O CRISTÃO E A TEOLOGIA
Por: Fernando M.
16 de Agosto de 2020

O CRISTÃO E A TEOLOGIA

A RELEVÂNCIA DA TEOLOGIA NA IGREJA

Teologia Ensino Religioso Religião História da Igreja Vida e espiritualidade Doutrinas da Igreja Aconselhamento Exagese Bíblilca Aconselhamento Bíblico Curso superior Vestibular Profissional Antigo Testamento

O CRISTÃO E A TEOLOGIA 

Fernando Machado [1]

 

 

RESUMO 

 

      Este artigo tem como objetivo geral expor a relevância da  teologia para a vida cristã, e como objetivo específico, desmistificar alguns conceitos errôneos que envolvem a questão da teologia e seu valor, pontuar sua relevância na história da igreja e, estabelecer um ponto de harmonia entre o pensamento teológico e como ele precisa ser aplicado na prática. Através da problemática que questiona “qual a real necessidade da teologia na vida cristã? E como ela pode ser aplicada na vida prática da igreja?” foi possível ponderar acerca de que a teologia quando devidamente entendida dentro do seu real propósito, constitui uma potente ferramenta para a glória de Deus e na propagação da sua mensagem.  Utilizando como método a revisão bibliográfica, os resultados obtidos demonstram que é impossível a um cristão ler sua Bíblia sem fazer teologia, portanto, a questão crucial é, que tipo de teologia ele tem produzido? Para próximas pesquisas, foram elencados os seguintes pontos: o que aconteceu com o cristianismo moderno, que apesar do grande número de proféssos, pouca contundência há no mundo? O que houve com a igreja ao longo desses 2000 anos? A mensagem perdeu o valor ou a igreja se perdeu no processo de interpretá-la e por isso a aplicação é ineficaz hoje?

 

Palavras-chave: Teologia. Cristão. Evangelho. História. 

 

 

ABSTRACT 

 

The purpose of this article is to expose the relevance of theology to the Christian life and, as a specific objective, to demystify some of the misconceptions surrounding the question of theology and its value, to punctuate its relevance in the history of the church, and to establish


a point of harmony between theological thinking and how it needs to be applied in practice. Through the problematic that questions "what is the real need of theology in the Christian life? And how can it be applied in the practical life of the church? "It was possible to ponder that theology when properly understood within its real purpose constitutes a potent tool for the glory of God and the propagation of his message. Using the bibliographic review method as a method, the results obtained demonstrate that it is impossible for a Christian to read his Bible without doing theology, so the crucial question is, what kind of theology has he produced? For the next research, the following points were pointed out: what happened to modern Christianity, which despite the large number of professions, there is little force in the world? What happened to the church over 2000 years? Has the message lost its value or changed the message?

 

 

Keywords: Word. Language. English

 

 

1        INTRODUÇÃO 

 

Em linhas gerais, pode-se dizer que teologia é o estudo que se ocupa das coisas concernentes a Deus, Ou seja, é todo o esforço humano para compreender o ser de Deus revelado nas Escrituras Sagradas, diante do que pode ser conhecido e do que foi comunicado ao homem. Em termos teológicos, a palavra teologia provém do conceito grego formado por Theos “Deus” e Logos “estudo”. Obviamente, nenhuma criatura pode chegar ao conhecimento de Deus, se não, pelo que Ele mesmo revelou de Si, ou seja, pelo que Ele permitiu ser conhecido de suas criaturas finitas. Portanto, não é pretensão da teologia estudar Deus, mas sim sua revelação feita, que por sua vez, dá ao homem o conhecimento necessário para gerar fé e entendimento acerca do Deus que se revelou.  

Tendo como ponto de partida o conceito de que Deus é a verdade primeira, e a base vital para todo conhecimento, onde o homem encontra lógica e todo o sentido da existência, ao retirá-lo de qualquer equação ou método de estudo, tudo desaba. Ou seja, não se pode chegar a um resultado satisfatório, ou pelo menos coerente acerca da existência sem levar Deus em conta. Segundo David S. Clarker[2], apud Pearlman (2009, p.15) “toda a existência do homem gira em torno de como pensa, especialmente o que pensa acerca de Deus.”. Partindo deste ponto, um pensamento desconectado do tronco da verdade revelada nas Escrituras, resultará em um entendimento completamente defeituoso e desarmônico a respeito de Deus, pois, qualquer definição construída fora do que Ele mesmo fez de si, é falsa, e qualquer tentativa de entendê-lo autonomamente é no mínimo imprudente. Sendo assim, no que diz respeito à teologia, precisa existir o entendimento de que ela não é um fim em si mesma, mas, o meio pelo qual a revelação é interpretada, organizada dentro de uma cronologia e anunciada, levando em consideração todo o contexto e propósito pelo qual ela foi dada aos homens.  

Então, o ponto crucial para qualquer avanço no entendimento do sentido de teologia para a vida cristã é compreender que, a Escritura Sagrada é a palavra de Deus inspirada, e nela, Ele se revela de forma suficiente e infalível ao homem. A verdadeira teologia, portanto, é aquela que emana das Escrituras e não pode ser de forma alguma mutável, pois, a revelação de Deus nas Escrituras é única, invariável e invulnerável ao tempo. Desta forma, a teologia procede de Deus, por meio da revelação que ele fez de si mesmo nas Escrituras, e precisa voltar para Deus como resposta do entendimento captado por suas criaturas moralmente dotadas de intelecto, capaz de absorver o que foi revelado e transmitir num viver coerente aquilo que lhe foi manifestado.  

Tendo em vista esses fatos, entende-se a necessidade de investir no conhecimento teológico, instruir e motivar os cristãos a conhecerem além do que já sabem, para que não se procrie esse pensamento incoerente de que o cristão não pode buscar conhecimento sem perder espiritualidade. Obviamente, nem todo cristão almeja ser um teólogo, e nem todo teólogo necessariamente é um cristão, e também, o fato de ser cristão não obriga o crente a ser um teólogo com formação acadêmica, entretanto, o fato de não ser um teólogo de formação, não significa que ele não produza uma teologia sobre o que lê nas escrituras. O maior perigo talvez esteja nesse fato. 

 

Nem todos se apercebem do fato de que cada leitura de um texto envolve um processo de interpretação do mesmo. Não existe compreensão de um texto sem que haja interpretação, mesmo que esta leitura seja do jornal e o processo de interpretação aconteça inconscientemente. Sendo um texto, a bíblia não foge a esta regra. Cada vez que abrimos e lemos, buscamos entender a mensagem de Deus para nós, engajamo-nos num processo de interpretação. Como palavra de Deus, a bíblia deve ser lida como nenhum outro livro. [...] Acresce que a Bíblia está distante de nós em diversos aspectos, o que faz que nossa leitura da mesma exija um esforço consciente de interpretação, diferente, por exemplo, da leitura que fazemos da revista. (LOPES, 2013, p. 21) 

 

Nesse sentido, fica fácil entender que não há como ler a Bíblia sem fazer teologia. Pois, ao lê-la é necessário que se interprete o que foi lido, e nesse processo, o que foi lido passa a ter sentido na vida de quem leu. Para Olson (2001 p.11), “a teologia é exatamente isso: a fé buscando o entendimento da palavra de Deus”. E esse conhecimento em ação é o que move o cristianismo no mundo de forma contundente. A teologia, portanto, define um conceito extremamente relevante, no tocante à necessidade de buscar por meios corretos e seguros, a compreensão daquilo que está expresso na palavra, sem diluir sua essência por qualquer inclinação religiosa. Nesse aspecto, a teologia procura organizar de forma didática e sistemática todas as informações expressas nas escrituras, exercendo um grande ofício, centralizando dentro de um pensamento claro e linear, todo conteúdo revelado na mesma, de maneira que, a essência e a retidão daquilo que foi transmitido por Deus no passado não se perca na história.  

Diante das inúmeras fabulações que rodeiam a igreja atual, este artigo, procura de forma direta e objetiva, abordar a questão entre o cristão e a teologia, visando à importância da teologia na vida cristã e sua relevância no contexto eclesiástico, pois, diante dos extravios do conceito de teologia e do seu valor para a igreja no geral, observou-se a necessidade de elaborar um pensamento coerente acerca de tal assunto, para que, os cristãos atuais não sejam enganados pelas falácias de que a teologia é desnecessária, impraticável e até mesmo danosa à espiritualidade cristã. Sendo assim, qual a real necessidade da teologia na vida cristã? E como ela pode ser aplicada na vida prática da igreja?  

Este artigo tem como objetivo geral mostrar o quanto a teologia é importante para a vida do cristão, e tem como objetivo específico desmistificar alguns conceitos errôneos que envolvem a questão da teologia e seu valor, pontuar sua relevância na história da igreja e, estabelecer um ponto de harmonia entre o pensamento teológico e como ele precisa ser aplicado na prática, e por meio disto, oferecer meios aos cristãos atuais de evitarem os excessos contidos numa espiritualidade irracional e inconsistente, ou seja, que exclui a importância e a relevância do conhecimento e do estudo das Escrituras, e alertando-os também da aridez contida em uma intelectualidade vazia de Deus, inoperante e insensível, lembrando-os de que não se pode honrar a Deus sem conhecê-lo, e de que também não se pode conhecê-lo sem honrá-lo. E isso por meio da utilização do método de pesquisa bibliográfica realizada a partir de livros sistemáticos de teologia, história, hermenêutica e obras com assuntos relevantes dentro do tema.  

 

 

2 TEOLOGIA: RELEVANTE OU IRRELEVANTE? 

 

Partindo da premissa de que a teologia é todo esforço humano em compreender de forma correta a revelação de Deus, é correto se dizer que ela não somente é relevante, mais também imprescindível ao cristão que ama a Deus. Segundo Gruden: 

 

O estudo da teologia não é meramente um exercício teórico do intelecto. É um estudo do Deus vivo e das maravilhas de todas as suas obras na criação e na redenção. [...] Devemos amar tudo que Deus é, tudo que ele diz e tudo o que ele faz. [...] Nossa resposta ao estudo da teologia das escrituras deve ser a mesma do salmista, que disse: “Que precioso para mim, ó Deus, são os teus pensamentos!" Salmos 139.17. (GRUDEN, 2010, p.16)

 

A proeminência da teologia está no alvo ao qual ela concentra seu estudo, nesse caso, a auto-revelação de Deus, por meio das Escrituras Sagradas. Sendo assim, o princípio pelo qual se faz aquilo que foi lido ter um sentido lógico e uma aplicação eficaz é a interpretação que foi feita nesse processo, o que se pode chamar de “fazer teologia”, sendo assim, há grande importância nesse processo. A teologia opera nesse sentido, como uma ferramenta balizadora e organizadora dos eventos e ensinamentos contidos nas Escrituras, de forma que a compreensão de cada assunto tratado não seja uma aventura autônoma do leitor, mas, um caminho pelo qual há uma congruência, não somente com os dois mil anos de história da igreja, onde o pensamento teológico se estruturou de forma sistêmica e didática, mas, fundamentalmente, congruente com a revelação escrita, ou seja, a Bíblia.  

Dentro desta questão sistêmica, sabe-se que há diversos assuntos tratados por toda a Escritura, como por exemplo, a doutrina da palavra de Deus, que estuda as coisas concernentes a inspiração, inerrância, infalibilidade e suficiência das Escrituras, bem como o fechamento do cânon. A doutrina de Deus, que ocupa-se do ser de Deus revelado por toda a Escritura, a Trindade, assim como seus atributos, criação, anjos, satanás e demônios e a providência Divina. Doutrina do homem, que trata do pecado, corrupção humana, as alianças entre Deus e o homem. A doutrina de Cristo e do espírito santo, que fala sobre a pessoa de Cristo, a expiação, ressurreição e ascensão, os ofícios de Cristo, a obra do espírito santo. A doutrina da aplicação da redenção, que discorre sobre a graça comum, eleição e reprovação, regeneração, conversão (fé e arrependimento), justificação (direito legal de estar diante de Deus), santificação (tornar-se semelhante a Cristo), batismo e plenitude no espírito santo, glorificação. Doutrina da igreja, suas  características e propósitos, o poder da igreja, o governo da igreja, meios de graça na igreja, batismo e ceia, adoração, os dons do espírito santo. Doutrina das últimas coisas, que como o próprio tema fala, trata sobre a volta de Cristo, o milênio, o juízo final e o castigo eterno, o novo céu e nova terra.

Entretanto, diante da infinidade de assuntos aos quais as Escrituras tratam, sabe-se também que o assunto central é Cristo. Ou seja, todos os demais assuntos precisam convergir neste, de forma congruente e harmônica. Assim, Pinçando essa idéia, não é difícil compreender o que Hodge diz sobre isso: 

 

Não podemos saber o que Deus revelou em sua palavra a menos que entendamos, pelo menos numa medida plausível, a revelação que as verdades dispersas nela compreendidas mantém umas com as outras. Solucionar o problema concernente a pessoa de Cristo, Isto é, ajustar e produzir um arranjo harmonioso de todos os fatos que a Bíblia ensina sobre esse tema, custou à igreja séculos de estudo e controvérsia. [...] Se desempenharmos nosso dever como mestres e defensores da verdade, devemos envidar esforços em trazer todos os fatos da Revelação a uma ordem sistemática e a uma relação mútua. Somente assim podemos satisfatoriamente exibir suas verdades, defendê-las das objeções ou apresentá-las para que se disseminem na plenitude de sua força, na mente dos homens. (HODGE, 2001, p.2) 

 

Compreender isto é compreender  a relevância da teologia para a vida cristã, e isso implica em muito mais do que  o conhecimento de meros modelos de pensamentos sendo reproduzidos em séries por diversos grupos de pensadores. Para que os cristãos compreendam o sentido e a relevância da teologia em suas vidas, eles precisam acima de tudo, terem em suas mentes a glória de Deus, e não sua promoção pessoal por ser portador de algum conhecimento. Desta forma, em consonância com os antigos teólogos que seguem o pensamento reformado, fazer teologia é debruçar-se aplicadamente ao que Deus disse em sua palavra, e procurar conhecê-lo com todo zelo e amor através da indelével tinta das canetas de seus escritores, véteros e neo-testamentários.  

Nesse sentido, a teologia agiliza o processo do conhecimento bíblico dentro dos seus respectivos assuntos, dando as diretrizes do que fora revelado, dentro das linhas de resoluções construídas pela igreja ao longo de dois mil anos. Desta forma, seria muita presunção da parte de um cristão hoje, acreditar que, possivelmente, a conclusão que ele chegou da interpretação de determinado texto, seja algo excepcionalmente novo na história, algo jamais visto e abordado ao longo de toda história do povo cristão. Esse talvez seja o grande erro da maioria dos cristãos modernos, desconsiderarem todo conhecimento adquirido pela história da igreja, por seus conflitos, por seus desafios e por seus próprios erros. Há uma história densa e profunda a ser considerada. Há muito conhecimento salutar, organizado e simplificado de modo a cooperar para o avanço da igreja atual, porém, ao desprezarem o passado, o presente torna-se acéfalo, confuso e razo. Com isso, não está se dizendo que a teologia é o meio humano de melhorar o que fora revelado nas Escrituras, de modo a ser melhor compreendido por quem lê-la. Segundo Gruden: 

 

 

Podemos ensinar aos outros de maneira mais efetiva se conseguirmos dirigi-los para as passagens mais relevantes e apresentar um resumo do ensino desses textos. Assim, a pessoa que nos faz perguntas pode examinar essas passagens rapidamente por si mesmas e aprender muito mais depressa qual o ensino da Bíblia sobre o assunto específico. (GRUDEN, 1999, p.7)  

 

A teologia é, portanto, uma importante ferramenta a serviço do Deus vivo, para o amadurecimento e crescimento dos seus filhos em um conhecimento testado, contestado, questionado, porém, definido como verdadeiro e fiel. Sua relevância consiste  na imponente nobreza de ocupar-se detalhada e minuciosamente no estudo das coisas concernentes a Deus, para que de forma contundente, os que são chamados a fé salvadora, saibam dar razão da esperança que há em si, como está escrito em I Pedro 3. 15. 

 

2.1 O papel da teologia 

 

Em um sentido mais abrangente, a teologia nasceu para responder perguntas, satisfazer as necessidades de mentes indagadoras tanto de dentro quanto de fora da igreja. E não somente isso, ao trazer as respostas, ela trás também o entendimento, e o entendimento aplicado, é o que valida à teologia como uma ferramenta eficaz para glória de Deus. Para Reali:

 

É preciso partir das verdades ‘racionais’, porque é a razão que nos une. Escreve santo Tomás: ‘É necessário recorrer à razão, à qual todos devem assentir. É sobre essa base que se podem obter os primeiros resultados universais, porque racionais, com base nos quais se pode depois construir um discurso de aprofundamento, de caráter teológico. Portanto, para Santo Tomás, começar pela razão, quando isto é possível, não é um procedimento racionalista, ou seja, não significa dizer que a razão esteja acima da fé. Trata-se, antes, de uma metodologia, que visa assentar certas primícias que, por serem racionais, podem também ser aceitas por todos. Partir, pois, da razão é partir do que é comum a todos. (REALI, 2004, p. 213)

 

A melhor resposta a questão do papel da teologia, fica por conta do que ela representa para contexto eclesiástico e principalmente para o cristianismo. Pois, ajustados aos propósitos divinos, dentro de uma esfera composta por seres dotados de intelecto, vontades e responsabilidades, ela representa um mecanismo de defesa, aferição e validação daquilo que é produzido por mentes pensantes. A teologia submete as definições feitas a partir da interpretação do que foi lido, a testes coerenciais e harmônicos de toda revelação a respeito do que foi definido, para que, caso esteja de acordo com toda revelação, e não apenas com alguns pontos isolados, seja validada como uma definição autêntica e fiel, caso não, seja reprovada pela unidade das Escrituras , de onde emana, infalivelmente, a sabedoria eterna de Deus ao falar aos homens. Quanto a isso, Gruden também afirma que, “tudo que a bíblia diz está de alguma forma relacionado com todo o resto do que ela diz, pois tudo se harmoniza de um modo coerente.”, (GRUDEN, 1999, p.7). O que claramente evidencia a sabedoria infinita de Deus ao falar em tempos e épocas diferentes, por diferentes escritores, culturas, línguas, por um longo período de tempo e ainda assim manter coerente, harmônico e preciso cada ponto no desenvolvimento da revelação.   

Em linguagens teológicas, seu papel ou sua função é guardar a revelação verbal plenária das elucubrações fantasiosas provenientes de pensamentos contemplativos, baseados em misticismo e pragmatismo. Um ponto crucial a ser ressaltado é que, a teologia possui uma série de ramificações e subdivisões que compreende toda a abrangência de sua atuação no que diz respeito à estruturação e ordenação dos assuntos em temas, viabilizando com isso, o entendimento sobre determinado assunto, tornando o processo de aprendizagem mais objetivo, direto e eficaz. De acordo com Gruden: 

 

Para ensinar efetivamente a nós mesmos e a outros o que a Bíblia toda diz, é necessário compilar e resumir todas as passagens das Escrituras sobre um assunto específico. Por exemplo, se alguém me perguntar “que ensina a Bíblia sobre a volta de Cristo?” [...] “que ensina a Bíblia acerca da obra do Espírito Santo?” [...] “que ensina a Bíblia sobre oração?” [...] “que ensina a Bíblia sobre o pecado?”.  Não há simplesmente tempo suficiente em nossa vida para ler a Bíblia toda do começo ao fim em busca de uma resposta para nós mesmos todas as vezes que surge uma questão doutrinária. Por essa razão, para que aprendamos o que a Bíblia diz, é muito útil ter o benefício de trabalho de outros que têm pesquisado através das Escrituras e encontrado respostas para esses vários assuntos. [...] basicamente porque somos finitos em nossa memória e na quantidade de tempo à nossa disposição. (GRUDEN, 1999, p.7) 

 

Desta maneira, a teologia desempenha seu papel estruturando didaticamente todo entendimento acerca das doutrinas e ensinos contido nas Escrituras da seguinte maneira; teologia bíblica, histórica, dogmática, hermenêutica, exegética e sistemática. Assim, quando se pensa em algum tema, há de pronto, um direcionamento sistêmico que facilita e agiliza o processo de pesquisa e agrupamento de informações sobre o referido assunto.  

 

 

2.2 Construções místicas 

 

A palavra mística, de acordo com o mini dicionário Luft, (2002, pg. 461), tem a ver com uma vida religiosa contemplativa, de sentido misterioso e ascético. Em concordância com esta definição, pode-se traçar claramente a perspectiva de alguns cristãos que, ao excluir o desenvolvimento de um entendimento apurado no que Deus revelou de si, por meio de sua palavra que é inerrante, infalível e suficiente, firmam-se em suas contemplações e conjecturaçãos unicamente baseadas em experiências pessoais, e não segundo o que as escrituras dizem e ensinam. Desta forma, o meio imediato para que se mantenha um grupo de pessoas sujeitas a esse transe espiritual, onde são facilmente manipuladas e controladas, é arrebatando deles o conhecimento das escrituras. Quando não são expostas ao terror de que a teologia é o bicho papão que irá devorá-los e privá-los dos seus pseudos momentos de espiritualidades contemplativas, a final de contas, “a teologia mata a espiritualidade e faz com que o cristão esfrie-se na fé.” Logicamente, com esse discurso em um ambiente onde o entendimento é sabotado com o objetivo especificamente voltado para o encabrestamento intelectual, a teologia é vista como prejudicial e danosa.

Diante desta questão, pode haver quem diga que não importa a maneira como a bíblia está sendo pregada, pois, o que importa é que há pregação da bíblia e que, portanto, esse argumento não é consistente. Entretanto, o fato aqui é exatamente esse, o distorcimento e a manipulação daquilo que está sendo exposto às pessoas como palavra de Deus, pois, nem tudo que está sendo pregado condiz com aquilo que o texto está dizendo, nem tudo que é apresentado como de Deus, de fato o é. As fabulações, portanto, nascem principalmente a partir de uma mente confusa, depois ela se alastra pelos meandros de um raciocínio meramente especulativo, que admite toda espécie de manipulação, e por fim, deságua em um mar de distorções e heresias. A igreja hodierna precisa despertar quanto a isso. Segundo Hernandes Dias Lopes:

 

É espantoso o crescimento numérico da Igreja evangélica no Brasil. Do ano de 1990 ao ano 2000, a Igreja evangélica cresceu 58% no Brasil, mas o país não mudou. As pessoas entram para a igreja, mas não são transformadas. Elas se tornam evangélicas, mas não nascem de novo. O caráter não é transformado. Elas não se tornam novas criaturas. A vida não muda, a família não muda, a conduta não muda. Elas continuam construindo sobre a areia. Isso porque o evangelho não está mais presente nos púlpitos como verdade absoluta. Os pregadores estão falando mais de auto-ajuda do que da ajuda do alto. Eles pregam mais sobre o que o homem pode alcançar do que sobre a gloriosa obra da graça de Deus a favor do homem. Na verdade, os pregadores estão atrás de aplausos e riqueza, em vez de buscarem a glória de Deus e a salvação dos perdidos. (LOPES, 2007, Pg. 17) 

 

Há muito mais cristãos hoje no mundo do que no primeiro século da era cristã, no entanto, há, lastimavelmente, menos eficácia e contundência do cristianismo no mundo hoje, com milhões de cristãos, do que havia cerca de dois mil anos atrás, com cento e vinte. Alguma coisa aconteceu. Diante de tão lastimável realidade, o que se pode concluir é que, no mínimo, há mais cristão entregue a mitos e fábulas, erguido ao redor da mensagem bíblica, do que cristãos essencialmente nascidos do fruto da verdadeira mensagem escrituristica. Com isso, destaca-se também que, indubitavelmente, construções místicas são formas humanas erigidas sem compromisso algum com o todo das Escrituras, portanto, não é constituída de poder e autoridade para atuar eficazmente no mundo.

 

 

3 DESMISTIFICANDO CONCEITOS 

 

Desmistificar alguns conceitos errôneos que existem entre o cristão e a teologia não é uma tarefa muito fácil no contexto atual da igreja brasileira, visto que não é uma questão apenas de inocente ignorância, mas sim da sujeição passiva ao que é falado e ensinado, sem que haja uma averiguação ou algum tipo de aferição, se o que está sendo ensinado está em conformidade com o padrão único das Sagradas Escrituras ou não. A tarefa se torna difícil justamente por esse fator, parece não haver uma preocupação quanto a isso. O que é falado é aceito independente se é verdade ou não, se é bíblico ou não. Criou-se uma cultura do encabrestamento espiritual e intelectual do cristão a um sistema religioso que, normalmente é gerido por uma liderança despreparada, que jamais incentivará seus liderados a buscarem o conhecimento. 

Partindo desse ponto, é notória a necessidade de uma desconstrução de pensamentos equivocados que foram erigidos em torno da igreja brasileira. Pois, as principais resistências de uma busca pelo conhecimento e métodos apropriados de interpretação Bíblica, são provenientes de uma liderança religiosa pretensiosa e ardilosa, que não correspondem ao todo da igreja, mas que mesmo assim, deixam um rastro perturbador no contexto atual, pois, através da manipulação e subserviência da intelectualidade, trazem cativos consigo um grande número de pessoas cegas e dormentes acerca da verdade. Visto que, ao despojar essas pessoas de um conhecimento aprofundado das Escrituras e de ferramentas que possibilitam uma aferição do que está sendo falado, torna-se muito mais fácil governar seus interesses sobre elas. Dessa forma, muitos cristãos são manipulados e influenciados a adotarem a filosofia descabida de que a teologia sufoca a espiritualidade e mata o fervor do crente.  

A verdadeira teologia, que emana das escrituras, através da revelação do próprio Deus aos homens, não esfria o cristão, pelo contrário, ela o conduz racionalmente dentro de um entendimento responsável com toda a revelação e não apenas por alguns pontos isolados, mas como um todo, e fazendo isso, ela extingue o falso fervor do cristão, muitas vezes baseado e fundamentado em mitos, sincretismos e pragmatismos. De acordo com Sproul:

 

A teologia é inevitável para todo cristão. É nossa tentativa para entendermos a verdade que Deus nos revelou, algo que todo cristão faz.  Portanto, a questão não é se vamos nos engajar em teologia, mas se a nossa teologia é correta ou incorreta. É importante estudarmos e aprendermos porque Deus fez grande esforço para se revelar ao seu povo. Ele nos deu um Livro, que não deve ficar quieto numa prateleira exercendo pressão sobre flores secas, mas deve ser lido, examinado, meditado, estudado e, principalmente, entendido. (SPROUL, 2014, p. 22) 

 

A idéia de que a letra mata, mas o espírito vivifica é sustentada em grande parte por homens mal intencionados que, ao privarem as pessoas de irem ao conhecimento, tornam-se seus tutores espirituais e, nesse processo, há uma espécie de sabotagem intelectual.  Infelizmente, o resultado dessa interpretação descabida, põe em oposição dois princípios que será mais amplamente abordado no próximo ponto, que reflete o entendimento entre conhecimento e espiritualidade. 

 

3.1 Conhecimento x Espiritualidade  

 

A argumentação que gira em torno da questão de que o cristão precisa apenas buscar poder, pois, o entendimento vem à medida que ele se torna mais espiritual não encontra consistência diante das escrituras. A irracionalidade dessa idéia fica evidente diante do propósito pelo qual as escrituras foram dadas aos homens. O texto de Romanos 15.4 diz: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”. II Timóteo 3.16 diz, "Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça". Tendo uma compreensão acurada desta realidade, Beeker (2016 p.49) diz que, "é certo que o finito não consegue conter o infinito, o homem nunca poderá compreender plenamente a Deus." Consonante a isto, Beeker & Mark afirma:

  

À medida que nossos pensamentos acerca dEle correspondem àquilo que ele diz de si mesmo, os pensamentos humanos acerca de Deus são verdadeiros e constituem conhecimento real sobre ele [...] e mediante seu próprio autotestemunho verbal ele mesmo nos dá esse conhecimento. (BEEKER & JONES, 2016, p.49).  

 

Em um simples pensamento reflexivo acerca disso, como pode-se dizer, então, que, Deus se revelou de forma compreensível e suficiente ao homem, por meio das escrituras, e o homem não deve ou não precisa buscar conhecê-lo através dela? Esse processo é muito incompreendido pelos cristãos que afirmam tais coisas. Primeiro porque a Bíblia não foi escrita no século presente, existem cerca de dois milênios que separam o cristão que lê sua Bíblia hoje, com o último livro escrito no fim do primeiro século da era cristã, segundo argumenta Nicodemus (2013, p.24). Bem como as distâncias entre o cristão atual e a escrita dos textos bíblicos estão às distâncias contextuais, cultural e linguística. Quanto a isto, Lopes também afirma:

 

O distanciamento, Portanto, tem exigido dos leitores da Bíblia ao longo dos séculos a tarefa de interpretá-la. Interpretar é tentar transpor o distanciamento em suas várias formas, como mencionadas acima, e chegar ao sentido exato do texto. De modo geral, o Ponto Central da mensagem da Bíblia é tão claro que pode ser entendido por todos, mesmo os que não estão conscientes do distanciamento. (LOPES, 2013, p. 25).

 

O fato que precisa ser considerado é que, não existe espiritualidade saudável e autêntica se o entendimento não estiver centralizado na fluente de uma nascente verdadeira. Da mesma forma, não pode haver uma busca pelo conhecimento acerca de Deus divorciado da motivação eficaz que conduz o homem a deleitar-se nEle. Essa corrida pelo conhecimento feita pelas vias autônomas, sem a busca pelo auxílio do Espírito Santo, tornar-se uma mera empreitada filosófica. 

 

No pensamento puritano, a interpretação correta das escrituras não era apenas uma questão de emprego das Ferramentas interpretativas corretas, mas também de domínio e utilização das ferramentas espirituais corretas, tais como a dependência em oração, da iluminação do Espírito Santo. De modo análogo, a interpretação sem aplicação era uma idéia inteiramente estranha à mente dos puritanos. (BEEKER & JONES, 2016, p.56). 

 

Acreditar que a teologia é nociva a espiritualidade, é o mesmo que dizer que respirar faz mal para os pulmões. Desde que haja responsabilidade no processo interpretativo, a teologia sempre exercerá um papel fundamental na definição do entendimento da revelação que Deus fez de si aos homens. A teologia não é, portanto, uma ameaça a fé cristã, e sim uma descontrutora de ideologias falsas criadas em torno das Escrituras. Ao longo de aproximadamente dois milênios, ela se estruturou e se organizou sistematicamente de forma a dar respostas contundentes a todos os ataques feitos a fé e prática da igreja.

Portanto, dizer que conhecimento é danoso a espiritualidade do cristão é tão incoerente quanto dizer que a água faz mal ao peixe que nela está imerso. É a profundidade do conhecimento que estreita a relação entre a criatura finita, do seu criador infinito. É na excelência do conhecimento acerca do que foi revelado que é encontrado o deleitar-se no criador de todas as coisas.  A glória de Deus é, em um grau mais elevado, exaltada, quando se há um entendimento mais preciso acerca da sua pessoa, e de como Ele exige que esse relacionamento seja desenvolvido. Com isso, a conclusão que se pode chegar é que, o conhecimento é inseparável da espiritualidade, pois, em ser conhecido está todo o objetivo dAquele que se revelou, a fim de que a comunhão entre o criador eterno, infinito e incognoscível, seja possível e verdadeira a suas criaturas finitas e imperfeitas, e, acima de tudo, baseada fundamentalmente nos critérios divino, não nas idéias construídas a partir de uma mente embotada pelo pecado.

 

 

4 RELEVÂNCIA NA HISTÓRIA DA IGREJA 

 

Para muitos estudiosos, um dos momentos decisivos onde nasce a teologia, foi com a morte do último apóstolo, João, o amado. Segundo Olson:

 

 

Com a morte de João, o cristianismo entrou numa nova era para a qual não estava inteiramente preparado. Já não seria possível solucionar debates doutrinários, ou quaisquer que fossem apelando para um apóstolo. Enquanto os apóstolos viviam, não havia necessidade da teologia no mesmo sentido que depois de sua morte. A teologia nasceu à medida que os herdeiros dos apóstolos começaram a refletir sobre os ensinamentos de Jesus e deles a fim de explicá-los em novos contextos e situações, e de resolver controvérsias quanto à crença e conduta cristãs. (OLSON, 2001 p.10)

 

No início do segundo século diversos ataques foram feitos aos ensinamentos apostólicos na tentativa de tornar o cristianismo uma crença meramente folclórica. No entanto, os cristãos daquele período responderam teologicamente a esses ataques, recorrendo aos ensinamentos puramente extraídos do que os apóstolos ensinaram, e com isso, puderam definir respostas contundentes e consistentes às questões levantadas pelos céticos perturbadores desse segundo século. A história evidencia que a teologia se organizou ao longo dos anos procurando responder os desafios levantados interna, e externamente por cada período. Do século II - V, o período da patrística, depois, a idade média, do século V - XIV, em seguida, a Renascença, do final do século XIV até o século XVI, depois, o período das reformas e da pós-reforma, XVI - XVIII, e por fim, o período moderno e o pós-moderno, XVIII - até os dias atuais. Segundo Cairns:

  

Os escritos dos pais preencheram o vazio de informações históricas entre o período do novo testamento e a última parte do quarto século. Os lideres da igreja, pela pena e pela voz, construíram uma literatura apologética [...] para fazer frente à perseguição externa e a heresia interna. Credos foram concebidos para formular com precisão os fundamentos da fé. Assim, os pais são de enorme importância no estudo do desenvolvimento da vida e do pensamento cristão nesse período. Essa literatura não é nem um pouco enfadonha, e sua leitura reverterá para o estudante aplicado tanto em termos de inspiração como de conhecimento. (CAIRNS, 2008, p. 60).

 

Em toda a história, a teologia exerceu um papel fundamental em momentos de conflitos e confusões doutrinários. Homens como santo Agostinho, Tomás de Aquino, Anselmo de Cantuária, Martinho Lutero e João Calvino, trouxeram grandes contribuições para o que se têm hoje como compêndio teológico, por seus numerosos volumes de obras literárias que combateram as idéias perniciosas dos opositores da fé cristã no decorrer da história, e que abrangem, se não todas, a maioria das doutrinas e ensinamentos bíblicos.

 Inúmeros concílios foram necessários para defender e guardar os ensinamentos de Jesus das ondas doutrinárias e novas tendências que tentaram corromper e distorcer a verdade do Evangelho, porém, fiéis teólogos fundamentados nos ensinamentos das Escrituras Sagradas, lutaram para preservar os alicerces da fé bíblica. Com isso, a igreja sempre produziu grandes pensadores prontos para influenciar e responder a razão que há na fé cristã. Esse é um dos principais fundamentos ensinados e motivados pelas Escrituras Sagradas, como está escrito em I Pedro 3.15, “Antes, reverenciai a Cristo como Senhor em vosso coração, estando sempre preparados para responder a qualquer pessoa que vos questionar quanto à esperança que há em vós.” Entretanto, o fator determinante para que o cristão atual seja engodado pelos erros doutrinários e, naturalmente com isso, levado pelas fábulas e enganos de hoje, está no fato de desconsiderarem todo o conhecimento e sabedoria saudável e salutar que foi produzido ao longo dos séculos, pelos desafios dos quais a igreja do passado fora exposta e pelas respostas que ela precisou dar aos opositores. E como agravante a este fator, está o fato da preguiça espiritual e a morosidade da pós-modernidade. Em grande parte, o que está por trás da falácia de que a teologia mata ou esfria a espiritualidade, é uma mente preguiçosa e um corpo indisposto para Deus.  

 

5 TEOLOGIA E PRÁTICA CRISTà

 

De acordo com William Ames (1576-1633), apud Joel R. Beeker & Mark Jones (2016, p.77), “Teologia é a doutrina ou o ensino de viver para Deus [...] Os homens vivem para Deus quando vivem de acordo com a vontade de Deus, para a glória de Deus e com Deus agindo neles.”. O que se pode entender desta afirmação é que, não se pode honrar a Deus desonrando sua palavra. Precisa haver, portanto, uma harmonia entre entendimento e prática, entre o conceito extraído da revelação e a ação que promove a glória de Deus, sem depreciá-la em coisa alguma. Quando não há uma relação coerente entre o que foi revelado com a realidade prática de sua finalidade, algo deu errado, ou, a revelação não foi suficiente, o que é totalmente descartado, visto que, a palavra de Deus é suficiente, inerrante e infalível, ou, quem a interpreta não está sendo honesto no processo, desonrando com isso, toda a intenção de Deus ao revelar-se ao homem.

O fim da teologia é a glória de Deus. Por isso, é preciso que haja um engajamento consciente e coeso no entendimento de sua revelação, para que o conhecimento acerca de Deus não se torne um mecanismo robotizado, que vive apenas no mundo das idéias, e não encontra funcionalidade na vida prática do cristão. Quando o cristão tem em mente a glória de Deus, a teologia não servirá como algo capaz de esfriá-lo ou torná-lo espiritualmente insensível, pelo contrário, ela servirá como uma ferramenta a serviço de Deus no entendimento e na prática cristã, levando-o a um intenso desejo de viver dentro do que diz respeito ao que pode glorificar a Deus de acordo com sua palavra. A relevância deste assunto está exatamente neste fator, entender a teologia como o estudo da revelação de Deus ao homem e, de forma coerente a essa revelação, procurar aplicá-la na vida prática da igreja de forma simples e direta.   

Em se tratando de aplicar a teologia sumamente extraída das Escrituras a um viver prático e realístico, os puritanos, um grupo reformado de maior envergadura escriturística, que viveu entre os séculos XVI e XVII, expressam claramente a idéia de um entendimento teológico compreendido na sua essência e aplicado a realidade da vida cristã. Quanto a isto, Joel R. Beeker & Mark Jones diz:

 

Ter uma perspectiva bíblica é viver conforme foi determinado pela Palavra de Deus. Os puritanos eram pessoas das Escrituras Sagradas, as quais consideravam o único livro vivo. Eles amavam, viviam e respiravam as Escrituras, regalando-se no poder que acompanhava a Palavra, o poder do Espírito. Eles consideravam os 66 livros das Escrituras a biblioteca do Espírito Santo, a qual lhes havia sido deixada graciosamente. Eles viam as Escrituras como Deus falando a eles como um pai fala com os filhos. Eles viam a Palavra como verdade em que podiam confiar e descansar por toda a eternidade. Eles viam que pelo Espírito ela tinha o poder de renovar sua mente e transformar sua vida. Os puritanos liam, ouviam e cantavam a Palavra com prazer e encorajavam outros a fazer o mesmo. Richard Greenham (c. 1542-1594) sugeriu oito maneiras de ler as Escrituras: com diligência, sabedoria, preparação, meditação, conferência [comunhão com outros crentes], fé, prática e oração. Thomas Watson (c. 1620-1686) ofereceu inúmeras diretrizes para ouvir a Palavra. Venha à Palavra com um apetite santo e um coração ensinável, ele afirmou. Ouça com atenção a Palavra pregada, receba-a com mansidão e misture-a com a fé. Então retenha a Palavra, ore sobre ela, pratique-a e fale dela a outros. (BEEKER & JONES, 2016, p.1193).

           

O sentido de teologia é encontrado e validado quando a Escritura é evidenciada pelo proceder daqueles que vão a ela com o propósito de diligentemente compreendê-la. Assim, a formação teológica existe com um propósito de alimentar tanto a mente quanto a alma, pois, é evidente que não pode haver um crescimento espiritual saudável sem que haja uma participação efetivamente harmônica da mente no processo de conhecimento, o que elimina todo antagonismo criado por uma ala completamente descompromissada com os princípios do verdadeiro cristianismo. Desta forma, uma espiritualidade descompromissada com a verdade bíblica não procede de Deus, da mesma maneira, o academicismo sem o abrasar do espírito não produz nada além de agitações vazias e movimentos estéreis. Sendo assim, o conhecimento que Deus comunicou ao homem acerca de si por meio das Escrituras precisa ser vivido de forma prática sem que esse conhecimento o envaideça ou gere nele orgulho algum. Esse é o objetivo pelo qual as Escrituras foram dadas aos homens, para que os homens vivam por meio do que Ela ensina, e isso só é possível através de uma vida aplicada a Ela.

 

Os puritanos instavam as pessoas a se tornarem bibliocêntricas na fé e na prática. Eles consideravam a Bíblia um guia revestido de autoridade e confiável para testar a verdade religiosa, para orientar em questões de moralidade, para determinar a forma de culto e do governo da igreja e para ajudar em todo tipo de provação espiritual. “Devemos sempre ter a Palavra de Deus diante de nós como regra e em nada crer senão naquilo que ela ensina, nada amar senão o que ela prescreve, nada odiar senão o que ela proíbe, nada fazer senão o que ela ordena”, afirmou Henry Smith (1560-1591) à sua igreja. (BEEKER & JONES, 2016, p.1194).

 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS  

 

            O melhor conhecimento de Deus que se pode alcançar neste mundo, é o de saber que Ele supera, infinitamente, tudo o que dele se pode conhecer no estado ao qual encontra-se o homem. Assim, todo o processo do esforço humano para compreender apuradamente a revelação que Deus fez de si é inútil se não houver a participação ativa e indispensável do espírito, do qual toda Escritura procede. Alicerçado nessa compreensão, toda lógica do viver cristão precisa estar debruçado sobre o que as Escrituras ensinam, pois, é dela que emanam todas as instruções, ensinos, correção e repreensão, fundamentada numa justiça inalterável e sem manchas, que é a justiça divina, como está escrito em II Timóteo 3.16.

Não pode haver cristianismo verdadeiro sem que haja um apreço sincero e submissa fidelidade às Escrituras, da mesma forma como não pode existir um amor sem entrega. A realidade que cerca a questão entre o cristão e a teologia é especificamente esta, ainda que ele não esteja matriculado em um seminário, contudo, o engajamento aos deveres cristãos o impulsionará a Bíblia, a conhecer, a investigação e por fim, a aplicação de tudo quanto é extraído dessa procura, isso é a teologia emanante da revelação Escrita.  Segundo Joel R. Beeker & Mark Jones (2016, p.49), “a Bíblia não é nada menos do que a revelação da mente de Deus; é um livro que, embora redigido por homens pecadores, foi mantido puro de suas próprias falhas inatas.”, falhas essas que precisam ser ab rogadas no processo de interpretação, e isso só é possível por meio do poder desse mesmo espírito que age efetivamente coordenando todo o processo de compreensão do que foi lido, fazendo com que tenha sentido e aplicações eficazes na vida do homem. Oportunamente, é importante dizer que não importa o quanto uma pessoa afirme ser cristã, se o seu zelo e sua maior estima não estiverem em buscar o conhecimento que emana das escrituras, indubitavelmente, não lhe foi comunicada a fé salvadora, a graça da salvação ainda permanece oculta a este, pois, é impossível receber vida, estando morto, e não amar as palavras daquele que a deu graciosamente, nesse caso, todas as palavras empregadas neste artigo torna-se sem valor algum.

Por fim, conclui-se que a teologia é inseparável do viver cristão. Ao abrir a Bíblia à teologia é produzida, ao fechá-la, ela é aplicada. Quem não vai às escrituras sagradas com sede inesgotável não pode desejar se quer falar a comunidade cristã, muito menos ocupar cargos eclesiásticos. A igreja de Cristo precisa ser conduzida primeiramente por Ele, em seguida por pastores que amam, e incentivam suas ovelhas a amarem a Sua palavra. É por meio dela que Deus fala ao seu povo no decorrer da história, é por meio dela que ele corrige, consola, exorta, e ensina de forma infalível e suficiente. Negligenciar isso é desacreditar de sua autoridade, suficiência, veracidade e autenticidade para conduzir os homens de forma segura ao reino dos céus. Se o desejo de Deus fosse que os cristãos vivessem por meio de qualquer outra coisa que não fosse sua palavra, ele jamais teria separado 66 livros, guardado e protegido da corrosão humana, como o único meio infalível, suficiente e inerrante pelo qual ele falou, por meio dos seus profetas e apóstolos. Para Joel R. Beeker & Mark Jones:

 

Para os puritanos as Escrituras eram, então, o fundamento cognitivo para a teologia, conforme mostra o primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster. Seu propósito principal é registrar a revelação de Deus em Jesus Cristo, o qual proclama a vontade de Deus para nossa salvação. (BEEKER & JONES 2016, p. 52).

 

Em vista dos argumentos apresentados, fica clara a relevância da teologia na vida cristã, assim como sua aplicação prática na vida da igreja. Assim, é possível considerar que não somente há a necessidade de buscar o conhecimento das Escrituras, mais também o de utilizar os meios e as ferramentas apropriadas para auxiliar e ordenar a compreensão bíblica.

 

 

7 REFERÊNCIAS 

 

BEEKE, J. R; JONES, M. Teologia puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida Nova, 2016.

CAIRNS, E. E. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

GRUDEN, A. W. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999. 

HODGE, C. Teologia sistemática.  São Paulo: hagnos, 2001.

LOPES, H. D. Morte na panela: uma ameaça real à Igreja. São Paulo: Hagnos, 2007

LOPES, A. N. A bíblia e seus intérpretes: uma breve história da interpretação. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

OLSON, E. R. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.

I PEDRO. In: Bíblia Sagrada: edição com letras grandes. 4. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

REALI, G; ANTISERI, D. História da filosofia: Patrística e Escolástica. 2 ed.  São Paulo: Paulus, 2004.

ROMANOS. In: Bíblia Sagrada: edição com letras grandes. 4. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

II TIMÓTEO. In: Bíblia Sagrada: edição com letras grandes. 4. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.



[1] Bacharel em teologia, Pós-Graduação em sistemática pela CPAJ-CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER e Cursando Mestrado em teologia no Instituto Teológico Peniel. E-mail: fsmachado5154@gmail.com

[2] Fonte não mencionada no texto original

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