Níveis no estudo do piano
em 03 de Janeiro de 2023
O campo de atuação do pianista é bastante extenso e diverso. Apesar de ser um instrumento solista, há muitas oportunidades para trabalhar em colaboração com outros músicos e artistas. Uma dessas áreas é a da correpetição. Correpetidor, acompanhador, e pianista colaborador são usados como sinônimos, há quem defenda a singularidade de cada termo, mas de forma geral, a atuação destes profissionais são parecidas, como nuances de um mesmo tom.
O pianista que trabalha como colaborador escolhe entre acompanhamento vocal, instrumental, coral e até mesmo de Ballet. Alguns profissionais decidem se especializar em apenas uma área, às vezes se especializando por voz ou instrumento. É comum encontrar correpetidores que tocam apenas com violinistas, outros apenas com sopranos e assim por diante. Alguns instrumentos, principalmente do naipe dos metais, possuem um repertório bastante complicado de executar e para aqueles que aceitam o desafio, há sempre oportunidades à vista.
Pianistas que trabalham com cantores, muitas vezes os acompanham periodicamente em suas aulas, e ensaiam frequentemente. É comum professores de canto exigirem que os alunos tenham um pianista fixo para ensaiar e frequentar as aulas. Alguns se especializam e se tornam um “coach“. Um coach, é um pianista especializado no repertório de canto. Ele deve possuir conhecimento de técnica vocal suficiente para dar suporte ao cantor, além de possuir conhecimento de dicção. É comum encontrar coaches que também são maestros ou vice-versa. Estes são os mais procurados por cantores profissionais que já têm sua técnica formada e buscam sugestões e conselhos sobre a performance, uma visão mais artística.
Gerald Moore, foi um grande pianista colaborador que trabalhou com grandes artistas como o barítono Dietrich Fisher-Dieskau, a soprano Elizabeth Schumann, a soprano Elizabeth Schwazkopf, entre outros. Abaixo, Fisher-Dieskau e Moore interpretando Erlkönig de Schubert. Nesta obra, a parte do piano é conhecida pela dificuldade das notas repetidas freneticamente, e fica claro o quanto a linha não é mero acompanhamento.
O repertório de canto inclui música de câmara, reduções orquestrais, canções folclóricas e até peças de musicais. Entretanto, nem sempre a parte do acompanhamento foi escrita para piano. É comum encontrar transcrições de partes orquestrais ou de diferentes instrumentos.
Parte do repertório é composto por obras camerísticas. As peças de câmara geralmente foram compostas levando em consideração a colaboração de ambas as partes, o parte do piano muitas vezes contém material mais substancial que mero acompanhamento. Outra prática comum, é que obras compostas para uma voz seja transposta para uma tonalidade diferente para que possa ser executada por uma voz diferente.
Árias de ópera são parte do repertório de cantores, e apesar do acompanhamento ter sido originalmente escrito para orquestra, há diferentes transcrições, reduções para piano. Também é comum que cantores apresentem árias de ópera em recitais acompanhados do piano. Ao enfrentar uma redução orquestral, o pianista por vezes necessita fazer concessões e adaptações de uma escrita que é deveras densa, e, muitas vezes tecnicamente desconfortáveis. Conhecer o acompanhamento orquestral é imprescindível para construir as cores do acompanhamento, algumas edições indicam quais instrumentos originalmente executariam uma seção.
Talvez a maior diferença entre acompanhar instrumentos e cantores, é, além da presença do texto, a respiração. É fato que instrumentistas também respiram, especialmente os que tocam instrumentos de sopro, mas a maneira como um cantor respira é muito mais orgânica, e influencia diretamente na forma como ele constrói as frases. É importante estar em sintonia com o cantor e ser sensível aos momentos de respiração. É recomendável marcar na partitura as respirações, com o tempo, pianistas ficam mais experientes e são capazes de antecipar os momentos que necessitam de respiração.
Outra coisa para se atentar, é o balanço sonoro. Ao acompanhar, é comum que o piano tenha a tampa da cauda fechada ou meio aberta, depende bastante do repertório e do instrumento ou voz que se está colaborando. Quando se acompanha instrumentos de metais, por exemplo, é normal manter a tampa totalmente aberta, com cantores é comum manter a cauda meio aberta. É importante lembrar que em um trabalho colaborativo, há momentos em que o piano precisa se sobressair mais e outros menos, portanto, cabe ao pianista ater-se para as diversas variações que dependem de fatores como o instrumento ou voz que se está tocando, o artista que se está colaborando, o espaço da apresentação entre outros.
É essencial conhecer a linha melódica do cantor. Aprender apenas a parte do piano não é suficiente. Bons pianistas colaboradores costumam tocar o acompanhamento enquanto solfejam a parte melódica. A obra é o conjunto das duas partes, por isso é importante entender a parte melódica.
Conhecer o texto também é imprescindível. O texto oferece imagens mais claras e concretas do significado da obra. A música instrumental depende unicamente de imagens sonoras na hora da sua concepção, a música vocal, contudo, oferece o texto, que mesmo com toda a subjetividade que a atividade da performance envolve, ainda oferece objetividade de significado.
Ter a oportunidade de trabalhar em colaboração com outros artistas é sem dúvidas um processo muito enriquecedor musicalmente. Além de expandir o repertório do pianista, trabalhar com outros artistas desenvolve o ouvir musical, uma vez que, é necessário ser sensível às nuances da execução do outro além da própria execução, tendo em mente que a obra é produto da combinação de ambas as partes.
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Texto adaptado de: https://danielpadovanpiano.wordpress.com/2020/05/24/acompanhando-cantores/