Ausência de bibliotecas em ficções nacionais

A biblioteca, geralmente, é uma figura muito presente em obras estrangeiras de ficção e fantasia, sejam obras literárias ou obras produzidas em audiovisual, como filmes, séries e animações infantis. As bibliotecas, na maioria das vezes, atuam como um caminho que leva os personagens até o conhecimento que eles precisam para conseguir concluir a trama.

A presença da biblioteca é muito perceptível em obras estrangeiras, como ocorre na saga “Harry Potter”, em que os bruxos precisam constantemente recorrer à biblioteca para estudar ou para aprender algum feitiço crucial para o seu progresso. Na saga de livros literários “Harry Potter”, a personagem Hermione sempre está recorrendo à biblioteca e aos livros para aprimorar suas habilidades mágicas e evoluir como personagem. Sendo assim, fica nítido que a biblioteca é uma figura não apenas frequente nos livros, mas também uma parte crucial para o enredo.

Além de sua presença marcante em algumas obras literárias, também é possível identificar a figura da biblioteca presente em obras ficcionais estrangeiras do audiovisual, como ocorre com a série “Supernatural”, produzida pela Warner até 2020. A série mostra a trajetória de dois irmãos que lutam contra criaturas sobrenaturais e a biblioteca se mostra presente durante todo o enredo. Os personagens da série estão o tempo todo frequentando bibliotecas e buscando por livros para conseguirem derrotar as criaturas sobrenaturais de forma eficiente. Em “Supernatural”, é possível visualizar que o personagem Sam está sempre estudando em bibliotecas para conseguir se tornar um caçador melhor, e até mesmo seu irmão Dean, que não possui esse hábito, vê a necessidade de consultar os livros para conseguir progredir em suas missões. 

Percebe-se que nas ficções e fantasias estrangeiras, sejam obras literárias ou séries de televisão, as bibliotecas são uma figura importante para o desenvolvimento das personagens e para o desfecho da história. Até mesmo nos populares filmes de super-herói produzidos pela Marvel, a biblioteca aparece em algum momento, principalmente nos filmes do “Dr. estranho” que está sempre cercado de livros de magia. No entanto, nas obras brasileiras de ficção e fantasia essa presença não se mostra tão marcante e nem mesmo atual. Ao verificar os livros brasileiros de ficção ou obras audiovisuais atuais, não há uma presença tão marcante das bibliotecas e, na maior parte das vezes, elas nem aparecem nas obras. 

É interessante notar que mesmo quando as obras ficcionais brasileiras mostram elementos sobrenaturais, fantasiosos ou até mesmo o folclore brasileiro, as personagens em nenhum momento precisam recorrer a uma biblioteca ou a um acervo de livros para progredirem no enredo. É o que podemos ver na série “Cidade Invisível”, em que o protagonista se depara com várias figuras do folclore brasileiro e, mesmo confuso, em nenhum momento vemos ele buscando uma biblioteca para entender melhor a situação que está enfrentando. 

Essa ausência da biblioteca é perceptível também na literatura ficcional brasileira, pois as personagens em nenhum momento precisam estar nesses ambientes para concluir a trama. Na grande maioria das vezes, a biblioteca não aparece em nenhum momento na obra, e quando aparece, não possui uma relevância para o que irá acontecer no decorrer do livro. Com isso, o que podemos perceber é que, dentre as obras literárias populares de ficção brasileira, uma das “mais atuais” que mostra a figura da biblioteca, seria “A droga da obediência”, publicada em 1992. Em certo momento do livro, o grupo de adolescentes vai à biblioteca para conseguir resolver o mistério da trama. Embora seja um momento breve, a biblioteca aparece no enredo da obra para auxiliar os jovens em seu progresso. 

Já na ficção brasileira em audiovisual, o exemplo popular “mais atual” que traz a biblioteca como uma figura frequente, é o programa de TV “Castelo Rá-tim-bum" produzido pela TV Cultura até 1997. Na produção da TV Cultura vemos a personagem Gato Pintado atuando como um bibliotecário. Durante os episódios do programa infantil, o Gato Pintado está constantemente na biblioteca e realiza a leitura de uma série de poemas, além disso, o gato recorre aos livros para auxiliar as crianças com seus questionamentos e dúvidas.  

Embora existam exemplos de obras ficcionais brasileiras que mostram os livros e a biblioteca em si como figuras relevantes durante a construção e progresso das personagens, esses exemplos acabam ficando ultrapassados, visto que foram lançados antes dos anos 2000. O que se percebe a partir disso, é um esquecimento da biblioteca nas obras, tanto literárias como audiovisuais. 

Essa ausência das bibliotecas nas obras nacionais de ficção podem ser um reflexo da atual realidade brasileira, em que as bibliotecas e as leituras não são muito frequentes no cotidiano dos brasileiros. De acordo com a 5ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, no período de três meses anteriores à pesquisa, a média de livros inteiros lidos pelos entrevistados ficou em 1,05 e a média de livros lidos em partes ficou em 1,55. Além disso, a pesquisa ainda verificou que apenas 20% dos entrevistados realizam leituras em bibliotecas.

Enquanto na ficção estrangeira a biblioteca está sempre presente, seja em um livro da década de 90 ou em filme da Marvel lançado em 2016, na ficção brasileira a biblioteca — e os livros de modo geral — se encontra perdida no passado e em constante esquecimento.