Abu Bakr Muhammad Ibn Bajjah, Filosofo de Saragoça
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Por: José J.
02 de Outubro de 2019

Abu Bakr Muhammad Ibn Bajjah, Filosofo de Saragoça

Grandes Filósofos e Cientistas do Islã Medieval

História Geral

                                                             Abu Bakr Muhammad Ibn Bajjah, Filósofo Andaluz de Saragoça

Em 1018 o Califado de Córdoba na Espanha se fragmentou em diversos estados que ficaram conhecidos como os Reinos de Taifa. Vários deles continuaram o progresso cultural e econômico do reino unificado anterior. Um dos mais importantes foi a Taifa ou Reino de Saragoça, no atual Aragão, nordeste da Espanha. Esse estado existiu por cerca de um século apenas (1018 a 1110-1018), mas o seu papel na história europeia foi enorme, pois a ultima dinastia a governa-lo (os iemenitas Banu Hud) farão de Saragoça um grande centro cultural onde as artes e as ciências terão um grande florescimento no qual participarão intelectuais muçulmanos e judeus. O Palácio de Aljaferia, dos Banu Hud, é um exemplo ainda existente do desenvolvimento cultural desse estado.

Em Saragoça a filosofia, vinda do Oriente, irá terminar o seu processo de amadurecimento nas terras da Espanha Muçulmana. E a principal figura nesse processo será Abu Bakr Muhammad Ibn Bajjah, o Avempace da Europa Católica, natural da própria cidade e cuja vida será caracterizada tanto por uma fecunda atividade intelectual como pelas vicissitudes das lutas politicas do seu tempo e pelas intrigas das cortes em que viveu e onde teve muitos inimigos.

Ibn Muhammad se ligará aos conquistadores Almorávidas (uma dinastia bérbere) do Marrocos que conquistam Saragoça e derrubam os Banu Hud em 1110 colocando Ibn Tifilwit como governador do qual Ibn Bajjah será vizir (Primeiro-Ministro). Nessa corte Ibn Bajjah também será cantor, músico e poeta (sua obra poética foi redescoberta em 1951) e onde escreverá um livro (O Tratado sobre Melodias) a respeito da música que terá grande influencia na música da Espanha Muçulmana e do Norte da África.  

Mas será na filosofia e na física que Ibn Bajjah exercerá um impacto maior: ele assimilará tanto o platonismo (presente no mundo muçulmano, mas dominante na Europa até São Tomás de Aquino no século XIII) como a filosofia de Aristóteles (dominante no mundo muçulmano), porem sempre mantendo uma perspectiva mística muçulmana, mas perpassada pelas posturas racionalistas dos Irmãos da Pureza (Ikhwan al-Safa) do Iraque do século X.

Isto significa que Ibn Bajjah irá elaborar uma visão de mundo no qual o idealismo platônico se relacionará com a postura racionalista frente ao mundo e ao homem, típica do aristotelismo, mas numa perspectiva de se alcançar a iluminação divina de acordo com a visão religiosa muçulmana.

Bajjah dividia a humanidade em três grupos: 1) a “grande massa” que assimilava conhecimento à partir do contato com o mundo através dos sentidos e conhece o mundo das coisas singulares e materiais do espaço e do tempo; 2) os homens de ciência que usam a razão para abstrair as noções e leis universais das coisas singulares. Nesse estagio ocorre a introdução ao nível especulativo, mas ainda não ao a separação do mundo material; 3) O nível Superior no qual o intelecto abandona o material, o singular, o espaço e o tempo para contemplar os seres espirituais, os inteligíveis puros trazidos pelo Intelecto Agente que emana de Deus.

Nesta divisão da humanidade vemos a síntese do platonismo e aristotelismo em Ibn Bajjah, pois se as duas primeiras divisões da humanidade remetem a Aristóteles e a Platão igualmente, a última tem uma forte marca deste último.

Essa busca se dá por meio de dois processos: a Solidão e a Conjunção. Nessa última o indivíduo irá alcançar os níveis mais baixos do Intelecto Agente.

Para Ibn Bajjah o terceiro nível era o objetivo da existência humana no qual todo utilitarismo assim como busca de qualquer prazer e felicidade terrena cede espaço a uma felicidade e plenitude mística e o “Homem como animal racional” da concepção aristotélica é substituído pelo “Homem Intelectual” capaz de entrar em comunhão com o Intelecto Agente, intermediário entre Deus e o mundo. Ibn Bajjah acreditava que isso seria possível no mundo terreno por meio do estudo racional, afastamento do mundo e purificação da personalidade do individuo. O Terceiro nível da existência era também uma racionalidade muito além da existente na mente humana, uma supra-racionalidade que permite a alma entender as noções cósmicas emanadas de Deus.

Estas ideias aparecem desenvolvidas em livros como a Carta do Adeus, o Livro sobre a Alma e O Regime do Solitário. Neste último livro Ibn Bajjah defender também a necessidade de que indivíduos racionais e intelectuais dirijam a cidades, isto é o estado, para promover uma ordem social boa no qual a sabedoria dos filósofos comece a ser parte da cultura dos seus habitantes.

Dessa forma ele afirma: “el régimen por excelencia, —dice Avempace— el que se entiende como tal y por excelencia, es el de Dios al crear y gobernar el mundo, del cual el del hombre es solo una derivación y copia defectuosa. Y, dentro del régimen humano —concluye— el que se entiende como tal y por excelencia, es el político, a saber, el del gobierno de la ciudad por parte del gobernante que encamina las acciones de todos sus súbditos racionales hacia el fin supremo de la perfección total y felicidad plena de los mismos y del cuerpo social”. Avempace, El régimen del solitario.

Este texto é baseado na sua experiência conflituosa e ruim dentro da corte dos Almorávidas, quer na Espanha, quer no Marrocos onde, por conta das intrigas políticas dos seus inimigos amargou duas vezes a prisão e acabaria morrendo envenenado, em Fez-Marrocos, em 1139. Por outro também lado representa a aplicação aos seus pensamentos político das ideias de Platão em relação à Cidade Espiritual no qual uma urbe cujas leis são baseadas nas mais elevadas de origem espiritual moldam positivamente a alma dos seus cidadãos.  Portanto, para ele, na cidade espiritual os seus habitantes são livres de opiniões errôneas e a verdadeira ciência prevalece. 

Outros trabalhos muito influentes de Ibn Bajjah foram dois tratados de botânica, Discurso a Respeito de Alguns Livros sobre as Plantas e o Discurso sobre o Nenúfar que tiveram grande influência no desenvolvimento da botânica europeia. No Discurso sobre o Nenúfar Ibn Bajjah, a o comentar sobre o fato dessa planta aquática não ter raízes fixadas na terra faz a afirmação de que não há uma diferença absoluta entre animais e plantas. Ibn Bajjah chega nesses trabalhos a uma proposição radical que somente seria provada no século XVII por conta das pesquisas do botânico alemão Rudolf Jacob Camerarius: as plantas podem ter sexualidade como os animais, embora ele não chegue a uma conclusão sobre isso. Esses trabalhos tiveram forte influencia no importante trabalho botânico de Santo Aberto Magno no século XIII, o De Vegetalibus, uma das bases dessa ciência na cristandade latina.

Também há um estudo sobre os projéteis que foi lido no Renascimento por Galileu e o estimulou a fazer os seus famosos estudos sobre esse assunto. No campo da astronomia Ibn Bajjah observou dois “planetas” como pontos negros atravessando o sol no qual podem ser manchas solares e sua descrição da Via-Láctea era bem mais próxima da realidade do que a ideia herdade dos antigos gregos: “A Via Láctea é a luz de muitas estrelas que quase se tocam. Sua luz forma uma "imagem contínua" (khayâl muttasil) na superfície do corpo, que é como uma "tenda" (takhawwum) sob o elemento ardente e sobre o ar que ele cobre”. Ibn Bajjah define a imagem contínua como resultado da refração (in‛ikâs) e apoia sua explicação com a observação de uma conjunção de dois planetas, Júpiter e Marte, que ocorreu em 1106-7. Ele assistiu a conjunção e "os viu tendo uma figura alongada", embora a figura deles seja circular.

Com o tempo muitos dos trabalhos de Ibn Bajjah se perderam, mas filósofos posteriores da Espanha Mulçumana, islâmicos e judeus, como Averroes (Ibn Rushd), Maimônides e Ibn Tufail, entre outros, e tradutores para o hebraico como Moises de Narbona, deixaram muitos extratos e comentários desses trabalhos permitindo a recuperação nos séculos XIX e XX do pensamento do filósofo saragoçano. No século XIII suas obras eram conhecidas dos filósofos escolásticos europeus e contribuiu para a incorporação do pensamento de Aristóteles na cultura europeia, antes vista com muita desconfiança e até momentaneamente proibida pelo papado. Entre os cristãos latinos são conhecidos os comentários de Santo Alberto Magno, São Tomas de Aquino e Duns Scoto que ajudaram os estudiosos a reconstruir a parte desaparecida da obra de Ibn Bajjah.

 

 

José J.
José J.
Praia Grande / SP
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Mestrado: História (Universidade de São Paulo (USP))
História para Ensino Médio, História do Brasil, História para Ensino Fundamental
Professor de História com Mestrado na USP. Experiência de ensino desde 2005. Venha conhecer uma disciplina muito necessária para a vida.

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