar como cada um deve passar suas horas sagradas. No final, não se chega a nenhuma conclusão e todo mundo sai dali irritado ou melhores filósofos de boteco.

Mas existe, sim, uma forma de manter as amizades (quer dizer, pelo menos a maior parte delas), que é manter-se com a maioria, de acordo com o que a galera parece organizar as preferências, e se adequar a elas ao longo do tempo. Por exemplo, o pessoal pode preferir proteínas a postura, postura a fibras, limpar a postura, limpar a fibras, proteínas a limpar e proteínas a fibras (supondo que seus amigos sejam homens das cavernas, como os meus, e odeiem fibras). Não importa se a transitividade das preferências falhar em algum momento, desde que elas sejam completas (um dia ainda escrevo explicando o que são essas coisas), o que importa é você conseguir saber como eles se posicionam e defender sempre a opção mais popular que estiver em debate.

Alguns chamarão isto de retórica charlatã. Outros chamarão isto de falsidade. Eu chamo isso de estratégia ótima de manutenção de amizades, baseada na teoria da escolha social.

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Ricardo C.
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