Coronavírus e a sociedade industrial do século XXI
Por: Darcio A.
11 de Maio de 2020

Coronavírus e a sociedade industrial do século XXI

Geografia Geopolítica

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Passados alguns meses da pandemia de coronavírus (Covid 19), do surto de (des)informação, dos medos, das certezas e incertezas, algumas evidências vão ganhando corpo e alcançam o status de recomendações aceitas e compartilhadas socialmente, enquanto outras especulações vão sendo descartadas à medida que provam sua ineficácia, ou caem no puro e simples esquecimento midiático-social. Estas questões são mais perceptíveis no campo da saúde pública e das orientações de prevenção ao contágio. Nesse sentido, o campo da política e da economia vai sendo obscurecido pelas recomendações sanitárias e pela morbidez da contagem diária de corpos. No entanto, resgatar os debates iniciais que estão sendo abandonados progressivamente pela ênfase na saúde pode iluminar o ponto para o qual caminhará a sociedade pós-pandemia e seus efeitos sociais mais abrangentes. Uma dessas questões que parece se esfumaçar à medida que o contágio se amplia exponencialmente, alcançando devastadoramente as periferias e os rincões mais pobres do Brasil, como era de se esperar num país carente de tudo e que parece não se preocupar como deveria com o espalhamento do vírus entre os mais pobres, é o debate sobre a ORIGEM do vírus. 

No início da pandemia, o 'debate' ou mais precisamente a culpabilização sobre os propósitos da pandemia era gritante, estridente. Logo falou-se num suposto plano chinês de dominação mundial, sem muitos ou nenhum cuidado com a geopolítica caminha dentro de certos desígnios, ou sem uma compreensão mais básica dos jogos de poderes entre as potências mundiais. O tal plano chinês teria foco na quebra da economia mundial, que seria rapidamente dominada pela China, que seria o primeira país a sair da pandemia e teria os recursos necessários para comprar as empresas quebradas pelo mundo. Como evidência desse plano foi mostrado o acordo entre China e Rede Bandeirantes aqui no Brasil, desta forma a imprensa brasileira estaria ao lado do plano chinês. Curioso como o mundo, com sua imensa rede espionagem não teria detectado um plano tão audacioso dos chineses, como o Partido Comunista seria sórdido o suficiente para espalhar o vírus na sua própria população primeiro, para que depois o mundo fosse contaminado e mais interessante como o mundo pareceu assistiu calado e com as mãos amarradas a um ataque chinês desta proporção, limitando-se apenas a acusar a China por vias diplomáticas ou midiáticas, num mar de lamentações sem nenhuma retaliação prática. Para incrementar essa narrativa, os apologistas desta teoria mostravam 'provas cabais' de que setores do Ocidente seriam cúmplices do plano chinês. A rede Bandeirantes e a parcela da mídia no Brasil, como citado acima e a subida à presidência da OMS do etíope Tedros Adhanom, apontado como agente chinês cuja missão seria espalhar fake news e barrar ações de combate à cura da pandemia Covid 19 seriam provas cabais. Teoria da Conspiração? Vejamos...Trump disse numa coletiva que o vírus era chinês e quando perguntado sobre as evidências do fato ele se limitou a responder: é porque é, e fim! 

O presidente estadunidense foi seguido por outros políticos e personalidades pelo mundo, no Brasil o senador Bolsonaro reafirmou a mesma tese seguidas vezes; o governo polonês, húngaro e até o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, minimizaram os impactos da pandemia e adotaram aquela teoria do grande plano chinês de dominação da economia global. Após tantas denúncias de conspiração as embaixadas chinesas, normalmente silenciosas e discretas, responderam pontualmente a algumas dessas acusações. Aqui no Brasil, os chineses se dirigiram especificamente ao senador Flávio Bolsonaro, pedindo que ele procurasse urgentemente uma avaliação sobre o estado de sua saúde mental. Há alguns dias atrás, no entanto, Trump voltou ao tema, enfatizando que o vírus era chinês, de fato, mas que teria se propagado acidentalmente a partir de um laboratório na China, retirando o caráter proposital da pandemia e minimizando a responsabilidade do governo chinês, além de enterrar a questão do plano chinês de dominação da economia mundial.

Na contramão das acusações à China um fato passou despercebido pela imprensa brasileira - ou foi sumariamente ignorado - um grupo pesquisadores japoneses e taiwaneses publicaram um artigo, ainda em fevereiro, tentando mostrar que a Covid 19 não teria a China como origem, mas que havia penetrado o território chinês a partir do exterior; a investigação constatou que alguns japoneses viajaram para o Havaí e voltaram para casa infectados, pessoas que nunca haviam estado na China. Tempos depois o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) encerrou repentina e totalmente o laboratório de armas biológicas de Fort Detrick, Maryland, alegando que as instalações não possuíam salvaguardas contra vazamentos de patógenos, segundo o jornal New York Times. 

O governo chinês, por sua vez, sustenta que o 'paciente zero' nunca foi encontrado em território chinês e que os americanos poderiam ter levado o vírus para a China durante os jogos militares ocorridos em Wuhan no mês de outubro de 2019; ali outros militares teriam sido contaminados e transportado o vírus aos seus respectivos países, bem como a disseminado pela população local. 

A tese sobre o aparecimento do vírus na China ganha forte aceitação pois trabalha com o imaginário ocidental de que a população chinesa consome animais exóticos, que são vendidos em mercados úmidos e sujos pelo país, fontes de todo tipo de contaminação. Para essa suspeita chineses e muitas outras pessoas pelo mundo, incluindo intelectuais que estudam a China e o Oriente, respondem tratar-se de uma espécie de racismo sustentado pelo Oriente fantasioso e mítico criado pelo secular preconceito ocidental, incluindo aí o gosto chinês por animais sujos, o que não passaria da generalização de momentos de penúria e de fome pelos quais a população chinesa passou na sua história recente, mas que já teriam sido superados. Imaginários e preconceitos se prolongam no tempo, isto é fato!

Para além da polêmica China X EUA sobre a criação e o espraiamento do vírus, que diante dos novos fatos começa a cair no esquecimento, algumas outras questões surgem e parecem mais plausíveis para entendermos o surgimento da pandemia Covid 19. Uma terceira via para explicar o fato, que eu considero mais sensata, parte da análise do desenvolvimento do sistema capitalista nos dias atuais. Para isso precisamos mirar a produção agropecuária em larga escala, especificamente a criação e o confinamento em massa de aglomerados de aves, porcos e gados. Sabidamente as fazendas de criação avançam sobre aquilo que poderíamos chamar de natureza selvagem ou de primeira natureza, locais onde agentes microscópicos, vírus, fungos e bactérias existem a priori a partir dos mesmos mecanismos de seleção natural vigentes para outras espécies. O contato com ambientes selvagens mais a necessidade de confinamento de grandes quantidades de aves e porcos, no caso chinês, poderia ter contaminado e rapidamente disseminado cepas desconhecidas de vírus entre os animais destinados ao abate ou a produção de ovos - a China é atualmente uma das grandes concentradoras de rebanhos suínos e de granjas no mundo. Talvez isso explique o fato de alguns outros vírus terem se originado em território chinês nos últimos 20 ou 30 anos e se disseminado largamente, no entanto, historicamente a relação entre concentração animal e doenças pode ser verificada em outros países e continentes, no século XVIII identificou-se na Inglaterra um grande surto gripal entre o gado confinado e importado do continente europeu, ou em 1918, com a gripe espanhola, que aparentemente teve origem nas granjas indústrias que se formaram no estado do Kansas - EUA e foi levada à Europa por soldados americanos da frente de batalha ocidental na Primeira Guerra. Concluindo, a discussão sobre a 'culpa' da origem e disseminação da Covid 19 pode camuflar a percepção que o modelo de reprodução capitalista na cidade e no campo seja o grande disparador de catástrofes.

Prof. Darcio Argento

 

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Mestrado: Mestrado em Geografia Humana (Universidade de São Paulo (USP))
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