Biblio o quê?
em 08 de Junho de 2020
A alegoria da caverna é uma das mais famosas de Platão, tanto por sua riqueza simbólica quanto por sua constante atualidade. Nela, podemos observar, ao longo da exposição de Sócrates, que inúmeras relações causais estão presentes na situação que o filósofo desenvolve ao longo do texto, sempre com a anuência de Glauco, seu interlocutor, incapaz de discordar de sua lógica.
Ao imaginar os prisioneiros na caverna, que não conhecem outra realidade para além das sombras projetadas na parede, Platão elabora uma representação do conceito de ignorância. Ou seja, quando não conhecemos algo, somos infinitamente mais suscetíveis a acreditar que as aparências são sinônimos de realidade e, a partir desse conhecimento ilusório, podemos formular teorias, ideias, análises e conceituações que, empiricamente, estarão tão incorretas quanto nossa percepção inicial.
Contudo, ao sair da caverna e ter acesso a outras formas, cores e vivências, o sujeito expande seu universo de conhecimentos e percebe que aquilo que ele tomava por verdade anteriormente nada mais era do que uma ilusão. Assim, esse sujeito é capaz de reformular suas ideias e análises de acordo com as novas informações às quais pode ter acesso. Isso faz com que ele deseje compartilhar suas descobertas com seus companheiros, para que eles também possam expandir seus modos de pensar e retificar a percepção ilusória que faziam da realidade produzida pelas sombras.
Desse modo, a conclusão lógica a qual Sócrates chega no texto é que a desmistificação do conhecimento ilusório feita por alguém que teve acesso a informações que não são compartilhadas por todos, seguida da tentativa de convencimento de que as sombras são apenas uma percepção incorreta da realidade, não costuma ser facilmente aceita. A argumentação racional feita por aqueles que detém o conhecimento para aqueles que nunca terão acesso a informação é algo que tende, na alegoria de Platão, a produzir mais revolta do que esclarecimento, culminando na conclusão de Glauco sobre o prisioneiro que retorna à caverna para tentar compartilhar sua nova percepção da realidade com seus antigos colegas: “Sem dúvida, eles o matariam”.
Nesse sentido, o trabalho do bibliotecário no tratamento e análise das fontes de informação torna-se fundamental para garantir o acesso livre à conteúdos de qualidade a todos aqueles que, assim como o prisioneiro que saiu da caverna, desejem ampliar suas percepções da realidade a partir de novos conhecimentos. Todos que pesquisam ou estudam algo reconhecem o quanto essa é uma atividade transformadora, que possibilita um refinamento intelectual de nossas leituras sobre a sociedade e o mundo no qual vivemos, reverberando em práticas profissionais e pessoais.
Assim, quando alguém procura por um item em uma base de busca de uma biblioteca, o primeiro registro que retorna a essa pessoa não é o documento buscado, mas sim o resumo documental elaborado pelo bibliotecário. Para facilitar o acesso à informação, o bibliotecário elabora resumos documentais cujo objetivo é permitir ao leitor identificar se o documento localizado em uma base de busca serve ou não aos seus propósitos, economizando tempo daquele que pesquisa e auxiliando nas tomadas de decisão dos pesquisadores.
Essas representações documentais elaboradas pelos bibliotecários nada mais são do que meras representações das fontes de informação original, tal qual as sombras da caverna não passam de representações distorcidas da realidade a qual os prisioneiros não conseguem ter acesso. Assim, em seu dia a dia profissional, o bibliotecário orienta suas atividades de análise documental e produção de resumos descritivos de modo que cada documento possa ser encontrado e acessado de forma simples por quem quer que procure por ele, garantindo que o menor número possível de pessoas fiquem presas às trevas da caverna de Platão.