Data Science
em 23 de Agosto de 2017
Hoje, o post será mais sério.
Me peguei, ao ler um texto clássico sobre enquadramento em decisões (Rational Choice and the Framings of decisions, Tversky & Kahneman), filosofando sobre a existência ou não de uma lógica do tipo (preposição A implica em conclusão B) sobre a possibilidade de que os enquadramentos sejam observáveis em três sentidos: invariáveis, variáveis ou perfeitamente variáveis.
Não vou detalhar muito, mas seria, como no texto eles dizem não ser possível, uma forma de concatenar uma análise positiva e normativa, imbuindo na teoria econômica a capacidade de avaliar como alteram-se as escolhas quando existem enquadramentos, da forma mais genérica possível. É provável que a maioria de vocês não conheça a literatura de Análise Matemática e Economia Comportamental a ponto de saber do que estou falando, então tentarei ser bem simplista sobre os diversos conceitos envolvidos aqui.
Primeiro, o enquadramento nada mais é do que a forma como uma possível escolha é apresentada ao indivíduo. O exemplo clássico é o enquadramento de sobrevivência / morte no tratamento de câncer de pulmão:
Esta pergunta, feita e refeita durante pelo menos 30 anos, mostra que, apesar de os resultados serem rigorosamente os mesmos, 18% das pessoas preferiam o tratamento com terapia de radiação no enquadramento de sobrevivência, e 44% preferiam o mesmo tratamento no enquadramento de morte - ou seja, 26% das pessoas mudaram de opinião só por enquadrar as opções de forma diferente. Estranho, não? Este é um dos temas do livro "Nudge" (Thaler & Sunstein) e "Thinking, Fast and Slow" (Kahneman), e mostra que as decisões individuais dependem da forma como as pessoas enxergam as opções, algo que não é considerado na teoria da escolha dos livros básicos (que, diga-se de passagem, não foi desenhada para isto, muito porquê este tipo de questionamento nem existia quando ela foi desenhada, e dá muito trabalho colocar uma versão mais nova para ensinar na graduação).
Obviamente, não existe apenas essa diferença de enquadramento. Existem diferenças, por exemplo, ao enquadrar marcas e preços, dependendo da informação que você tem. Um bom exemplo cotidiano são as marcas: você enquadra os preços destas como refletindo produtos melhores ou maior demanda? As duas possibilidades são plausíveis e o preço pode em nada relacionar-se com a qualidade dos produtos.
O que aprendemos é que os enquadramentos importam. Neste caso, não seria interessante ter uma teoria que os considere? Como fazê-lo?
A versão mais simples da teoria da decisão engloba apenas uma definição, a de relação de preferências. O problema é que uma "relação" é um objeto matemático básico, como a igualdade () ou o maior que (), e a relação de preferências () diz que um bem é preferível a outro (lembrando que esta é uma definição completamente individual, que muitos estrapolam como conceito para escolha social mas não foi desenhada para isto).
Não quero discutir toda a teoria econômica da escolha aqui, mas incluir os efeitos de enquadramento nas deciões individuais, neste arcabouço, parece não precisar de um esforço ou modificações significativas. A forma mais simples é colocar uma dimensão a mais nos bens, refletindo a forma como eles são enquadrados pelos indivíduos. Neste caso, os enquadramentos comporiam uma dimensão das decisões na qual os indivíduos ordenam as informações que têm sobre os bens, e não as características dos bens em si, enquando a outra dimensão responde por esta característica das decisões. Assim, basta desenhar uma relação de preferências que consiga captar o impacto do enquadramento na preferência individual, e portanto nas decisões que os indivíduos fazem.
Bem, o que pensei foi definir um espaço no qual estes enquadramentos farão a diferença. Pense o seguinte: se enquadrarmos uma opção de forma suficientemente diferente de outra, teremos uma preferência diferente pelos bens. Se eu enquadrar a diferença de preços como uma amostra de demanda, e associar aquele consumo a um grupo de pessoas com o qual você não se identifique, você provavelmente mudará sua opinião sobre aquele bem, mesmo que as características dele antes e depois da mudança sejam as mesmas. Logo, defino a seguinte relação de preferências para um conjunto de bens :
Dizendo que, se eu tenho o framing suficientemente longe de outro (representados pelos x com f embaixo), faço com que um bem seja preferido a outro por suas características. Minha filosofia de hoje foi justamente nisto. Será que isto é verdade? Por lógica, eu tenho que se a distância for suficiente, então eu passo a preferir com base nesta distância. Mas também tenho que, se eu não preferir, então a distância não foi suficiente, ou ela não existe. Ainda, eu posso preferir mesmo que a distância não existe, ou que ela não seja suficiente.
Meu exercício filosófico me leva a crer que esta é uma boa hipótese e, por isto, compartilho ela com vocês. Lógico que existe um raciocínio mais profundo por trás desta discussão, com argumentos mais técnicos, mas acho interessante mostrar a vocês - muitos dos quais alunos de graduação - que aquela teoria que vocês aprendem em Microeconomia 1 tem desdobramentos incríveis, e você só vai entender estes desdobramentos se entender bem a teoria.