A escrita e seus processos
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Por: Laiz L.
08 de Junho de 2020

A escrita e seus processos

Como é o seu processo de escrita?

Redação Geral

Por volta dos meus 7 ou 8 anos, ganhei meu primeiro diário. Era um caderninho pequeno e quadrado, com uma capa azul e lilás, cheia de cachorrinhos. Ele também contava com um cadeado roxo em formato de coração, que hoje — mais de 20 anos depois — anda preso ao meu chaveiro de casa. Acho que esse foi um dos presentes que eu mais gostei de ganhar quando era criança, andava com ele por todo o canto, trancava e destrancava o cadeado sem motivo algum e demorei muito tempo para começar, efetivamente, a riscar as páginas com a melhor caneta que eu tinha, fazendo a minha letra mais caprichada.

Desde quando ganhei esse primeiro diário, desenvolvi a pretensão de registrar no papel todos os acontecimentos da minha vida de forma linear. Gostava muito de passar horas escrevendo e, como eu era pequena, não tinha nenhum outro assunto que não fosse minha própria vida ou aquilo que me cercava. E sempre gostei muito da ideia de registrar coisas e organizá-las, porque tinha (e ainda tenho) a sensação de que quanto mais organizadas estão as coisas, melhor consigo analisá-las e compreendê-las. E isso até hoje me acalma, de certo modo. Acho que acreditei que esse registro totalizante e linear da minha vida fosse perfeitamente possível até meus 13 ou 14 anos, após ter fracassado inúmeras vezes e rasgado algumas dúzias de cadernos ao longo da minha infância e pré-adolescência. Mais tarde, aos 24 anos, ria dessa história na terapia.

 

Drawing hands, de M. C. Esher, 1948.

Quando criança, eu costumava escrever sempre na mesma posição: sentava no chão, em cima de uma ou duas almofadas, apoiava o diário sobre o colchão e passava horas pendurada na beira da cama, tentando lembrar de tudo que já me acontecera. Ao mesmo tempo, também fazia muito esforço para fazer uma letra bonita e não cometer nenhum erro ao escrever.

O procedimento de escrita era sempre o mesmo, do qual meu diário de cachorrinhos foi a primeira vítima: eu começava a escrever contando sobre a minha primeira memória desde que me entendo por gente, que consistia na lembrança de minha mãe na cozinha, de costas pra mim, mexendo na pia ou no fogão, enquanto eu brincava com conchas e espumadeiras que ela havia me dado, sentada no cadeirão de bebê.

Logo após descrever essa minha primeira lembrança, eu geralmente registrava algo sobre meu avô Demétrio, pai da minha mãe, que morreu quando eu tinha 2 anos de idade. Ou então, falava sobre o nascimento do meu irmão, que nasceu por essa época. Contudo, após registrar dois ou três acontecimentos, eu me lembrava de algo que havia acontecido antes daquilo que eu havia escrito e, portanto, teria que refazer meu registro para reorganizá-lo, inserindo a nova lembrança. Então, eu rasgava todas as páginas já escritas, deixava o caderno em branco e recomeçava da primeira memória de novo. Isso quando eu não arrancava as folhas e recomeçava tudo apenas porque tinha cometido muitos erros e achava que o texto estava muito rasurado, precisando ser passado a limpo. Obviamente, essa empreitada nunca durava mais do que uma semana. Desse meu primeiro diário, sobraram apenas a capa vazia e o cadeado, já que todas as folhas foram parar no lixo.

Com o tempo, esse procedimento virou quase que uma introdução padrão de todos os diários ou cadernos de registros pessoais que tive ao longo da minha vida. Só fui aprimorando a introdução de todos os meus cadernos ao longo dos anos, fazendo dela uma desculpa para falar sobre a minha dificuldade de escrever e sobre o quanto eu gosto dessa atividade, ao mesmo tempo. Esse texto, inclusive, nada mais é do que mais uma reprodução desse procedimento que comecei quando ainda era criança.

E esse é um dos maiores problemas sobre o meu processo de escrita: ele não avança. É claro que em algum momento eu percebi que tentar fazer esse registro ordenado da minha vida seria uma grande bobagem. E ri um bocado disso. Mas a necessidade de escrever e reescrever continua presente, repetindo-se ainda como um exercício infantil que me obriga a voltar sempre aos mesmos textos já escritos, revisá-los infinitas vezes e nunca me despedir deles por completo. Escrever me parece ser uma coisa que nunca deve ser feita uma única vez. Escrever é reescrever.

A diferença é que agora já não rasgo mais tantas folhas de papel nesse processo de aperfeiçoamento do texto e de mim mesma. Permito-me rir um pouco dos excessos, dos dramas e das cafonices dos textos antigos. Assim, avanço um pouquinho no meu processo, mesmo que a passos lentos.

Laiz L.
Laiz L.
São Paulo / SP
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Mestrado: Literaturas Comparadas de Língua Portuguesa (Universidade de São Paulo (USP))
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Professora de português e inglês com 8 anos de experiência. Mestre em letras pela usp. Realizo revisões de texto, traduções e serviços acadêmicos.

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