A escola de Frankfurt -"existe marxismo cultural?"
Por: Darcio A.
03 de Junho de 2020

A escola de Frankfurt -"existe marxismo cultural?"

Parte IV - O conceito de esclarecimento (final)

Filosofia Ensino Médio Cursinho Vestibular Aulas De Reforço Curso Superior Enem Aulas Particulares Acompanhamento Escolar Geral a Distância Concurso Assuntos que mais caíram no Enem 1º Ano Profissional

“O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados.” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 14) 

No “Prefácio” de A Dialética do Esclarecimento, os autores colocam a questão norteadora da reflexão: “O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, está afundando numa espécie de barbárie” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.11). Isso constitui no tema norteador da reflexão de Adorno e Horkheimer: o uso que o homem faz de sua razão possibilitou grandes desenvolvimentos tecnológicos e uma estrutura de organização social jamais vista. A ciência, aliada à tecnologia, possibilitou conforto à vida humana, porém, tal é o paradoxo apontado pelos autores: essa mesma ciência e tecnologia que produziram maravilhas produziram, também, a própria ruína do homem, na medida em que o aprisionaram e o escravizaram na obrigatoriedade de um trabalho rotineiro, sem reflexão e alienado; em uma forma de lazer banal e em uma mídia com programas que elevam a mediocridade da humanidade. Nesse sentido, a questão levantada é sobre o próprio sentido de uma ciência responsável pelo bem, mas, responsável também pelo mal do homem: “(...) no colapso atual da civilização burguesa, o que se torna problemático não é apenas a atividade, mas o sentido da ciência” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 11). A questão de fundo nesta crítica à civilização - que baseia o esclarecimento no desenvolvimento exacerbado da ciência - constitui-se no próprio valor da ciência: qual o valor de uma ciência que produz máquinas fantásticas ao nosso cotidiano, se produz, também, o mal-estar, as doenças que o homem somatiza por viver uma vida alienada e sem sentido? Assim, a mesma razão que prolonga ou diminui o sofrimento do homem aumenta, na mesma proporção, a barbárie do nosso mundo. Ainda no “Prefácio” lemos:

“A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma (...) de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o próprio conceito desse pensamento (...) contém o germe para a regressão que hoje tem lugar por toda parte. “(ADORNO & HORKHEIMER, p. 13) 

E mais adiante, no capítulo “O Conceito de Esclarecimento”, encontramos: 

“No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade brutal.” (ADORNO & HORKHEIMER, p. 19). 

Continuando com Adorno, o projeto de construção de uma civilização industrial fracassou, e fracassou porque não garantiu, sequer, uma qualidade de vida material para todas as pessoas e, também, para aumentar a tragicidade da existência, instaurou no homem o mal-estar originado da alienação, da diluição da individualidade numa massa sem identidade e sem rosto. Assim, o desenvolvimento da civilização trouxe o progresso tecnológico o qual, para Adorno e Horkheimer, trouxe também a regressão do homem ao inumano.

A Dialética do Esclarecimento assume o caráter de uma obra que denuncia o aspecto negativo dessa racionalidade instrumentalizada, pois mostra que esta razão remeteu o ser humano a uma forma de vida inumana. Desse modo, a razão esclarecedora, ao fundar nossa civilização tecnológica e industrial, inaugura junto dela um tipo de homem diluído na massa; na civilização, o homem perde sua própria identidade, seu próprio eu. 

“O homem recebe seu eu como algo pertencente a cada um, diferente de todos os outros, para que ele possa com tanto maior segurança se tornar igual. Mas, como isso nunca se concretizou, o esclarecimento sempre simpatizou, mesmo durante o período do liberalismo, com a coerção social. A unidade da coletividade manipulada consiste na negação de cada indivíduo; seria digna de escárnio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indivíduos.” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 27). 

O argumento mostra a denúncia que os autores fizeram ao processo civilizatório: o objetivo da sociedade não é garantir a individualidade, pois os desejos, paixões e prazeres individuais subvertem a ordem social. Nesse mesmo sentido, o objetivo da sociedade é a coesão social, e não o bem-estar do indivíduo. Ao contrário, o bem-estar da pessoa é a posteriori à coesão social, em outras palavras, é a paz social, a harmonia e o progresso social são primordiais e deverão garantir o bem-estar dos homens.

O processo de desenvolvimento civilizatório, cujo maior objetivo era proteger e perpetuar a espécie humana através da união dos homens numa coletividade trouxe em seu bojo a alienação dos homens em relação à própria civilização. A vida gregária que permitiu a propagação da espécie permitiu também, uma grande parcela de insatisfação aos homens na medida em que o indivíduo perde as rédeas de sua própria existência; na civilização, os homens se transformaram em seres desprovidos de rostos; em submissa massa de cordeiros que segue o pastor; enfim, os homens se transformaram em simples objetos de manipulação:

Agora que uma parte mínima do tempo de trabalho à disposição dos donos da sociedade é suficiente para assegurar a subsistência daqueles que ainda se fazem necessários para o manejo das máquinas, o resto supérfluo, a massa imensa da população, é adestrada como uma guarda suplementar do sistema, a serviço dos seus planos grandiosos para o presente e o futuro. Eles são sustentados como um exército de desempregados. Rebaixados ao nível de simples objetos do sistema administrativo, que pré-forma todos os setores da vida moderna, inclusive a linguagem e a percepção, sua degradação reflete para eles a necessidade objetiva contra a qual se creem impotentes (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 49).

A segurança, o bem-estar material, a longevidade maior proporcionada aos homens pela vida na civilização foram alcançadas graças a um preço altíssimo pago pelo homem: sua felicidade. Isto é, a vida na sociedade somente é possível no momento em que os homens abrem mão do seu desejo individualizado, de sua decisão individual e dilui-se no coletivo, assim, o desejo transforma-se na civilização no dever. É nessa perspectiva que a civilização se funda: na negação e repressão dos desejos e aspirações individuais. Desse modo, o homem passa a ser um objeto de manipulação do sistema, pois, na perpetuação da civilização é necessário extrair dos homens o poder de escolha daquilo que lhes dá prazer.

No projeto da civilização não cabe aos homens ser felizes, pois a felicidade é individual e contingente e a organização da sociedade não pode depender da satisfação do indivíduo. Nesse sentido, a vida na civilização é formada por homens ressentidos, resignados e frustrados, que cotidianamente reprimem seus desejos que iriam lhes proporcionar prazer, para realizar as exigências morais, religiosas e econômicas necessárias à manutenção da civilização. Cito: “A humanidade teve que se submeter a terríveis provações até que se formasse o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição disso” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 44). 

Nessa dimensão, o projeto civilizatório pelo qual todos os homens passam, é marcado notadamente pela repressão das individualidades em função da organização social. Assim, a necessidade do trabalho produtivo extremamente rotineiro, marcam a existência humana com o ferro da frustração. 

“O medo de perder o eu e o de suprimir com o eu o limite entre si mesmo e a outra vida, o temor da morte e da destruição, está irmanado a uma promessa de felicidade, que ameaça a cada instante a civilização. O caminho da civilização era o da obediência e do trabalho, sobre a qual a satisfação não brilha senão como mera aparência, como beleza destituída de poder.” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, pp. 44,45)

Nessa interpretação, a situação do homem civilizado é sui generis, uma vez que o grande projeto da razão esclarecida era de dotar os homens do poder de dominadores da natureza, e, a partir disso, fundar uma civilização cujo objetivo maior era a garantia da satisfação e do bem-estar do homem. Dessa forma, a civilização nasceu com esse propósito de garantir aos homens a felicidade. Da proteção dos primitivos à dominação total da natureza pelos modernos, o processo civilizatório sempre almejou a felicidade do homem. Porém, o processo civilizatório trouxe, também, em seu bojo, a alienação do homem, a insatisfação consigo mesmo e com o mundo, a ausência de perspectivas de realização dos desejos. Ou seja, a mecanização e automação do ser humano pela sociedade moderna, trouxeram uma grande parcela de insatisfação aos homens, haja vista o grande consumo de antidepressivos em nossa sociedade. Em função do grau de alienação e insatisfação do homem moderno, a civilização criou o protótipo de ser humano moderno, o homem-prozac. Da ilusão de uma humanidade, restou aos homens a realidade de uma inumanidade: “A maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão”. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 46).



R$ 90 / h
Darcio A.
São Paulo / SP
Darcio A.
5,0 (1 avaliação)
Tarefas resolvidas 1 tarefa resolvida
1ª hora grátis
Filosofia - Geral Filosofia - Enem Filosofia no Cursinho
Mestrado: Mestrado em Geografia Humana (Universidade de São Paulo (USP))
Professor de Geografia e História. Venha aprender hoje e para a vida !
Cadastre-se ou faça o login para comentar nessa publicação.

Confira artigos similares

Confira mais artigos sobre educação

+ ver todos os artigos

Encontre um professor particular

Busque, encontre e converse gratuitamente com professores particulares de todo o Brasil